Altair
Sales Barbosa
Conta
uma antiga narrativa dos índios Pareci, atualmente habitando no Estado de Mato
Grosso, que quando estes ainda viviam em abrigos rochosos e não tinham
aprendido as técnicas da agricultura, um índio por nome de Zatiamare e sua
mulher Kôkôtêrô tiveram um casal de filhos gêmeos, o menino nasceu com a cor da
pele de seus pais, mas a menina era toda branca.
Deram
ao menino o nome de Zôkôôiê e à menina o nome de Atiôlô. Desde muito cedo o pai
desprezava a menina e dispensava todo carinho ao filho. Nunca dirigiu uma
palavra à menina, sempre lhe respondia por meio de assobios.
O
tempo foi passando, até que um dia Atiôlô, cansada daquela situação, pediu a
sua mãe que a enterrasse viva. Depois de muita resistência Kôkôtêrô resolveu
atender ao desejo da filha. Esta para convencer a mãe disse:
- Se a senhora atender ao meu pedido fará uma
grande ação para nosso povo.
Kôkôtêrô
então saiu com a filha Atiôlô e cavou uma cova bem no meio do cerrado. Foi
quando Atiôlô falou:
-
Neste lugar a terra não é boa para a planta que eu quero. E, eu sofrerei muito
com o calor.
Kôkôtêrô
procurou então outro local e levou a filha para uma campina. Atiôlô novamente
pediu à mãe que a levasse para um local mais fresco.
Kôkôtêrô
cavou então uma cova no meio da mata. Atiôlô pode então dizer:
-
Aqui está bom, volte para a aldeia e quando eu gritar não olhe para traz.
Depois
de muito tempo Kôkôtêrô, ouviu um grito muito forte. A mãe então correu ao
local onde enterrara a filha. Ao chegar, avistou um arbusto. Esta então o puxou
com força e viu suas raízes todas branquinhas, igual a filha. Era a mandioca.
Obs.:
esta narrativa sobre a origem da mandioca é encontrada entre vários povos
indígenas. Porém, há variações em sua narração, prevalecendo apenas o foco
central do sepultamento.
Informações
Botânicas
A
mandioca é um recurso vegetal classificado como pertencente a Classe das Dicotiledôneas,
à Ordem Euphorbiales, à Familia Euphorbiaceae e ao Gênero Manihot.
Existem
várias espécies de outras plantas pertencentes ao gênero Manihot, entretanto a espécie comestível que nós conhecemos é
classificada como Manihot esculenta (Crantz).
Anteriormente na literatura mais antiga, recebia a denominação de Manihot utilíssima, classificação de
Phol. Esta classificação foi substituída pela de Crantz.
A
planta é representada por um arbusto, que armazena tanto nos caules como nas
folhas, glicosídeos cianogênicos, mas esta concentração é variável de
subespécie para subespécie, de região para região, dependendo das condições do
solo.
Entre
os glicosídeos cianogênicos o mais comum e abundante é a linamarina que é
produzida nas folhas e transportada até as raízes. Nas raízes a linamarina em
contato com uma enzima denominada linamarase, libera um ácido denominado
cianídrico, que dependendo da quantidade, faz o gosto da mandioca se tornar
mais amargo ou mais doce.
Daí
surge a denominação de mandioca amarga ou brava e mandioca doce ou mansa,
conhecida em algumas regiões do Brasil pelas denominações de aipim, macaxeira
etc.
Quando
a concentração do ácido anídrico for excessiva a mandioca é tóxica para o
consumo humano. Mas felizmente o ácido anídrico é muito volátil e perde
rapidamente com o cozimento da mandioca ou sua exposição ao sol. Por isso
embora haja diferenças populares para classificar a mandioca como mansa ou
brava etc, sua classificação científica é uma só, como já foi mencionado Manihot esculenta. Também atualmente é
conhecida apenas uma subespécie denominada esculenta. Portanto, a mandioca que
é utilizada na culinária brasileira é classificada cientificamente como Manihot esculenta esculenta.
A
população brasileira inclina-se a utilizar mais a mandioca mansa para o consumo
“natural” e cotidiano. Ao passo que utiliza a mandioca brava para processar
inúmeros produtos, também consumidos pelo homem, mas após pequeno procedimento
industrial, que exige exposição ao sol ou processamento ao forno.
Produtos
da Mandioca
Maniquera ou Manicuera
É
uma aguardente que se extrai da mandioca ralada e fermentada. É destilada em
alambique de barro ou cobre, tem excelente sabor e seu teor alcoólico fica
entre 38o a 40o.
Maniçoba
Prato
preparado com folhas novas de mandioca, em seguida pisadas num pilão e espremidas
para se obter um caldo. O caldo é cozido com toucinho ou carne com pedaços de
ossos. Há variações regionais, com modificações de alguns ingredientes e de
carnes. O segredo do prato é deixar cozinhar por longo tempo.
Crueira
Raspa
de mandioca brava, desidratada ao sol em um girau. Após totalmente seca as
raspas são trituradas em um pilão e peneiradas, resultando num tipo de amido,
que é dissolvido na água quente formando um mingau ralo, recebendo o nome de
chotão, utilizado na alimentação infantil com auxílio de mamadeira. A crueira
também usada para fazer cremes, papas, bolos, pudins etc.
Beijús
Espécie
de pão do sertão, feito da massa ralada e torrada da mandioca, bem como do
amido. Há vários tipos:
Beijú de Massa – Feito da
massa grossa da mandioca, que é torrada em forno de pedra ou caçarola. Os
indígenas usavam vasilhames de cerâmica, sem corpo, para processarem esse tipo
de beijú.
