sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Quinhentas e Cinqüenta Gerações

O êmico e o ético de uma história que não acabou


Desde que as naus portuguesas chegaram em abril de 1500 ao litoral brasileiro numa enseada batizada com o nome de Bahia de Todos os Santos, cerca de vinte gerações se passaram. Naquela época, nossos ancestrais indígenas já estavam na região central do Brasil há pelo menos quinhentas e cinqüenta gerações. Isto significava que no oeste da América do Sul, América Central e América do Norte nós já estávamos há muito mais tempo.

Quando chegamos ao centro do Brasil uma sensação estranha tomou conta de nós: pensávamos que havíamos descoberto o paraíso, tal a opulência de recursos. O cerrado, com seus inúmeros rios de águas cristalinas repletos de peixes, com seus variados frutos comestíveis, com uma diversidade enorme de animais e ainda com inúmeros abrigos naturais, nos acolheu de forma tão carinhosa que nos coube retribuir esta acolhida com uma grande pitada de carinho cultural.

Chegamos neste ambiente como nômades, caçadores, pescadores e coletores da sobrevivências. Nossas moradias eram os abrigos naturais ou cavernas locais onde enterrávamos e venerávamos nossos mortos, fazíamos nossas cerimônias e deixamos mensagens gravadas e pintadas nas suas paredes. Mais tarde, com as diversas oportunidades que o ambiente nos oferecia aprendemos a domesticar alguns dos vegetais nativos e nos transformamos em horticultores; com isto, deixamos a moradia das cavernas e passamos a colonizar os verdejantes vales dessa terra, onde meus avós implantaram grandes aldeões. Mesmo vivendo em áreas abertas ou aldeias, nunca deixamos de visitar os abrigos naturais ou cavernas, nossas antigas moradas, pois sempre respeitamos e reverenciamos a memória dos nossos antepassados.

O futuro chegou mais rápido que imaginávamos, e o Brasil que se formou com sua ideologia economicista passou sobre nós como um rolo compressor. Fomos estereotipados na forma de vários preconceitos. Até o título de "preguiçoso" nos cunharam, simplesmente porque não aceitávamos o regime da escravidão. Segmentos da sociedade brasileira procuraram nos marginalizar de várias maneiras, incluindo o uso da força. E por isso, tivemos que nos refugiar nos rincões mais escondidos e inacessíveis do território brasileiro.

Entretanto, nossa cultura e identidade com a terra era tão forte que mesmo deixando somente os rastros, ficaram marcas profundas da nossa herança na cultura do povo brasileiro. E, se formos além das aparências veremos que não somente os brasileiros, mas muitos outros povos incorporaram no seu viver cotidiano elementos que os legamos.

Assim se deu com o feijão, por exemplo, tão apreciado como alimento desde o Brasil até o Texas; este vegetal é uma planta da família leguminosae, que foi domesticada por nós, da mesma forma que domesticamos o abacate, o abacaxi, o tomate, o pimentão, a pimenta, plantas estas que foram tão disseminadas pelo mundo que ficamos a imaginar: Como seria hoje a culinária da Malásia sem a pimenta?

Também domesticamos o tabaco. planta da família solanaceae e a usamos em rituais para amenizar nossas dores e situações de estresse, e que infelizmente afeta todo ser humano, da mesma forma que nossos irmãos do Altiplano Andino usavam a coca, para amenizar os efeitos da altitude e para evitar a labirintite causada pela escassez de oxigênio. A sociedade que se formou aproveitou essas plantas e deu a elas outras formas de uso.

Nossos antepassados mexicanos criaram o milho, cruzando dois tipos de gramíneas nativas. Este cereal irradiou com tamanha força e sucesso entre todos os nossos ancestrais das Américas que até a pamonha, que muitos afirmam ser comida típica de Goiás, já era conhecida por nós pelo menos há cinco mil anos. Hoje o milho movimenta parte da economia mundial.

Algumas de nossas bebidas, cremes e doces alcançaram também mercados mundiais, como o Guaraná, nossa bebida energética e refrescante, nossos cremes da palmeira Açaí, Patauá, Bacaba, Buriti etc., aos quais atribuíamos o nome de sembereba. O creme de Cupuaçu, as Castanhas do Pará, do Caju, do Baru, do Pequi, Amendoins etc., fazem parte de uma imensa listagem da nossa contribuição.

Um dos nossos cremes ficou tão famoso que o mundo até esquece que fomos nós que o criamos. Trata-se do creme da amêndoa do cacaueiro, planta nativa das nossas florestas equatoriais cujo doce hoje em dia é o mais apreciado da terra, e alguns ainda se atrevem a dizer que o melhor chocolate do mundo é o suíço. Quanta falta de conhecimento!

Ensinamos ao mundo a usar o látex da seringueira, planta nativa do ecótono Amazônia e Cerrado. Hoje esta matéria prima movimenta desde nossos corpos pelos solados de nossos sapatos, até caminhões e aviões pelos seus pneus.

Domesticamos batatas, inhames e mais de trezentas raças de mandioca, que hoje é alimento importante na vida de muita gente; ensinamos a consumi-la cozida ou assada e processá-la na forma de tapioca, polvilho, crueira, puba, beijus e dela fizemos o primeiro alimento desidratado da história da humanidade: a farinha.

Ensinamos aos novos colonizadores a consumirem muitas de nossas plantas nativas para saciarem a fome e curarem certas doenças. Assim, a sociedade aprendeu a consumir a Mangaba, o Caju, o Pequi etc., a beber o chá da Douradinha e da Congonha-do-Campo, e a curar a malária usando a entrecasca do Quinino.

Muitos outros segredos vegetais conseguimos ensinar ao novo colonizador que hoje os incorporou na farmacopéia universal. Entretanto, muitos ainda guardamos conosco, não por egoísmo, mas porque a sociedade que se formou à nossa volta nunca se importou em conhecê-los para benefício de toda humanidade. Alguns espertalhões conseguem esses conhecimentos para uso comercial e empresarial, na forma como a sociedade a designa de biopirataria.

E assim, através dessa breve narrativa passamos uma rápida visão de como foi a nossa trajetória nessa terra.

Hoje nossa situação é de penúria. Quem tanto deu pouco ou nada recebeu.

Criaram cidades, estradas, povoados e fazendas onde antes estavam nossa aldeias, tomaram nossas roças, violentaram nossas mulheres e nos deram de presente uma porção de doenças desconhecidas. Lagos imensos cobriram e soterraram nossos campos de caça e coleta. E, pior ainda, fizeram submergir para sempre nossas antigas moradias e os nossos locais sagrados onde enterrávamos e venerávamos a memória da nossa ancestralidade.

Hoje nos dedicam uma folhinha do calendário para comemorar a nossa lembrança.

Humildemente agradecemos, mas nunca se esqueçam que do altos dos edifícios construídos sobre nossas antigas aldeias e das cristas da serras às vezes não tão douradas, que circundam ou represam os antigos rios de água limpa, quinhentas e cinqüenta gerações lhes contemplam.

(abril de 2007)

A Amazônia voltará a ser deserto


A interpretação de alguns climatologistas de que a terra terá um aumento significativo na temperatura nos próximos anos é corretíssima. Isto acontecerá em virtude da decorrência do aumento global da temperatura provocado pelo efeito estufa. Além do aumento da temperatura, num primeiro momento, em alguns locais do planeta, várias outras modificações climáticas caracterizadas por outros fatores acontecerão nos próximos anos. Entretanto, torna-se necessário colocar ordem em muitas outras interpretações, principalmente naquelas que se referem à sucessão das paisagens. Isto porque muitas informações são confusas, contraditórias, e não levam em consideração a história evolutiva das paisagens mencionadas.

Recentemente, tem sido divulgadas informações de que o aumento gradual de temperatura na faixa tropical da terra provocará secas na região amazônica e esta se transformará num cerrado. A informação quanto ao clima é verdadeira, porém a informação referente a transformação da floresta úmida equatorial amazônica em cerrado é falsa. Seria até bom para o futuro do planeta se a floresta se transformasse em cerrado, pois esta paisagem vegetal, ecologicamente, é mais eficiente no que se refere ao seqüestro de carbono e poderia equilibrar ou mesmo amenizar com o tempo as conseqüências do efeito estufa. Mas não é isto o que acontecerá.

O aumento da temperatura na região amazônica e a diminuição da umidade provocarão lentamente a morte da floresta úmida e farão com que a Amazônia retorne a ser um grande deserto arenoso, como já aconteceu em sua história evolutiva recente, durante o Pleistoceno até início do Holoceno, ou seja de 2 milhões de anos até 11 mil anos Antes do Presente.

