Altair
Sales Barbosa
Apenas
teve início a estação seca nos chapadões centrais do Brasil e já começamos a
sentir os sinais do que nos aguarda, num futuro próximo, quando esta estação
atingir o seu auge. Mas, desta vez, não podemos colocar a culpa nas crianças.
Na última estação chuvosa elas foram até generosas, me refiro às ações dos
meninos El Nino e La Nina.
Então,
por que se preocupar com escassez hídrica, estiagem severa, diminuição da vazão
dos rios e outras complicações advindas dessas situações adversas. As respostas
estão bem diante de nossos olhos, mas insistimos em querer não enxergá-las,
isto porque, também, não nos interessa ter uma visão dos fenômenos de forma
global. É mais fácil continuarmos apelidando o Cerrado de Bioma e, vez em
quando, agregarmos um ou outro elemento para rechear ainda mais a confusão de um
conceito simples, que surgiu em 1916, quando a ciência nem conhecia os
princípios de funcionamento das placas tectônicas, como também não eram
conhecidos os princípios da teoria do caos, e outros conhecimentos que
emergiram a partir do avanço desses conhecimentos e que somente nos últimos
tempos começaram a ser entendidos. É bem mais cômodo ficarmos cultivando
conceitos antigos. A ciência é uma peça muito exigente, que fica o tempo todo
cobrando de nós atualizações, em conceitos e conhecimentos emergentes, como se
tivéssemos tempo de nos banhar nessa areia movediça e perseguíssemos os
caminhos das águas, para verificar se esta evaporou ou se infiltrou nas camadas
do solo.
A
teoria da tectônica de placas trouxe um conceito revolucionário que teve
consequências significativas e de longo alcance em todos os campos da geologia.
Ela fornece a base das relações entre muitos fenômenos aparentemente sem
relação. Assim, além de ser responsável pelas características da crosta da
Terra, o movimento das placas também afeta a formação e a distribuição dos
recursos minerais e influencia a distribuição e a evolução da biota mundial. A
tectônica de placas pode demonstrar que todos os ciclos da Terra funcionam como
um sistema, onde todos os elementos, atmosfera, hidrosfera, litosfera e
biosfera, agem como sistemas interrelacionados.
Para
entendermos as diversas questões ligadas à diminuição drástica da vazão da
maior parte dos rios do Brasil, bem como a diminuição dos reservatórios e o
desaparecimento de centenas de cursos d’águas do Planalto Central Brasileiro,
torna-se necessário compreendermos a dinâmica do Planeta Terra, ou seja, os
fenômenos que se passam acima das nossas cabeças e aqueles que se encontram
abaixo dos nossos pés.
Não
podemos ignorar que a Terra é um planeta dinâmico e se encontra sempre em
mutação, ou seja, as forças que atualmente nele atuam são as mesmas que sempre
atuaram desde os primórdios.
Acima
de nossas cabeças existe a atmosfera com diversas camadas, cada uma dessas
camadas possui composições e dimensões diferenciadas. A penúltima camada é a
Exosfera que se situa acima dos 500 km sobre nossas cabeças e constitui o
espaço sideral. Envolvendo a Exosfera encontra-se um escudo protetor da Terra
que se denomina Magnetosfera. Esse escudo protege o planeta Terra dos ventos
solares.
Sabe-se
que o sol irradia em todas as direções um vento de alta velocidade que varia de
300 a 900 km por segundo. Se parte significativa da Magnetosfera se romper e
esses ventos em sua totalidade atingirem o nosso Planeta, tudo que existe será
varrido da sua superfície, incluindo a água, que vai se evaporar, além de
inúmeras outras consequências. A existência da Magnetosfera depende do
equilíbrio magnético da Terra, que orienta por exemplo o movimento de rotação
do Planeta. Este equilíbrio já foi minimamente afetado pelo menos por duas
vezes durante a história evolutiva da Terra e causou transtornos imensuráveis.
Entretanto,
enquanto isso não ocorre, trataremos de fenômenos menores, como por exemplo a
primeira camada da atmosfera terrestre denominada Troposfera.
A
Troposfera é a primeira camada da atmosfera que se situa dos nossos pés até uma
altura média de 10 km. Atualmente essa camada é composta em média por 78% de
Nitrogênio, 21% de Oxigênio, 1% de Argônio e outros componentes como: dióxido
de carbono, vapor d’água etc.
A
temperatura e a composição da Troposfera variam de latitude para latitude e de
altitude para altitude, conferindo a cada lugar uma característica especial.
As
correntes aéreas que trazem umidade, seca, calor e frio para os continentes
circulam na Troposfera e variam ciclicamente. Por exemplo, durante o último
glacial, situado entre 18.000 a 13.000 anos Antes do Presente, essas correntes
modificaram quase que totalmente a face do Planeta, transformando lugares
úmidos e temperados em desertos e áreas desérticas em áreas úmidas.