Beijuzinhos – Também feitos
da massa grossa da mandioca. São pequenos e modelados com as mãos. Depois de torrados
ao forno de pedra, podem ser consumidos de imediato, mas geralmente eram guardados
em “tuias” junto com a farinha de mandioca, para época de penúria, como reserva
alimentícia.
Beijú de Lenço – Trata-se de
um beiju refinado, feito de polvilho úmido, peneirado em peneira de malha fina,
numa frigideira ou vasilhame raso de cerâmica, onde é torrado e dobrado
imitando um lenço de bolso de paletó.
Pão-de-Índio
Grande
quantidade de farinha torrada, envolta por uma camada de argila, formando uma
grande bola que é coloca ao sol para secar. Após este processo a bola é
enterrada em lugar seco e aí pode passar longos períodos. Em ocasiões de muita
escassez, os indígenas retiram a bola e depois de fragmentá-la, a jogam numa
grande vasilha com água (pode ser de cerâmica, um cocho de madeira ou mesmo uma
pequena represa). A argila por ser pesada, vai para o fundo da água e a farinha
flutua. Esta então é recolhida com carinho, torrada novamente e utilizada para
consumo.
Polvilho
Em
algumas regiões do Brasil este produto recebe também o nome de tapioca. O
polvilho pode ser produzido tanto da mandioca mansa quanto da mandioca brava.
O
processo de produção inicia-se com a mandioca descascada e ralada. Após este
procedimento coloca-se a massa em um pano de algodão, este é amarrado nos
quatro cantos formando uma espécie de rede. A massa é colocada aos poucos e
lavada com água, sempre na medida adequada. O caldo é aparado num vasilhame
grande, colocado abaixo da rede.
A
parte pesada desse líquido leitoso (amido) vai para o fundo do vasilhame. No
dia seguinte é retirada a água com cuidado, ficando apenas o amido.
Em
seguida, com auxílio de uma espátula feita de madeira, retira-se com cuidado a
parte superior do amido, que se chama lodo. Ele é um pouco escuro, meio marrom esverdeado
(que após seco, serve para fazer sabão).
O
amido mais claro é retirado e novamente lavado passando no pano como na etapa
anterior. No dia seguinte, retira-se a água. Se ainda tiver lodo, novamente é
retirado.
Com
auxílio de uma espátula retira-se o polvilho em pedaços grandes, colocando
estes esparramados sobre um girau, forrado com pano de algodão. Deixe ao sol
para evaporação da água. Antes que seque totalmente, este é quebrado e passado em
uma peneira fina. Devolva o polvilho
peneirado para o girau, cubra com um pano e deixe-o secar totalmente,
revirando-o algumas vezes até que fique totalmente seco. Pode ser armazenado
por muito tempo.
Polvilho Azedo
O
polvilho azedo é produzido da mesma forma. A diferença é que o polvilho doce
fica na água apenas 1 dia e o polvilho azedo é deixado na água para fermentar por
15 a 20 dias, dependendo da temperatura da região.
Ambos
os produtos geram inúmeros subprodutos, que são usados em sobremesas, quitandas
e outros complementos alimentares.
Puba
A
puba é um produto feito principalmente da mandioca “brava”. Os tubérculos após
descascados são cortados em tamanho médio de 10 a 15 cm e colocados num
vasilhame com água para fermentação. Após a concretização desta, os pedaços são
colocados para secarem sobre um girau, ao sol. Após totalmente secos os pedaços
são triturados manualmente e esfregados em peneira para obtenção do produto que
recebe o nome de puba. Dependendo do tamanho da malha, obtém-se um produto mais
fino ou mais grosso.
Este
tipo de produto, com granulação variada, uma vez torrado origina-se a farinha
de puba, muito apreciada nos cardápios com peixes. A
puba gera uma infinidade de subprodutos, dependendo da criatividade, como
sorvetes, bolos, biscoitos etc.
Farinha de
Mandioca
O
processo de produção da farinha, inicia-se com a mandioca descascada e ralada. A
massa da mandioca deve ser levada a uma prensa que pode ser um tapiti
ou tipiti, instrumento tubular feito de folhas de palmeiras trançadas. Após
encher o tapiti, prende a parte superior deste em um gancho no alto e na
inferior coloca uma pedra, para que este fique bem esticado. Também se utiliza
um pedaço de madeira para torcê-lo e fazer sair o excesso de liquido. Outra
forma é a utilização de um recipiente, cuja parte superior funciona como uma
prensa.
Depois
de algumas horas, retira a massa da prensa ou do tapiti, passe-a por uma
peneira e leve ao forno apropriado para torrar a farinha, mexendo sempre com uma
enxada de madeira, até estar totalmente seca e levemente dourada.
Massa da
Mandioca
A
massa da mandioca é o produto oriundo da mandioca ralada. Desse produto deriva
uma infinidade de outros, desde a própria farinha, o polvilho, a cachaça etc.
Como
pode-se observar a mandioca fornece inúmeros produtos que podem ser chamados de
produtos primários, aqueles resultantes do primeiro processamento e produtos
secundários resultantes da transformação dos produtos primários.
Alguns são
famosos na culinária brasileira como por exemplo o mané-pelado, bolo feito à
partir da massa da mandioca; a peta biscoito feito tanto do polvilho doce, como
azedo e assado ao forno; pão de queijo; biscoito de queijo; biscoito frito,
cuja massa é frita em gordura quente; paçoca de carne seca, feita no pilão
cujos ingredientes são carne seca frita com temperos e farinha de mandioca.
Além
desses, dos produtos secundários pode se fazer desde mingaus, sagus, inúmeras
espécies de quitandas e até uma espécie de cola denominada goma ou grude
utilizada para colar utensílios e fixar corantes minerais na preparação de
tintas.
A
mandioca ainda pode ser consumida cozida ou frita e acompanhar diversos
ingredientes em pratos da culinária brasileira.