Na realidade uma gama de estudos em diversos campos da ciência, desde geologia, geomorfologia, climatologia, paleontologia, palinologia, botânica, zoologia, biogeografia etc. atesta que durante o último período glacial, denominado Wisconsin na América e Wiirm no Velho Mundo, notadamente a partir de 20 mil anos Antes do Presente, existia na Amazônia, principalmente nas chamadas terras baixas, um grande deserto arenoso denominado Deserto de Óbidos, que se unia a outro grande deserto situado mais para oeste e que abrangia todo o vale que hoje corresponde ao rio Orinoco.

Isto aconteceu porque houve uma diminuição da umidade na Amazônia, provocada pelas modificações das correntes aéreas, que dependiam das movimentações das correntes marinhas, que foram alteradas pela ação da glaciação citada.

Naquela época, em ilhas específicas situadas nos baixos Chapadões da Amazônia existiam manchas significativas de cerrado, conforme atestam os estudos de palinologia (ciência que estuda os pólens fósseis). Essas manchas eram prolongamento da grande área de cerrado já existente no centro da América do Sul que desapareceram numa época muito recente, em função do fenômeno da coalescência da floresta equatorial, provocada pela expansão das áreas florestadas por causa das mudanças climáticas e de solo, decorrentes do final do período glacial.

A floresta amazônica, tal qual como a conhecemos atualmente, é um fenômeno recentíssimo dentro da história da terra e só foi viável em função principalmente das condições edáficas (solos). Neste sentido, os pesquisadores da pedologia (ciência que estuda os solos) relatam que a maior parte dos solos hoje existentes na área do Bioma Amazônico é incompatível com uma longa estabilidade da floresta, por serem solos muito jovens, com alta taxa de reposição, dotados de características especiais, indicando ausência de vegetação, ou vegetação muito rala num passado não tão distante.

Por outro lado, o cerrado é um tipo de ambiente muito antigo que já atingiu seu apogeu evolutivo, composto por formas vegetacionais associadas a modelos específicos de solo e umidade, cuja adaptação exigiu um longo período de tempo calculado em milhões de anos. É um ambiente em que qualquer tipo de desequilibro provocado na sua estrutura, poderá promover sua extinção. Por isto é que se afirma: que um cerrado degradado jamais voltará a ser cerrado.

A vegetação do cerrado não é xerófita, logo estará na dependência de um clima subúmido: a condição climática que determina o cerrado é a mesma responsável pelo aparecimento de manchas de florestas. Uma vez satisfeita a condição climática, o cerrado aparecerá, ou não, na dependência de fatores edáficos, de ordem nutricional; as diferenças de regime hídrico e térmico em certos limites não implicam em modificações sensíveis na fisionomia do cerrado.

Folhas enormes, que muitas plantas de cerrado apresentam, ausência de sinais de murchamento, mesmo no auge da seca, floração e brotação abundantes antes das chuvas, contradizem a noção geral de que a existência do cerrado seja devido a escassez de água. Vários estudos de fisiologia e morfologia botânica sobre plantas do cerrado atestam esta afirmação, e, somente a título de ilustração, citamos os autores Rawitscher, Rachid e Ferri.

Estes estudos destacam a grande profundidade dos solos do cerrado; abundância de água nesses solos; profundidade considerável dos sistemas radiculares das plantas do cerrado; presença freqüente de estruturas xeromorfas na vegetação do cerrado, como estômatos em depressões, epidermes revestidas por cutículas espessas e camadas cuticulares ou recobertas por numerosos pêlos ou escamas, presença de hipoderme e parênquimas incolores, células pétreas e esclerênquimas bem desenvolvidas etc. Todos esses elementos são, habitualmente, correlacionados com condições xéricas. E, no entanto, o estudo do comportamento da vegetação do cerrado não indica uma associação a tais condições que na verdade não existem.

A grande maioria das plantas do cerrado transpiram livremente e com altos valores, mesmo nos períodos de secas mais pronunciadas. As plantas do cerrado mostram, quase sem exceção, estômatos abertos durante todo o dia, mesmo durante a seca. Também é comum encontrá-los abertos a noite.

Em geral, as reações estomáticas das plantas do cerrado são lentas. O fechamento total das fendas estomáticas, quando se faz cessar o suprimento hídrico arrancando a folha da planta, pode consumar em uma hora ou mais e, às vezes, nunca se completa inteiramente. A transpiração cuticular é freqüentemente muito elevada, embora as cutículas e as camadas cuticulares sejam espessas. Os déficits de satisfação das folhas são baixas, em geral, mesmo em época seca. O valor mais alto encontrado é da ordem de 5% do conteúdo máximo de água.

Em contraste, por exemplo, com as plantas da caatinga, do trópico semi-árido, em cujo ambiente tanto árvores como arbustos têm reações estomáticas muito rápidas, reduzindo mais de 50% do valor inicial de sua transpiração em apenas dois minutos após cessar o suprimento de água e completa o fechamento estomático em cinco minutos.

Estes poucos dados apresentados demonstram a complexidade dos processos adaptativos pelos quais passaram o cerrado. Processos estes que exigiriam longos períodos de tempo geológico calculados em milhões de anos.

Portanto, para que uma floresta equatorial, semelhante a Amazônica, com a história evolutiva que tem, possa se transformar em cerrado, seriam necessários alguns milhões de anos para que se criassem algumas condições vitais; tais como: clima subúmido de temperatura amena e com significativa amplitude térmica entre o dia e a noite; tipos específicos de solo. Se fossem originadas estas condições, que não são fáceis de serem concretizadas, porque nem sempre existe a rocha matriz e suas interações milenares, para a formação dos solos (somente para citar um exemplo), possivelmente poderia ocorrer a migração de algumas espécies de plantas de cerrado para a nova área que seria formada.

Uma área de cerrado degradada jamais tornará a vir a ser cerrado com toda sua biodiversidade. Alterando as condições de solo para melhor, através de correções até uma floresta pode-se criar no local, cerrado nunca mais. A primeira vista este novo ambiente vistoso parece ser até mais encantador, mas se penetrarmos além das aparências perceberemos que ecologicamente o prejuízo será enorme e irreversível. A começar pela recarga dos aqüíferos que não será mais a mesma, em função do complexo sistema radicular que caracteriza as plantas do cerrado e que retém cerca de 70% das águas das chuvas. O seqüestro de carbono da atmosfera, também será afetado.

Portanto, se os efeitos globais de mudança ambiental caminharem no sentido que apontam os estudos climatológicos, é bem provável que as antigas dunas de areias depositadas na Amazônia durante o Pleistoceno voltem a ficar expostas sem a vegetação, que morreu pelo aumento da temperatura e pela falta de umidade.

Se não forem tomadas medidas radicais, provavelmente ainda na nossa geração poderemos presenciar ao vivo a ressurreição do deserto de Óbidos e outras paisagens de capítulos antigos da história da Terra. Isto, se a humanidade conseguir sobreviver.

(março/2007)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Bom para o Brasil, ruim para os brasileiros, péssimo para o Planeta



Por que será que a mesma grande imprensa nacional que tem acompanhado os inúmeros Fóruns Internacionais sobre o efeito estufa e as mudanças globais do clima anuncia com alarde, sem senso crítico e, às vezes, até com alegria a possibilidade do Brasil se tornar o eixo central produtor e exportador de etanol?


Será que não são percebidas as relações existentes entre as grandes monoculturas, despontadas a partir de 1970, e a grave situação ambiental atual?

O etanol, também chamado por alguns de combustível limpo, não é tão limpo assim. Se comparado aos combustíveis fósseis, é claro que a emissão na atmosfera de dióxido e monóxido de carbono por este combustível é menor. Entretanto, devem ser analisados todos passos e conseqüências para sua produção.

O primeiro passo para sua produção é a plantação da cana, fato que exige grandes áreas desmatadas, solos arados e de alta fertilidade natural. Quando os solos não apresentam a fertilidade necessária, faz-se a correção com adubos e calcários em alta escala, modificando os padrões originais do local e provocando os primeiros indícios de contaminação dos lençóis subterrâneos e cursos d'águas superficiais.

O segundo passo é a irrigação executada por grandes aspersores, que são alimentados por volumes imensos de água sugada dos cursos d'água próximos.

A retirada da cobertura vegetal natural provoca, na região do Bioma Cerrado, a diminuição da infiltração das águas das chuvas, fato que, a curto prazo, faz secar o lençol freático e, a médio prazo, provoca o mesmo fenômeno no lençol artesiano.