São
vários os fenômenos que alteram a circulação aérea da Troposfera, mas citaremos
apenas alguns, a título de exemplificação: o primeiro é a modificação da
circulação das correntes marinhas, que de forma direta influenciam as correntes
atmosféricas. As correntes marinhas podem modificar seu curso e temperaturas,
mediante causas naturais: Glaciação, aquecimento das águas oceânicas, fenômeno
conhecido como El Niño ou resfriamento dessas águas, fenômeno conhecido como La
Niña.
Sabe-se
hoje que correntes marinhas profundas e frias, que deslocam a 4 km de
profundidade, oriundas da Groenlândia, circulam também pelos oceanos de forma
lenta e aleatória, alterando a temperatura da água oceânica por onde passam.
Ainda
acima dos nossos pés, acontece um conjunto de ações antrópicas capaz de
modificar drasticamente o clima local e regional. Os exemplos mais clássicos
são os desmatamentos e a crescente urbanização, esta exige a pavimentação de
grandes áreas, impedindo a transpiração dos solos e a infiltração da água,
formando ilhas de calor e zonas de baixa pressão atmosférica, que podem
provocar transtornos imprevisíveis.
Mesmo
em época recente, várias áreas foram afetadas por períodos de longas estiagem,
que obrigaram as populações a migrarem para outros locais, deixando cidades
inteiras abandonadas, o exemplo mais clássico é dos Maias no sul do México e
Guatemala.
Abaixo
dos nossos pés, está toda uma complexa estrutura composta pelas placas
tectônicas e pelas camadas internas da Terra, a começar pelo manto até o
núcleo. O manto da Terra, que se situa abaixo da crosta, local caracterizado
pelas placas tectônicas, é constituído de matéria fluida. No manto se encontram
as plumas e as superplumas, que formam as correntes de convecção, quando essas correntes
quentes ou frias se aproximam da crosta alteram a temperatura das águas
oceânicas para quente ou fria, que por sua vez influenciam as correntes
marinhas, mudando a orientação e a composição destas, e assim por diante.
Entretanto, com relação às questões ligadas à diminuição da vazão ou ao
desaparecimento de cursos d’água de um local. Como isso é possível?
Num
primeiro instante, torna-se necessário que sejam ressaltados alguns elementos
da Hidrosfera.
A
Hidrosfera é constituída por vários elementos: vapor de água, água subterrânea,
água congelada nas geleiras, água dos oceanos e aquela pequena, mas importante,
quantidade de água confinada nos canais da terra, denominada águas correntes.
97,2% da água existente no planeta Terra estão nos oceanos, 2,15%, sobre as
massas continentais, mas congelada em geleiras especialmente na Antártida e
Groenlândia, 0,83% de toda a água se encontra nos rios, nos lagos e nos lençóis
subterrâneos.
Uma
outra questão importante a ser considerada é que as correntes fluviais
constituem sistemas dinâmicos que se ajustam de forma continua às mudanças
naturais e às mudanças provocadas pelo homem. Mudanças climáticas afetam sem
sombra de dúvidas a quantidade de água disponível.
Porém,
por outro lado, a pavimentação das áreas urbanas aumenta o efêmero escoamento
de superfície. E a retirada da vegetação nativa, em especial, as gramíneas e as
herbáceas, diminui drasticamente o nível dos lençóis subterrâneos, responsáveis
pela perenização dos rios.
Outro
elemento importante a ser considerado é o que se denomina ciclo hidrológico.
Independentemente
de sua fonte, o vapor d’água sobe para a atmosfera onde ocorrem processos
complexos de formação de nuvens e condensação. Grande parte da precipitação
mundial, 80%, cai diretamente nos oceanos e 20% das precipitações restantes
caem sobre a terra, uma grande quantidade volta para o oceano pelo escoamento.
Todavia,
uma pequena parcela dessas precipitações fica armazenada em lagos, pântanos,
geleiras, ou penetra sob a superfície, formando sistema de água subterrânea.
Todo esse sistema é interligado, mesmo a água liberada pelas plantas, através
da transpiração, entra na atmosfera e todas as águas continentais acabam
voltando para o eoceno, iniciando um novo ciclo hidrológico.
A
água subterrânea é um reservatório de suprimento mundial de água doce. Como
todas as águas, num ciclo hidrológico, a fonte definitiva da água subterrânea
provém dos oceanos, mas sua fonte imediata é a precipitação que se infiltra nos
solos e penetra nos poros desses solos, sedimentos ou rochas.
O
lençol subterrâneo desempenha papel fundamental para a vida dos rios. Mas, para
compreender a sua formação, alguns elementos são importantes.
