Hélverton Baiano
Ninguém levou a sério, e nem poderia, quando Zuca Trovão,
um dos nossos tantos malucos de lá, apregoou que ia escrever um livro. Mas não
falava do quê, nem pra quê, mas também ninguém perguntava, mesmo porque não se
via um que acreditasse nessa história. Era mais uma das tantas lorotas que
Zuca, nos seus delírios encantados, trovejava pelas ruas de Saracutópolis. Loucura lá era coisa normal e todo mundo já
se acostumara, porque os doidos inventavam cada uma de fazer inveja ao mais
catrozado das ideias.
Eu dei vivas a Zuca Trovão quando ele disse que faria um
livro, visto que lá nós somos carentes de escritores. Nossa tradição é oral, de
trovadores, declamadores, contadores de causos e inventores de histórias e
piadas. Quando decretou esse enredo, a primeira coisa que fez foi pedir um
caderno e um lápis no armazém de Seo Paulo do Peg e Pag. Que serventia teria,
ninguém sabia, mesmo porque Zuca era tido e havido na conta dos fugitivos do
Mobral e não sabia fazer o “O” com o fundo duma garrafa.
Lápis e papel na mão, Zuca Trovão soverteu por meio do
mato, num retiro que nos levou a preocupação, não por causa do mato em si, com
isso ele era acostumado, porque praticamente morava lá, mas porque já se
passara mais de três meses que ninguém tinha uma notíciazinha sequer do doido.
Quando ninguém mais esperava, e já dando a empreitada por perdida, veio o
positivo de um caçador de codorna, que disse ter avistado Zuca sentado no topo
duma árvore no meio do cerradão do Pau Seco da Cabeceira Grande. Dizia Que Zuca
estava mesmo com um caderno e rabiscava alguma coisa, portanto era verdadeira a
história da escrevinhação.
Cresceu na população a curiosidade para saber que tipo de
livro e que história sairia da verve de Zuca. Já no quarto mês de sumiço e
algumas diligências do delegado e dos praças, uns diinhas antes de começar a
chuva, olha quem aparece? Zuca Trovão em pessoa. Carregava um embornal onde
dizia estava o livro que fora escrito por ele. Para nosso desespero e comichão,
alertou que não mostraria seu livro pra ninguém, mesmo sendo esse o único da
rua.
Pra satisfazer o clamor popular que virou aquela
curiosidade geral em Saracutópolis, o prefeito se reuniu com o delegado e a
ordem foi pra prender Zuca Trovão e realizar uma sessão pública de leitura do
livro escrito por ele. O fuzuê foi armado e Zuca serpenteou correndo e dando
olê nos soldados e só foi sojigado porque a molecada entrou na farra pra
pegá-lo. Os meninos o pegaram e foram atrás de uma corda pra amarrá-lo e levá-lo
pra Prefeitura. Não iria pra cadeia não, porque ele era um preso ilustre.
Numa folguinha que deram, Zuca soverteu correndo
outra vez e o povão atrás, pega, não pega, pega, não pega. Zuca correndo com
seu embornal num lado e o povaréu correndo atrás. Zuca foi pro rumo da ponte e
o povão correndo pega, não pega. Até que, quando já passava do meio da ponte,
levou uma rasteira e o embornal com o livro dentro voou para a correnteza do
rio e sumiu nas águas. Até hoje a gente fica matutando e querendo saber a
história escrita por Zuca Trovão ou se realmente ele escreveu alguma coisa. No
folclore do lugar apareceram mais de cem histórias atribuídas ao livro de Zuca.