Todo tipo de monocultura, e a cana é a pior delas, provoca a extinção da biodiversidade, eliminando de forma acelerada diversas espécies de animais. Além disso, como conseqüência dos herbicidas, são dizimadas do local as chamadas plantas daninhas (algumas com grande potencial farmacológico).

O uso dos herbicidas, adubos e calcário provoca a morte dos micro-nutrientes do solo, contamina os lençóis subterrâneos e os cursos d'água superficiais.

A colheita da cana pode ser efetuada de duas maneiras: manualmente e mecanizada. A colheita manual socialmente cria a figura do bóia-fria. Antes do corte, atea-se fogo nas palhas secas, cujas plantações se espalham por milhares de hectares, aumentando a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera e exterminando os micro nutrientes do solo, criando um ciclo perigoso de saturação.

A colheita mecanizada dispensa grande quantidade de mão-de-obra, gerando o êxodo rural e todas as conseqüências que conhecemos.

Após o corte, a cana é transportada para as usinas, a fim de ser processada. O transporte é feito em caminhões com três lances de carrocerias, que recebem a denominação de treminhões. Na época do transporte, quem já teve a oportunidade de verificar o tráfego desses treminhões nas rodovias é consciente do perigo que eles causam.

Uma usina de médio e grande porte para moagem da cana consome alto teor de energia, que pode ser a vapor e elétrica.

No caso das usinas a vapor são necessárias centenas de toneladas de carvão. Fato que aumenta a demanda do desmatamento e multiplicação das carvoarias, pois não há florestas artificiais plantadas para esta finalidade que atendam a demanda. E, quando há, estas florestas geralmente de eucalipto foram plantadas nas áreas onde outrora existia a vegetação nativa. As perdas ambientais são enormes, pois há mais emissões de dióxido e monóxido de carbono na atmosfera e a perda da biodiversidade se torna irreversível, com a extinção de várias espécies de animais adaptadas à vegetação nativa e que, sem território, aos poucos vão desaparecendo da superfície da terra.

No caso das usinas elétricas o consumo de energia é tão grande que é necessária a instalação de sub-estações nas suas proximidades. Com o aumento da produtividade para atender o grande mercado mundial, a necessidade da produção de energia aumentará, o que exigirá uma crescente entropia no sistema hidrográfico brasileiro.

Os subprodutos

Dentre alguns dos sub-produtos da cana estão o bagaço e a vinhaça.

O bagaço atualmente é aproveitado de várias formas: entra na composição do fabrico de alimentos para animais e, quando seco, serve para produção de energia a vapor.

A vinhaça ou vinhoto é um sub-produto com alto grau de fermentação. Até pouco tempo não se conhecia tecnologia para seu aproveitamento e era jogada diretamente nos cursos d'água, poluindo estes e contribuindo para o extermínio da vida nos córregos e rios.

Atualmente, este sub-produto é processado através da diluição e conduzido por canais a céu aberto ou canalizado para uma central de bombeamento, que o dispersa entre as plantações para aumentar a fertilidade do solo. É uma substância corrosiva e não há estudos do seu impacto sobre os diversos tipos de fauna. Outros estudos, entretanto, demonstram que a biodegradação da vinhaça depositada nos canais e tanques após a fertilização libera odores desagradáveis, causando incômodo à população do entorno. Os gases liberados durante a decomposição são prejudiciais à saúde, principalmente amônia, sulfeto e marcaptanas, que também são formados a partir da presença do enxofre no meio.

Atualmente o volume gerado de vinhaça é muito maior que a demanda de aplicação no solo. Neste sentido, as áreas fertilizadas não aproveitam o total de vinhaça gerada e o excedente se torna um problema para o tratamento e disposição final.

De acordo com estudos de CHERNICHARO (1997), a digestão anaeróbica da vinhaça pode ser considerada como um ecossistema onde diversos grupos de microorganismos trabalham interativamente na conversão da matéria orgânica complexa em metano, gás carbônico, água, gás sulfúrico e amônia, além de novas células bacterianas.

De acordo com outros autores como ATSDR, (2002); MITCHEL (2002), os problemas de saúde decorrentes da exposição aos odores liberados em relação ao mercaptano de metilo é que sua inalação está associada a problemas neurológicos e de morte, embora não exista informação sobre os limites de concentrações e suas conseqüências para a saúde.

Além disso, a vinhaça, após sua aplicação na lavoura, permanece nos tanques, nos canais principais e secundários, em processo de decomposição, promovendo a proliferação de vetores de doenças.

O mito da geração de empregos
Todo grande empreendimento econômico, principalmente aqueles que degradam o meio ambiente, se apóia numa justificativa de que grandes oportunidades de emprego surgirão e a qualidade de vida das populações aumentará. Desde 1970, quando as grandes monoculturas foram implantadas no Brasil, este fator não aconteceu. O que temos hoje é um quadro desolador. As populações migraram para as grandes cidades, aumentando a miséria na periferia destas, a pobreza aumentou e não há plano diretor, planejamento ou governante que consiga apresentar uma solução plausível, pois quando se pensa que um problema foi resolvido, outros tantos surgem, em decorrência do "modelo econômico" concentrador que empurra as populações para as áreas urbanas.

Em termos ambientais herdamos a possibilidade de vivermos um futuro incerto com os rios secos e água potável cada vez mais difícil e cara. A derrubada em larga escala da vegetação nativa tem demonstrado que os gases cósmicos provenientes do Sol se concentram na atmosfera baixa da terra, aumentando o efeito estufa e o aquecimento global, cujas conseqüências, como inversão climática, aparecimento de furacões onde não existiram desde o início do Holoceno e tantas outras, são algumas que resultam desses tipos de grandes empreendimentos, que são protótipos do agronegócio predatório.

A grande expectativa da geração de emprego criada por empresários e governo não passou de um mito, cuja concentração de população no entorno da área produtiva gerou povoados e cidades mal planejadas, criou bolsões de miséria e aumentou em muito a prostituição infantil e a criminalidade.

Para manter este mito, os que lucram com a riqueza gerada pelo modelo manipulam estatísticas e fatos para iludir o povo.

Portanto, aqueles entusiastas pelo incremento da produção do etanol, atraídos pela possibilidade de altos investimentos de empresários e banqueiros internacionais, deveriam estudar um pouco mais a realidade brasileira, antes de saírem por ai afirmando em seus discursos que o Brasil tem a maior fronteira agrícola, tem sol em abundância, tem água e tecnologia avançada, deveriam perceber que hoje vivemos o ano de 2007 e não mais na época de Dom Pedro II.

Os fatores ambientais neste início de século XXI já chegaram no limiar da sustentabilidade.

(abril de 2007)

Cerrado: a dor fantasma



Para efetuar uma avaliação correta do nível de degradação em que se encontra o Sistema Biogeográfico do Cerrado é necessário que se tenha em mente um conceito correto do que é cerrado, da sua história evolutiva e de todos os seus componentes básicos.

Se tomarmos, como exemplo, somente a cobertura vegetal como parâmetro, para medir a degradação, incorre-se em dois erros básicos: o primeiro é eleger uma determinada fisionomia vegetal como guia e não considerar a diversidade de paisagens que compõe o cerrado em sua plenitude. O segundo é utilizar, sem os devidos cuidados, o sensoriamento remoto, pois não se trata de um método seguro para medir a degradação vegetal, porque é incapaz de diferenciar espécies nativas de vários tipos vegetacionais exóticos.

Isto ocorre com freqüência quando em grandes áreas, onde outrora existiam monoculturas, que foram abandonadas e agora surge uma vegetação sub-arbórea homogênea, estranha e que não tem nenhuma relação com a vegetação de cerrado. Nas imagens de satélite, entretanto, os menos avisados interpretam como áreas com vegetação intacta, quando na realidade são invasoras exóticas. A análise global deve abranger os componentes da fauna, os aqüíferos e as populações humanas, dentre outros elementos.

O Cerrado é um Sistema Biogeográfico, composto por diversos subsistemas intimamente inter-atuantes e inter-dependentes. Cada sub-sistema tem uma história ocupacional que consequentemente reflete seu nível de degradação. Estes subsistemas flutuam de um gradiente aberto com claridade para gradientes sombreados.

As matas
O subsistema coberto pelas matas é uma área florestada que não pode ser confundida nem com a Floresta Amazônica, nem com a Mata Atlântica, porque se trata de florestas subúmidas, com uma história evolutiva totalmente diferenciada dessas florestas. Estas matas ocorrem no Sistema do Cerrado em função de manchas de solo de alta fertilidade natural - são as chamadas terras de cultura e justamente por esta razão foram as mais cobiçadas desde o início da ocupação humana.

