segunda-feira, 11 de julho de 2016



Altair Sales Barbosa

Certa vez, o grande poeta paraibano Geraldo Vandré eternizou em uma de suas escatológicas canções a frase “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Esta frase revela um pouco do Pe. José Luis Castañeda S.J., que chegou a Goiânia no comecinho dos anos 60, juntamente com os padres, também jesuítas, Cristóbal Álvarez, Luís Palacin, Jesus Hortal, Tomazi e outros. Sua missão era ajudar a sedimentar a então recém-criada Universidade de Goiás, que depois adquiriu o nome de Universidade Católica de Goiás e hoje ostenta a denominação de Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Pe. Cristóbal e Pe. Hortal se embrenharam na linha da organização, o primeiro se transformou num dinâmico Reitor e o segundo se dedicou à estruturação dos cursos. Pe. Tomazi, da mesma forma, se empenhou na área da psicologia pedagógica. Pe. Palacin percorreu o caminho da pesquisa histórica e fundou a Historiografia de Goiás. José Luís Castañeda ou Pe. Castañeda, como era mais conhecido, se embrenhou pelos caminhos de implantar por estas bandas do Sertão de Dentro a Doutrina Social da Igreja.

Ele acreditava que os cristãos poderiam figurar nos processos revolucionários humanizantes que exigia a América Latina. Que a construção do Reino de Deus poderia também, sem constrangimento, trilhar o caminho do socialismo, ao que se outorga como característica a capacidade de satisfazer as necessidades básicas do povo e o exercício de uma ampla democracia. Acreditava que as Comunidades de Base poderiam contribuir em muito para a formação da consciência e para a politização das massas populares, não só dos setores do proletariado, mas também de setores vitais da elite.

Quando nós dizemos o pão nosso de cada dia dá-nos hoje, nos referimos à construção e consolidação do território. Venha a nós teu reino porque estamos construindo-o. Não nos deixe cair em tentações como o medo, a traição, a indiferença”.

Sempre afirmava que a partir da ajuda mútua, derivada do mandamento cristão de amor ao próximo, desenvolvem-se formas de solidariedade ativa, assim como as correspondentes formas de organização.

Acreditava que as “Comunidades de Base” eram a unificação organizada da dialética entre progresso e reação e que estas organizações comunitárias poderiam se constituir numa ponte entre evangelização e libertação.

Neste sentido, transformou a antiga chácara da Universidade Católica, hoje Campus II da PUC, numa espécie de “Kibutz”, onde algumas pessoas residiam e conviviam comunitariamente. Nessa época a antiga chácara da UCG era um local isolado, afastado de tudo. Em torno só havia pastagens. Ali várias iniciativas foram realizadas, incluindo cursos para a formação de lideranças, de onde saíram várias pessoas que se tornaram expoentes da política nacional, outras que se dedicaram à docência universitária e algumas que se destacaram tanto na militância política, como na militância religiosa, em todo o Brasil. Somente para citar exemplos dos que ficaram em Goiânia, podemos de forma resumida englobar essas atividades nas pessoas dos professores Ana Lúcia da Silva (PUC GO/UFG); Maria Helena Café (PUC GO/UFG); Mindé Badauy de Menezes (PUC GO/UFG); Geraldo Faria - Alemão (PUC GO/UFG); Antônio Teixeira Neto (PUC GO/UFG); Pedro Wilson Guimarães (PUC GO/UFG); Fernando Clímaco (PUC GO);  Regina Clímaco (PUC GO); Mario Arruda da Costa (PUC GO); Terezinha Coelho (PUC GO); Dario Nunes (PUC GO); Venerando Ribeiro de Campos (UFG); Altair Sales Barbosa (PUC GO); Maria Tereza Lousa - Tetê (UFG); Jacyra Rosa Pires (PUC GO); Lêda Terezinha Costa (PUC GO); Ranulfo Bandeiras; Jaci Fernandes Sobrinho (UFG); Eliete Pacheco Santana; Valderez Loureiro (PUC GO/UFG); José César Clímaco (UFG); Arlene Carvalho de Assis (UFG); Deyse (PUC GO) e tantos outros, que de uma forma ou de outra souberam com muita dignidade honrar os sábios e socialmente comprometidos conhecimentos do Pe. Castañeda.

Dentre as obras sociais de Castañeda, ainda se destacam a sedimentação de movimentos como JOC - Juventude Operária Cristã e JUC – Juventude Universitária Cristã, em várias partes da América Latina.

Na década de 70, Castañeda trabalhou no Chile, juntamente com Paulo Freire, num órgão denominado ICIRA – Instituto para Capacitação e Implantação da Reforma Agrária. Naquele país ambos desenvolveram excelentes trabalhos comunitários, que serviram de modelo para o exercício da Teologia da Libertação e para a difusão da obra Pedagogia do Oprimido, em todo o mundo.
Castañeda, que já havia abandonado o sacerdócio religioso da Companhia de Jesus na década de 70, e que, após a experiência socialista chilena, praticamente foi obrigado a voltar para a Espanha, onde desenvolveu projetos sociais com jovens em situação de risco, veio mais recentemente residir em Anápolis-Goiás, tendo como fiel companheira a enfermeira Fátima Emos.

No último dia 30 de junho, José Luís Castañeda veio a falecer e foi sepultado às 17 horas do dia 1º de julho de 2016, no Cemitério Parque Memorial de Goiânia. No seu sepultamento, alguns dos amigos e ex-alunos, professores da UFG e alguns ex-professores da PUC estavam presentes.

Pe. Castañeda deixou um grande legado para a Igreja Católica em toda a América Latina. Juntamente com o Pe. Gabriel Galache, publicou vários trabalhos sobre a  Doutrina Social da Igreja e sobre a obra do também Jesuita Pe. Teilhard de Chardin. Era um incansável batalhador a favor dos Direitos Humanos.

Portanto, parafraseando o grande escritor Clodomir de Moraes, a frase latina do “requiescat in pace” (que descanse em paz) não se lhe aplica em absoluto. Primeiro, porque Castañeda nunca se mostrava cansado, era um eterno inquieto. E, segundo, porque nunca foi no descanso que buscava a paz e sim no trabalho. Na labuta diária a favor dos menos favorecidos é que ele buscava a paz de espírito, a paz da consciência do dever cumprido, a paz dos que lutam e por isso mesmo não temem a morte.

Obrigado, Pe. Castañeda.


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