Parte
da precipitação cai sobre a terra e evapora e parte entra nas correntes e volta
para o oceano pelo escoamento superficial. O restante penetra no solo. À medida
que a água se aprofunda, uma parte adere ao material no qual se move e
interrompe a descida. A parte que penetra, se acumula e procura preencher os
espaços dos poros disponíveis. Dessa maneira são definidas duas zonas de acordo
com o conteúdo dos espaços ocupados nos poros, pelo ar ou pela água: a zona de
aeração e a zona de saturação. A superfície que separa as duas é o lençol
freático. Uma vez saturado o lençol freático, de acordo com a porosidade das
rochas, penetra nestas, formando o lençol artesiano ou aquífero. A perenização
dos rios depende normalmente das águas dos dois lençóis. Entretanto, há locais
em que os rios não são alimentados por aquíferos e somente recebem água do lençol
freático. Neste caso o desmatamento pode eliminar o lençol freático, que também
pode desparecer em função de uma estiagem prolongada.
Quando
os dois fenômenos acontecem de forma simultânea, a vida do lençol é curta e o
rio pode secar imediatamente. Isto acontece por exemplo com os rios do
semiárido brasileiro e com a maior parte dos rios afluentes da margem direita
do São Francisco, que só são alimentados pelo lençol freático. Alguns processos
de desmatamento nesses locais já impedem a formação de novos lençóis e os rios
que ali existiam deixaram de existir para sempre.
Esta
é uma forma do desaparecimento de cursos d’águas, através da intervenção
humana. Outro exemplo clássico de intervenção humana desastrosa se refere à
transposição dos rios Amur-Darya e o Syr Darya, pela antiga União Soviética,
para irrigar plantações de algodão.
Os
dois rios citados eram os alimentadores da bacia endorreica do Mar de Aral.
Consequência: o mar praticamente secou, deixando um solo com alto índice de
salinidade, que permite somente uma espécie vegetal ali se desenvolver, além da
poeira salgada provocar doenças, incluindo o câncer em mais de 30 milhões de
pessoas, sem falar nas plantações de algodão que não vingaram.
O
mesmo fenômeno está acontecendo no Brasil, com a transposição do rio São
Francisco.
Um
outro fator que faz com que vários cursos d’água desapareçam ou tenham sua
vazão extremamente diminuída refere-se à retirada sem precedentes da cobertura
vegetal natural do Centro-Oeste Brasileiro. Essa vegetação é responsável pela
absorção das águas das chuvas e as deposita nas bacias de sedimentação
intracratônica, formando os aquíferos, responsáveis pela alimentação, vida e
perenização de todas as águas que vertem para a bacia hidrográfica Amazônica
(margem direita), para a bacia hidrográfica do São Francisco, para a bacia
hidrográfica do Paraná e para outras bacias hidrográficas menores independentes,
como a bacia do Parnaíba, Jequitinhonha e Doce.
As
águas desses aquíferos, durante milhões de anos, foram armazenadas nas rochas
porosas dos arenitos Urucuia, Botucatu, Bauru, Poti, Aquidauana etc., que
formam as bacias geológicas do Parnaíba/Maranhão, e do Paraná, que formam essas
bacias intracratônicas.
Um
cráton é uma grande superfície onde ocorre em diferentes profundidades, rochas
graníticas bastante antigas, de idade Pré-Cambriana.
Os
minerais que o compõem estão bem fundidos, impedindo a porosidade dessas
rochas. Portanto as águas que correm sobre o cráton são do lençol freático.
Como já foi dito, o desmatamento nestas áreas, fato que aumenta a insolação, e/ou
uma forte estiagem, são fatores que exterminam com esses lençóis, impedindo o
acúmulo de água para alimentar o fluxo corrente. No Brasil, há duas formações
cratônicas significativas. O Cráton do São Francisco que abrange quase a
totalidade da sua margem direita e pequena porção da margem esquerda e o Cráton
do Amazonas que abrange sua margem esquerda mergulhando pela calha, indo
atingir a margem direita, até a altura dos cursos inferiores de seus afluentes.
Entre
esses dois crátons estão as diversas bacias sedimentares de idades diferentes.
A maior extensão abrange as bacias geológicas do Parnaíba/Maranhão e Paraná.
Seu
núcleo principal está coberto por cerrado, que é a vegetação que em função de
seu sistema radicular absorve a água da chuva a armazena
nas rochas porosas dos aquíferos.
A
partir de 1970, num novo modelo de organização territorial foi implantado
no centro do Brasil, fato que contribuiu para que o cerrado entrasse num processo
global de entropia e fosse gradativamente perdendo seus elementos essenciais,
fauna, flora, cultura e, inclusive, suas reservas de água. Como a possibilidade
de uma revitalização com espécies nativas não passa de uma hipótese longínqua,
incluindo as milhares de espécies que foram extintas, sem que ao menos fossem
conhecidas, a recarga dos aquíferos certamente não virá em breve. Portanto, o
desafio da ciência é grandioso, se o desejo for o de não ressuscitar imensos
desertos, que já caracterizaram a área, durante longos períodos do Mesozoico.