As primeiras grandes fazendas, as primeiras grandes lavouras, foram implantadas nestas áreas, que hoje abrigam também as maiores cidades do cerrado. O nível de degradação dessas áreas é tão grande que o que resta não chega a 2% de sua área original, levando-se em consideração não as plantas isoladas, mas as comunidades e populações de vegetais.

Os campos
Na outra extremidade do gradiente estão os campos, que ocupam os chapadões. Estes foram intensamente ocupados para produção de grãos, a partir da década de 70, de forma tão intensa que praticamente criou-se uma situação que hoje nos permite afirmar que esta paisagem, em termos de população vegetal, não mais existe.

Considerando neste contexto as Unidades de Conservação, situadas em áreas onde originariamente eram campos, estas estão altamente descaracterizadas por manejos inadequados.

O cerradão
Outro subsistema integrante do Sistema do Cerrado é o Cerradão, formação vegetacional associada a solos bem especiais, como é o caso do sudoeste goiano, em que esta associação se dá com solos do arenito Bauru.

Desafiamos a qualquer pesquisador, conhecedor do cerrado, a nos mostrar hoje em dia uma população intacta de cerradão. Isto significa afirmar que seu nível de preservação beira a casa do 0%.

O Cerrado propriamente dito
Por ocupar solos oligotróficos, cuja correção é muito dispendiosa, este subsistema, de árvores pequenas e tortuosas, paisagem dominante que deu nome ao Sistema como um todo, foi até bem pouco tempo desprezado pela agricultura e pecuária.

No entanto, seu carvão, de alta qualidade, despertou a gula dos gananciosos, que usaram e usam correntões para seu desmatamento, em pseudos projetos aprovados pelo IBAMA, como Projetos de Manejo Florestal.

O carvão é utilizado cada vez mais intensamente na siderurgia. Em função disto, as populações de cerrado stricto sensu, como este subsistema é também conhecido, não ultrapassa a casa dos 5% de preservação, em relação às formações originais.

Veredas, ambientes ciliares, várzeas
Estes outros sub-sistemas, com diversos tipos de fácies, não fogem à regra comum da degradação . São ambientes importantíssimos para a ecologia do cerrado como um todo, pois constituem a maternidade da fauna do cerrado, incluindo não só os peixes, mas também mamíferos, répteis e aves.

Os ambientes ciliares há muito vem sofrendo um grande processo de erosão provocado pelas ocupações desordenadas e grandes projetos agrícolas, tipo Pró-Várzea, Projeto Rio Formoso e outros similares.

As veredas, ambientes importantíssimos para a manutenção das águas superficiais, vêm paulatinamente sofrendo grande processo de morte lenta, em função da diminuição do nível das águas dos mananciais. Apesar de tudo, ainda é sste o ambiente mais preservado em todo sistema, atingindo o nível de 16% em relação às áreas originais.

Fauna

O entendimento sobre os aspectos ambientais do Cerrado exige uma análise integrada entre os elementos da fauna, da flora, do espaço geográfico e como eles se relacionam com os demais componentes. Acredita-se que a grande biodiversidade de fauna do Cerrado está vinculada à diversidade de ambientes. Esta correlação permite vislumbrar o ambiente na sua totalidade, o que facilita o estabelecimento adequado de políticas ambientais para a região.

Geograficamente, a região dos cerrados situa-se em um local estratégico entre os domínios brasileiros, o que facilita o intercâmbio florístico e faunístico. Representado no centro do País, a sua área estende-se de um extremo ao outro, do Mato Grosso do Sul ao Piauí, em seu eixo maior, e limita-se, para oeste, com a Floresta Amazônica, para o leste e nordeste, com a vegetação da Caatinga, sendo acompanhada ao sul e sudeste pela Floresta Atlântica. Essas ligações favoreceram o delineamento de corredores de migração importantes, tanto por via terrestre quanto aquática.

Algumas espécies animais do Cerrado são limitadas a determinados tipos de habitat. Os espaços são bem definidos de acordo com a necessidade biológica de cada espécie. Esse condicionamento ao ambiente pode ser explicado pelo determinismo ambiental, imposto pela natureza através de recursos alimentícios, que condicionaram os animais especialistas a viverem em determinadas áreas em função do hábito alimentar. Um exemplo conhecido é o da espécie Myrmecophaga tridactyla (tamanduá-bandeira), que se alimenta basicamente de cupins terrestres e formigas, abundantes em campos abertos.

Para a região do cerrado são apontados para a avifauna 935 espécies que ocorrem em todo o sistema, distribuídas em diferentes habitat por todo o cerrado. Quanto aos mamíferos, foram listadas 298 espécies para os cerrados e 268 espécies de répteis.

A maturação dos frutos e a rebrota das gramíneas, fonte principal de alimento de um grande contingente de fauna, não ocorrem de forma homogênea em todas as áreas de cerrado. A grande frutificação acontece durante os meses de novembro, dezembro e janeiro, época que coincide com o auge da estação chuvosa.

A concentração desses recursos diminui, acompanhando o fim do período chuvoso. Entretanto, com exceção dos meses de maio e junho, considerados críticos no que se refere à oferta de alimentos, os demais meses, que correspondem à época seca, mesmo em menor quantidade, apresentam alguns recursos, entre eles flores, raízes, resinas e alguns frutos.

Os mamíferos dos cerrados podem ser observados durante todo o ano, principalmente os que vivem em áreas abertas. Todavia, a maior concentração dessas espécies em seus nichos alimentares se dá nos meses de setembro, outubro, novembro, dezembro e janeiro. Esta época coincide com a rebrota das gramíneas que, geralmente durante a estação, secam por ação natural ou antrópica, sofrem a ação do fogo e coincide também com a maturação dos frutos. Neste mesmo período acontece a revoada de insetos (mariposas e tanajuras), o que torna fartos os recursos para os mamíferos insetívoros.

Grande parte desses animais estão se acasalando durante os meses correspondentes à estação seca. Isso significa que no período chuvoso vão estar com filhotes. Essa dinâmica da natureza revela a estreita relação entre a flora e a fauna dos cerrados.

Infelizmente, a cada ano que passa, aumenta a lista dos animais ameaçados de extinção total. A natureza dotou esta região de certos mecanismos naturais que garantem a multiplicação e a propagação das espécies. Existe uma estreita interdependência entre a fauna e a flora. O fator biodiversidade animal está diretamente relacionado à diversidade de ambientes. Estes, por sua vez, relacionam-se à variedade de espécies vegetais que se multiplicam sob a influência de fatores litológicos, edáficos e climáticos, de ordem regional e local.

Infelizmente, a falta de uma política séria para o meio ambiente tem colocado em risco todo o patrimônio natural dessa região, marcada por processos intensos de ocupação desordenada dos espaços. A política desenvolvimentista aplicada no Brasil, principalmente no cerrado, que é considerado a última grande fronteira para a produção de grãos, tem levado muitas espécies da fauna à extinção e consequentemente alguns exemplares da flora, em função da sua interdependência.

Muitos animais da Megafauna (fauna gigante) já foram extintos dentro de um processo lento e natural, imposto pela evolução da natureza. Os animais modernos estão se extinguindo ou em vias de extinção, dentro de uma dinâmica proporcionada pela ação humana, muitas dessas espécies não alcançaram nem alcançarão o seu clímax evolutivo, pois a velocidade dos processos de degradação, supera em milhares de anos os fenômenos naturais.

Ocupação humana

A diversidade de ambiente empresta à biodiversidade do cerrado um caráter peculiar e seus aspectos evolutivos fizeram com que processos culturais diferenciados também ocorram de forma "sui generis", transformando a região do cerrado numa espécie de fronteira cultural.

Na realidade alguns dos mais importantes processos culturais americanos nasceram no cerrado, como a formação do tronco lingüístico Macro-Jê, a domesticação e disseminação de certos tubérculos e outros vegetais e o desenvolvimento de tecnologia de caça, pesca e processamento de recursos vegetais nativos e cultígenos.

O estudo detalhado de diversas comunidades indígenas habitantes do cerrado demonstra que essas populações aprenderam sabiamente a desenvolver mecanismos adaptativos e planejamento ambiental e social que fossem capaz de lhe permitir uma vida em abundância. Assim são os Kayapó, que habitam as áreas mais elevadas, os Karajá, específicos da calha do Araguaia, os Xavante etc.

Todos estes fatores reunidos fazem com que o cerrado seja um laboratório antropológico único, no qual se deve olhar e aprender para, com sabedoria, saber planejar o futuro.

A população indígena que povoou o cerrado não produziu qualquer modificação brusca no equilíbrio do ecossistema, porque inicialmente os homens eram poucos e o nicho adaptativo era amplo.

Até que a população humana crescesse a ponto do seu tamanho ser prejudicial, coube à seleção natural levar a termo uma adaptação primorosamente equilibrada aos recursos ambientais.

A chegada dos exploradores de origem européia, trouxe conseqüências bem diversas, por duas razões:

-1a A principal finalidade não era o povoamento e sim a exploração comercial.

-2a Mantiveram um contato íntimo, ou com a mãe pátria ou com um poder central deslocado, a quem competia ditar as mercadorias a serem fornecidas e o seu preço.

Portanto, pela primeira vez em sua longa história a região do Cerrado ficou sob a influência contínua de um agente que era alienígena ou exótico, às vezes, como no princípio até extracontinental e consequentemente imune às forças modeladoras da seleção natural local.

No início a devastação foi mínima, mas com o passar dos tempos os sinais destas já eram bastante visíveis. O aumento da imigração acelerou cada vez mais o processo de degradação. Surgiram epidemias novas, que contribuíram para dizimar populações indígenas, como a gripe, o sarampo, a varíola e tal qual como aconteceu em outras áreas do País a entrada de escravos africanos introduziu a malária e a febre amarela.

O crescimento demográfico também é algo surpreendente, principalmente de 1950 para cá, e é bem provável que, no ano 2010, a região do cerrado tenha uma população tão grande que escape às políticas de planejamento. Esta perspectiva é aterradora, tendo em vista a magnitude da degradação que já ocorreu com uma densidade demográfica bem menor.

A partir da década de 50, implanta-se no Brasil um modelo econômico chamado desenvolvimentalista, onde a meta é atingir o desenvolvimento a todo custo.

Essa política que, no início, é executada de forma até ingênua, com os governos militares de 1964 em diante adquire um caráter ideológico e a partir desse momento o hemisfério começa a presenciar uma grande revolução, não uma revolução do homem e para o homem, mas uma revolução de desrespeito à vida humana e à vida do ambiente.

Dentro dessa perspectiva o cerrado é recortado por inúmeras estradas, rios são represados, montanhas aplainadas, vegetação derrubada, animais são ameaçados de extinção, pequenas comunidades são desestruturadas num ritmo nunca visto na história da civilização.

Ambiciosos projetos de colonização, sem o mínimo de planejamento e conhecimento, com objetivos puramente políticos, são postos em execução.

Fatos recentes, ainda vivos na nossa memória, atestam a pujança que este modelo desenvolvimentista tem, como a ocupação dos chamados Chapadões por capital alienígena para projetos de reflorestamento com espécies estranhas ao meio ambiente do cerrado, para produção maciça e efêmera de grãos para exportação. A criação do Estado do Tocantins pode ser citada como outro exemplo, as especulações para a implantação da Hidrovia do Araguaia e tantos outros exemplos, que podem ser listados, demonstram a força dessa ideologia.

Assim é que, ao se entrar no início do século XXI, encontra-se em suspenso o destino do cerrado. Se as próximas décadas trarão sua ruína ou salvação ainda não se pode dizer.

Os aqüíferos

Outro elemento importante que deve ser considerado como conseqüência da degradação do cerrado se refere aos aquíferos.

O cerrado é a cumeeira da América do Sul, distribuindo águas para as grandes bacias hidrográficas do continente. Isto ocorre porque na área de abrangência do Cerrado se situam três grandes aquíferos, responsáveis pela formação e alimentação dos grandes rios do continente: o aquífero Guarani, associado ao arenito Botucatu e a outras formações areníticas, mais antigas, responsáveis pelas águas que alimentam a bacia do Paraná. Os aquíferos Bambuí e Urucuia.

O primeiro associado às formações geológicas do Grupo Bambui e o segundo associado à Formação arenítica Urucuia, que em muitos locais está sobreposto ao Bambuí e em certos locais há até o encontro dos dois aquíferos, apesar de existir entre os dois uma grande diferença de idade. Os aquíferos Bambuí e Urucuia são responsáveis pela formação e alimentação dos rios que integram as bacias do São Francisco, Tocantins, Araguaia e outras, situadas na abrangência do Cerrado.

Estes aquíferos, que se vem formando durante milhões de anos, de pouco tempo para cá não estão sendo recarregados como deveriam, para sustentar os mananciais. Isto ocorre porque a recarga dos aquíferos se dá pelas suas bordas nas áreas planas, onde a água pluvial infiltra e é absorvida cerca de 60% pelo sistema radicular da vegetação nativa, alimentando num primeiro momento o lençol freático e lentamente vai abastecendo e se armazenando nos lençóis mais subterrâneos.

Com a ocupação dos chapadões de forma intensa, que trouxe como conseqüência a retirada da cobertura vegetal, sua substituição por vegetações temporárias de raiz subsuperficial, a água da chuva precipita, porém não infiltra o suficiente para reabastecer os aquíferos. Conseqüência, com o passar dos tempos, estes vão diminuindo de nível, provocando, num primeiro momento, a migração das nascentes, das partes mais altas, para as mais baixas e a diminuição do volume das águas, até chegar o ponto do desaparecimento total do curso d'água. Convém ressaltar que este é um processo irreversível.

A dor fantasma
Por estas razões, a situação do Cerrado hoje em dia se assemelha ao fenômeno conhecido em Neurologia como dor fantasma.

As pessoas que são vítimas deste mal sofrem um duplo infortúnio. Estas pessoas perderam uma extremidade ou parte dela. E sofrem dores às vezes muito intensas que sentem como provenientes do membro que já não tem mais. As discussões sobre o Cerrado se assemelham a esta situação, porque estamos sentindo as dores da perda de um ambiente, que não existe mais na plenitude de sua biodiversidade.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Carta aberta aos que amam o Ato de Educar



Imbuídos dos conceitos errôneos de globalização, querem transformar o intelectual em um simples divulgador generalista de nível superior. O Ministério da Educação promove esta situação através da autorização indiscriminada para abertura de inúmeras escolinhas de 3º grau, talvez embasado na ideologia mesquinha e demagógica de que quanto mais pessoas de nível superior o Brasil possuir, melhor desempenho terá nas estatísticas oficiais, não importando, porém, a qualidade dos que foram quantificados.

Essa simplificação trai o princípio básico da educação que é a conscientização, e, em nome da banalização cria-se uma enorme massa alienada, talvez de grande utilidade para as ideologias que não se enternecem em proporcionar campo propício à eclosão de pensamentos originais e que não deixam margens para outros pensamentos.

Diante de tal quadro, as tradicionais Instituições de Ensino Superior (IES), talvez amesquinhadas pela falta de coragem, de criatividade e competência de seus dirigentes, se sentem perdidas e ofuscadas por tamanha confusão e burocracia.

E assim, diante desse quadro confuso e por incapacidade de seus dirigentes de se libertarem da camisa-de-força que lhes é imposta pelo MEC, desviam para canais rasos e poluídos os antigos caminhos dos ramos de conhecimento que outrora se entrecruzavam com freqüência e formavam afluentes que desaguavam em rios que transportavam sabedoria, ética, lógica, ciências, sonhos, lutas.

Entretanto, mesmo diante dessa situação, conscientes ou inconscientes, os dirigentes aceitam como verdadeira uma cosmovisão deturpada e se arvoram em ser o Deus Criador, para provocarem um big-bang e implodirem o indivisível universo ensino-pesquisa-extensão. Uma vez implodido este universo, abre-se a possibilidade de conduzirem as IES pelo canal que denominam ensino, mas que em realidade é puro aulismo.

Dessa forma, inconscientes ou não, estão contribuindo para a formação de profissionais incapazes de resolver científica e humanisticamente os problemas propostos pela velocidade das mudanças atuais, e se sentem livres para praticar a divulgação de conhecimentos de péssima qualidade, gerando entre os discentes e docentes uma massa informe de descontentes e alienados.

Nas tradicionais instituições privadas o perigo pode ser bem maior. A iminência da falência administrativa, por falta de uma visão global, poderá levar os administradores a implantarem como única saída a política do terrorismo do medo pelo medo, onde a fúria estarrecedora gerada pela falta de capacidade da busca de alternativas e planejamento adequado, romperia de vez com o universo ensino-pesquisa-extensão, inclusive fragmentando a dimensão ensino e reduzindo-a a mera divulgação. Assim os poderes seriam consolidados em detrimento da grande maioria sem voz e direitos. Essa maioria ficaria impedida de optar, lucidamente dopada pelo que lhe é imposto. Com isso, vai-se perdendo a capacidade de projetar um futuro melhor e cada vez mais desaparece no horizonte a possibilidade da criação e incentivo aos núcleos de pesquisa fundamental ou aplicada, que possam responder às necessidades urgentes da humanidade e da vida.

O reducionismo da atividade de ensino em simples divulgação banal está aniquilando tanto nas universidades públicas tradicionais como nas universidades privadas tradicionais, suas ilhas de excelência, ou, em outras palavras, o que elas têm de melhor: seus centros ou institutos de criação e integração. Sem estes, os esforços institucionais para a busca do bem-estar social cairão no vazio e não poderão adquirir a sua total plenitude.

Nós que fomos formados nos autênticos valores do cristianismo, ficamos sem entender esta crescente situação desumana que aos poucos vai conduzindo as pessoas ao suicídio por omissão. Isso porque esta situação é capaz de criar no universo da Universidade uma solidão interior e um individualismo generalizado, práticas antagônicas aos princípios do cristianismo.

Estamos presenciando uma divisão entre inteligência, razão e emoção. O preço pago pelos que querem lutar contra essa situação pode ser a esquizofrenia, causada pela impotência das mobilizações. Tudo isso gera uma profunda mutação no nosso cotidiano e no nosso relacionamento: vamos paulatinamente abandonando a ética da cooperação e substituindo-a pela competição desleal.

O corpo universitário, constituído por alunos, professores, funcionários, quando isolado individualmente e responsável por si só, vê a própria vida e a morte perderem seu sentido comunitário.

Neste momento de indefinições perigosas, antes de qualquer decisão, seria útil que os dirigentes das Instituições de Ensino Superior soubessem cultivar a humildade e se lembrassem daquele ideário antigo da educação: “Quanto mais se sabe, mais necessitamos aprender”.

E assim, sensibilizados pela humildade, quem sabe não achariam caminhos relembrando os versos da velha e nova canção de Milton Nascimento:

“Coração de Estudante
há que se cuidar da vida
há que se cuidar do mundo
tomar conta da amizade
alegria e muito sonho
espalhados no caminho
verdes, planta e sentimento
folhas, coração, juventude e fé.”

Altair Sales Barbosa é professor titular da Universidade Católica de Goiás.
PUBLICADO NO JORNAL "O POPULAR" DE GOIÂNIA EM 21/09/2007

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A Mordaça dos Inocentes

Por que o título de Patrimônio da Humanidade para a Cidade de Goiás é discutível

Na euforia de se comemorar os 500 anos do início da colonização por-tuguesa no Brasil, movimentos de todos os matizes eclodem pelos diversos cantos do País, alguns autênticos, outros ridículos.

Por essa vereda, às vezes nem tanto luminosa, iniciou-se um movimento para transformar o sítio urbano da cidade de Goiás em Patrimônio da Humanidade. Quando os portugueses chegaram aonde hoje se situa a cidade de Goiás a região já era densamente habitada. Há mais de 550 gerações, os índios já faziam da Serra Dourada, que docemente lavava seus pés no rio Vermelho, a sua morada constante e o local onde recolhiam seus sustento. Daí tiravam os frutos, os remédios, a lenha e todos os utensílios.

A colonização portuguesa chegou aos sertões de rio Vermelho no final do século XVII. Nessa época, os antigos índios caçadores e coletores haviam já dominado a tecnologia da cerâmica e da agricultura e construído aldeões que abrigavam mais de 1.200 pessoas.

Os colonizadores portugueses, apoiados por uma sangrenta ideologia, chegaram fortemente armados. Estavam à busca de pedras preciosas e escravos. Pilharam as roças dos índios, violentaram as mulheres, trouxeram doenças desconhecidas, incentivaram a guerra entre as nações indígenas, para enfraquecê-los.

Os religiosos que acompanhavam esses destacamentos armados tentaram converter os índios em cristãos. Muitos índios conseguiram fugir, os que não conseguiram foram aldeados, depois catequizados, mais tarde exterminados. E assim esses novos conquistadores, sob a égide do poder religioso e do poder político, foram expulsando os primeiros habitantes da região e às custas de chibatadas no lombo dos escravos foram edificando seus símbolos de poder, na forma de um sobrado aqui, outro ali, uma igreja, um palácio etc.

Modificaram as condições do rio, no afã de pepitas preciosas. No lugar onde os índios tinham suas roças, implantaram novos roçados, com a força do luzir da foice e da enxada do negro. Trouxeram frutas estranhas, como a manga e a fruta-pão originárias da Ásia, trouxeram lima, limão, laranja, banana e pastos estranhos para um novo e estranho animal recém-introduzido. Assim é que, de repente, sem planejamento os núcleos mineradores se transformaram em núcleos urbanos. Isso foi há bem pouco tempo. Os descendentes desses colonos se julgam os autênticos representantes da cultura goiana.

Ao se levantarem, limpam seus dentes com creme dental, inventado na Europa e difundido pelo capital americano. Sentam-se à mesa para tomar seu café com bolo de arroz. O café é de origem arábica e o arroz asiático. Se deliciam com o saboroso empadão , cuja massa é feita de trigo, originário do velho Mundo, temperado e recheado com cebola, lingüiça, azeitona e batata. Desses, o único ingrediente nativo é a batata. No café da tarde, às vezes uma vaga lembrança do índio, a tapioca de origem indígena, misturada com queijo de origem européia, dá origem a um delicioso pão-de-queijo.

Não satisfeitos esses autênticos representantes da falsa cultura nativa, às vezes, saboreiam o que chamam de típica pamonha, cujo milho domesticado no México e irradiado para a Cordilheira dos Andes já fazia com que os índios andinos conhecessem a pamonha há mais de 5 mil anos.

Nas sobremesas , esses autênticos nativos juram servir guloseimas típicas endêmicas, servem o alfenim, de origem árabe/portuguesa, e doces cristalizados de figo, laranja, limão, todos de origem exótica. Seus festejos mais tradicionais, na realidade, são um ato de violência que o mundo há muito tenta esquecer. Trata-se de homens encapuzados perseguindo um pregador da paz e do amor.

Quando os encapuzados vencem, o justiceiro é crucificado. A elite delira: é a ânsia e então seus representantes da falsa cultura na-tiva vestem seus ternos de cashemir inglês, calçam seus sapatos de cromo alemão e vão até um teatro ouvir músicas medievais, tocadas por flautas, clarinetes, fagotes, piano. Todos instrumentos que certamente foram importados.

E então os falsos sábios dessa cultura se deliciam e, por um lapso de momento, se identificam com sua real cultura.

Hoje, essa elite luta para preservar os símbolos do poder que a identificam e procura transformá-los em patrimônio da Humanidade. Este pequeno relato mostra como esse patrimônio foi construído. À custa da violentação das mulheres indígenas, da extinção de milhares de índios, da pilhagem, das chibatadas no lombo dos negros escravos e do grande prejuízo ambiental.

É louvável a luta daqueles que querem transformar em Patrimônio da Humanidade parte desse complexo arquitetônico, porque de fato isto é passado, embora paire na cabeça de alguns uma deturpada concepção de passado. Em todo caso é louvável, mas que este tipo de relações sociais não seja tomado como exemplo para a humanidade futura.

Foto de Paulo J.S.

Meco, leve-me junto no seu embornal



Quando da última passagem do cometa de Halley, próximo à orbita da Terra, me encontrava num local que denominei "paraíso". Muitas lagoas, as veredas se perdiam nas vastidões dos olhares. Caminhando a pé com um grupo de pesquisadores, andávamos dias por entre as vegetações variadas do cerrado. Estávamos buscando afloramentos de arenito silicificado para encontrarmos os vestígios da nossa ancestralidade indígena. Num certo momento, em meio às reflexões e indagações que orientavam nossas noites no acampamento, indaguei ao grupo: será que, quando da próxima vinda do Cometa, este paraíso ainda existirá, para que nossos filhos, e talvez netos, possam ter o privilégio de ver as cenas que hoje tanto nos embelezam?


Neste momento, um dos pesquisadores da equipe, professor Binômino da Costa Lima, o maior entendedor dos segredos do cerrado, conhecido na região de Jataí por "Seu Meco", disse (não sei se falou sério ou em tom de brincadeira, mas assim ele falou): se nossos governantes e instituições permitirem a destruição desse paraíso e eu ainda me encontrar vivo, não suportarei tamanha dor, pegarei meu embornal, embrenharei por um caminho que só eu conheço, até encontrar minha fonte d'água preferida. Lá descansarei numa pedra e, ouvindo os sons dos passarinhos, tentarei recuperar minhas forças enfraquecidas.


Realmente aquele local era o paraíso! O cerrado viçoso esparramava o cheiro dos frutos que aromatizava as fontes, que jorravam águas para as veredas. Aqui e acolá, avistavam-se bandos de emas, veados do campo e tantos outros animais que nossos olhos brilhavam de alegria. Era tempo de árvores, tempo de rios, tempo de brisas, tempo de inspiração e tempo de muita esperança. Esperança nos homens e, acima de tudo, esperança nos caminhos que a Universidade estava tomando. Era tempo de busca. Busca de novos horizontes, busca de saberes novos e a Universidade se abria às vozes, aos sons e à sabedoria das populações tradicionais, que naquela época ainda estavam fincadas naqueles longínquos rincões. No caminho das águas uma árvore velha observa a velha senhora. Elas são do mesmo tamanho. Elas têm a mesma raiz. Estão ambas sentadas sobre as pedras. Vem a chuva e elas abrem a boca. Vem a tempestade e elas se fincam nas pedras. Vem o sol e elas bebem a chuva. Se curvam diante do sol, como se murchassem. Elas reverenciam.


O tempo ainda não trouxe novamente o Cometa de Halley, passaram-se só 20 anos, mas trouxe a destruição de um edifício de sonhos. São tempos de destruição, tempos murchos. As plantas do verdejante cerrado foram jogadas ao chão, muitas viraram carvão. As nascentes, que outrora fervilhavam, minguaram lentamente, deixando exposto em alguns locais um torrão endurecido, semelhante a formigueiro abandonado. As lagoas se transformaram em gotas d'água, os covais e os chapadões ostentam extensas monoculturas na época das águas. Quando chega a seca, só se vê no local sombrias nuvens de poeiras. A velha e a árvore mudaram não sei pra onde. No coração certamente não mais carregam uma flor, talvez uma grande dor.


Neste processo, o tempo dos homens falou mais alto, os políticos foram guiados pelo tempo do imediatismo, as transformações vieram pelo tempo acelerado da tecnologia que acentua o tempo do capital excludente, que gera o tempo da alienação, que criou o tempo do "estranho no ninho" que se debate esperando o tempo...


Hoje o tempo da modernidade é capaz de colocar valor em tudo, até no universo, mas não é capaz de valorar a vida. Por isso, professor Meco, quando se embrenhar por aquele caminho, me leve junto no seu embornal, quem sabe encontraremos a semente geradora de um novo universo.


PUBLICADO NO JORNAL "TRIBUNA DO PLANALTO" EM 15/04/2006

Carta aberta ao Povo de Deus e à CNBB




Quando em 2005 o bispo da Diocese de Barra (BA), d. Luiz Flávio Cappio, simbolizou um jejum através de uma greve de fome conclamando a atenção do povo brasileiro sobre os riscos da transposição do Rio São Francisco, cujo projeto vinha sendo arquitetado na surdina pelo governo federal e discutido com certa dosagem de omissão social pelos reais pesquisadores brasileiros, fez despertar na Nação brasileira a necessidade de discutir com maior profundidade este seriíssimo tema.

Nessa perspectiva, inúmeros seminários foram realizados nas universidades, Igrejas e outras entidades, por pesquisadores, técnicos, movimentos populares e população em geral, em vários pontos do País. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), à época – além do governo federal –, foi a primeira instituição, com exceção de alguns bispos, a condenar aquele ato do nosso irmão d. Luiz Cappio, alegando caracterizar-se um ato contra a vida. O governo do Brasil, talvez surpreso com a reação dos brasileiros e com a insistência de d. Luiz em manter o jejum, demagogicamente enviou um de seus emissários, o então ministro Jaques Wagner, para negociar com o bispo a interrupção do jejum, com promessas levianas e desprovidas de conhecimentos de ecologia. Naquela ocasião, percebendo a inconsistência dos argumentos governamentais e diante da aceitação de d. Luiz Cappio de encerrar seu período de jejum, escrevi um artigo (O POPULAR, 17/10/2005) intitulado Enganaram o bispo.

De lá para cá, vários movimentos, reuniões, palestras salpicaram em todo o Brasil, incluindo reuniões com o próprio governo federal. A partir de então a própria CNBB e as Escolas Católicas começaram a dar muita ênfase em seus pronunciamentos sobre a valorização e a luta pela vida como um todo, incluindo com muita força as questões ambientais. A última Campanha da Fraternidade sobre Amazônia e vida é o reflexo dessa compreensão.

Assim, todos devemos entender que a atitude tomada por d. Luiz Capppio é um exemplo de luta pela vida do Rio São Francisco, pela vida dos seus afluentes e pela vida de toda população ribeirinha situada ao longo da vasta bacia do Rio São Francisco.

Os pesquisadores brasileiros, sérios, já demostraram através de seus estudos que executar a transposição do Rio São Francisco, dentro do contexto atual em que se encontra a degradação do Cerrado, de cujos aqüíferos saem os alimentadores do grande rio, é acelerar a sua morte e a de seus afluentes, que já vivem em estado de inanição.

Talvez à época de d. Pedro II, idealizador do projeto, o impacto da transposição fosse menor, porque ainda tínhamos o Cerrado nos chapadões centrais do Brasil. Hoje a realidade é outra.
Portanto, nós que já fomos tantas vezes iludidos, devemos prestar bem atenção no que se esconde detrás do argumento governamental de que vai realizar a transposição para matar a fome dos nordestinos – isto não passa de uma grande falácia. Na realidade, a ânsia pela transposição é mais uma armadilha do capital internacional e do modelo econômico elitista e predatório financiador de canaviais, para que a Caatinga, da mesma forma que o Cerrado, ambos biomas não inclusos como Patrimônios Nacionais, se transforme em grande área propícia para a exportação do etanol.

Famintos não existem somente no Nordeste brasileiro e a fome não se cura com transposição, basta olharmos as populações dos bairros pobres e das periferias, morros e favelas das grandes cidades brasileiras.

Portanto, é importante neste momento em que a CNBB evoca a luta pela vida e pelo meio ambiente, que apoie sem restrições, em nome do povo de Deus, o exemplo de d. Luiz Cappio, porque foi ele quem despertou mais cedo para acordar toda aldeia.

PUBLICADO NO JORNAL "O POPULAR" DE GOIÂNIA EM 10/12/2007

Enganaram o Bispo



Bendito seja louvado o ato do bispo da Diocese de Barra, Bahia, dom Luiz Flávio Cappio, por tomar a atitude de jejuar e chamar a atenção dos brasileiros para um problema gravíssimo: o projeto de transposição do rio São Francisco que, sorrateiramente, está sendo preparado pelos técnicos e burocratas do Governo Federal sem uma discussão maior e profunda com a comunidade científica brasileira e também com a população. Afinal de contas, o rio São Francisco é o mais brasileiro de nossos rios maiores. Ele nasce e deságua em terras brasileiras.

O Bispo chamou a atenção para um assunto muito mais complexo do que se imagina. Por isso, precisa ser ouvida a honesta comunidade científica brasileira, para que, ao tomar sua decisão final, o Governo não se restrinja às opiniões de seus técnicos nem às opiniões de técnicos ligados às empreiteiras da obra. Porque estes, para usar uma expressão nordestina, são cabras desmoralizados, que só pensam em engordar suas contas bancárias, ou rechearem suas cuecas. Portanto, o ato de Dom Cappio abre a possibilidade para que a imprensa colha informações dos cientistas brasileiros e leve o problema, de forma correta, ao conhecimento do povo.

Infelizmente o Bispo foi enganado e parece que sua luta chegou ao fim, a não ser que tome outras atitudes corajosas; caso contrário, cairá brevemente no esquecimento da fraca memória do povo brasileiro. Foi enganado pelos Doutores da Lei da própria Igreja Católica, que publicamente condenaram o seu ato, recorrendo a não sei que tipo de lei para justificarem suas posições contrárias.

É preciso lembrar que o verdadeiro cristianismo se constrói com coragem, determinação, amor, sabedoria e radicalismo, no sentido de se cortar o mal pela raiz. O próprio Jesus Cristo, antes de tomar atitudes, tidas como revolucionárias, tinha o hábito de jejuar. E, nos seus ensinamentos, diz ser o jejum um ato purificador e de coragem. Foi enganado também pelos ministros e técnicos do Governo Federal, que o procuraram para garantir que faria a obra, porém antes se comprometeria a fazer a revitalização do rio São Francisco.

Senhor Bispo, a revitalização do São Francisco não depende da boa vontade do Governo, nem de decretos ou Medidas Provisórias. Também não depende do nosso amigo São Pedro, controlador das torneiras do céu, porque se algum dia for possível revitalizar o São Francisco é preciso levar em consideração o tempo da natureza, que é medido em milhares e milhões de anos. Portanto, é diferente da escala de tempo, que regula o mandato dos governantes.

O rio São Francisco nasce no Cerrado de Minas Gerais, num local denominado Serra da Canastra, e percorre mais de 3.000 km até chegar ao Oceano Atlântico. Ao longo desse percurso, vai engrossando suas águas, principalmente com seus afluentes da margem esquerda, que formam as sub-bacias do rio Paracatú, do rio Urucuia, do rio Carinhanha, do rio Corrente e do rio Grande. Todos esses rios e seus alimentadores menores estão morrendo a cada hora que passa. Alguns já desapareceram para sempre. Isto acontece porque os dois grandes aqüíferos que fazem o São Francisco brotar e o alimenta ao longo do seu percurso, conhecidos como Aqüífero Bambuí e Aqüífero Urucuia, estão secando.

Para entender este fato é necessário recuar no tempo, pelos menos 35 milhões de anos. É nesta época que surge o cerrado que, com seu sistema radicular complexo, começou a reter as águas das chuvas que caíam principalmente nos Chapadões do Noroeste de Minas e Oeste da Bahia, Distrito Federal e Nordeste Goiano. Essas águas primeiro são armazenadas nas rochas moles que formam o lençol freático; depois, pela abundância, infiltram pelas brechas das rochas e se acomoda nos lençóis profundos também chamados de artesianos. No Bambuí, que é calcário, esta água, após atravessar a Formação Urucuia, que é arenosa, se armazena nas imensas galerias comuns às formações calcárias. No Urucuia, a água, com o tempo, foi formando grandes reservatórios que se acomodavam por entre os poros dessa rocha mole.

Quando os aqüíferos retiveram água suficiente, esta começou a brotar, na forma de nascentes, principalmente nas testas da Serra e na forma de pequenas lagoas nas áreas aplainadas, formando as veredas. Com o tempo as águas, como lágrimas milagrosas, começaram a descer em direção a leste, encontrando a calha do seu condutor mór, o rio São Francisco. E assim foram se formando paisagens que deveriam ser maravilhosas. Ao longo dos rios surgiam lagoas e banhados, onde se multiplicavam, em grande quantidade, os peixes que outrora eram abundantes, não só no São Francisco, mas em todos os seus afluentes. Hoje, pergunto onde estão os surubins, os pacus, os dourados e outros, que saciavam a fome de um grande contingente populacional?

Senhor Bispo, certamente lhe disseram que irão repovoar o rio através da soltura de alevinos. É sempre bom lembrar que a cadeia alimentar desses filhotes de peixes se inicia nas lagoas e matas ciliares, ambientes produtores de fitoplânctons. Nem as lagoas nem as matas ciliares contínuas existem mais.

Entretanto, pior que um rio sem peixes, é um rio sem água. Foi dito que os aqüíferos Bambuí e Urucuia, alimentadores do São Francisco, estão secando. Não se trata de uma afirmação irresponsável nem demagógica. Um aqüífero é recarregado pelas suas bordas, onde existem os terrenos planos que impedem o escorrimento rápido da água. A vegetação nativa dessas áreas planas, chamadas chapadões, retém no mínimo 70% das águas das chuvas. Estas águas vão alimentar os lençóis subterrâneos, que por sua vez alimentam as nascentes, os córregos, os riachos e os rios. Este processo de formação e recarga dos aqüíferos vem acontecendo há pelo menos 35 milhões de anos, numa Época Geológica denominada Mioceno.

A partir de 1970, a vegetação nativa do cerrado, que ocupava os chapadões, capinas e tabuleiros, foi sendo, num ritmo cada vez mais feroz, substituída por plantações de grãos: primeiro, a soja; depois vieram outros e agora vem a cana com toda voracidade. O cerrado que existia em solo onde a agronomia ainda não tinha tecnologia para sua correção foi sendo retirado e transformado em carvão.

Conseqüência: a chuva continuou caindo, mas não infiltrava como anteriormente, nem era absorvida pelo complexo sistema radicular da vegetação nativa, porque esta não existia mais. As plantas exóticas introduzidas têm raiz sub-superficial e não chegam a reter 20% das águas. Além do mais, como são culturas temporárias, fazem com que em grande parte do ano o solo fique desnudo, aumentando a perda da umidade do lençol freático. Acrescente-se a isso os pivôs centrais que, nos chapadões, são alimentados através de poços artesianos. Ou seja, além de não estarem sendo recarregados normalmente, a pouca água existente nos aqüíferos ainda é sugada para umedecer as grandes plantações, que não retém o excesso dessa água, que acaba evaporando.

Para falar em revitalização é necessário o conhecimento da ecologia e da história evolutiva do cerrado. O cerrado é a maior diversidade florística do planeta. Um plano de revitalização levaria isto em consideração?

Quanto tempo leva para atingir a maior idade a árvore do burití? da buritirana? da mangaba? os arbustos, as gabirobas, as bromélias e as gramíneas? Ou seja, ainda não existe uma tecnologia eficiente capaz de restabelecer a biodiversidade do cerrado.

Já foi demonstrada a importância que as plantas nativas do cerrado tem para a recarga dos aqüíferos. Os que falam em revitalização deveriam saber também que o cerrado já atingiu seu clímax evolutivo. Isto significa que, uma vez degradado, jamais se recupera na plenitude de sua biodiversidade.

O fato é que a existência do rio São Francisco depende de fatores ecológicos extremamente complexos e interdependentes.

O processo de desaparecimento dos seus alimentadores está acontecendo num ritmo mais acelerado do que imaginávamos e infelizmente êsse é um processo irreversível. Portanto, qualquer obra que coloque em risco o frágil equilíbrio do rio São Francisco pode significar a sua morte, num tempo mais curto que aquele que podemos imaginar.

O raciocínio é simples: a chuva que caía era absorvida em grande parte pela vegetação nativa e ao longo de muito tempo foi-se formando aqüíferos formidáveis, que fazem suas descargas nos declives e áreas baixas formando os rios.

Era como se fosse um imenso reservatório, abaixo de nós, alimentando os rios. Uma grande caixa d'água com vários furos enfileirados de cima para baixo. Quando o reservatório estava cheio a água jorrava por todos os furos. A medida que o nível ia se baixando a água que jorrava dos furos superiores deixava de correr. E assim sucessivamente. Êste fenômeno é conhecido pelo nome de migração de nascentes. E assim está acontecendo: a migração das nascentes provoca o desaparecimento de pequenos cursos d'água no início, mas à medida que o processo se acentua os cursos maiores são afetados, até desaparecerem totalmente. De vez em quando vão ocorrer cheias estrondosas, mas isto não significa que o rio ressuscitou; são fenômenos efêmeros provocados por enxurradas resultantes de chuvaradas, que se deslocam pelos antigos caminhos d'água.

Usando a figura da novela nordestina poderia se dizer:

É a derrubada,
São os grãos,
É o lençol que diminui,
É a seca,
Se continuar assim,
A passagem pra morte,
É o tempo!

Portanto, Dom Cappio, compartilho da sua atitude e o parabenizo pela coragem. De onde estiver estarei comungando com o Senhor. Entretanto, se a situação de degradação dos alimentadores do São Francisco continuar no ritmo desse modelo econômico, imposto pelo capital internacional, e se o Senhor tiver que esperar pelos resultados da revitalização, é bom, por precaução, levar para o próximo jejum as encomendadeiras de alma, para rezarem por nós e pelo rio. Provavelmente a água será incorporada no seu próximo jejum.

O que se espera é que os acomodados olhem mais para o povo e deixem a vã legislação ou normas para o bom senso resolver.

É claro que a revitalização é impossível, mas há, no Brasil, pessoas honestas e com conhecimento para sugerirem ao Governo programas de planejamento ambiental que amenizem o problema.

Entretanto, o presidente Luis Inácio, que sempre usou nos seus discursos o tema das moratórias, que tenha ao menos a coerência de apoiar e tomar iniciativa para estabelecer uma moratória ambiental. Assim faria um grande bem ao povo brasileiro.

PUBLICADO NO JORNAL "O POPULAR" DE GOIÂNIA EM 17/10/2005

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Memorial do Cerrado - ITS / UCG





Museu de História Natural


Vila Cenográfica Santa Luzia (Ambiente Urbano)


Fazenda Baraúnas (Ambiente Rural)


Aldeia Timbira


Quilombo