sábado, 28 de outubro de 2017

O ETERNO AMANTE DAS CORRENTEZAS E DOS REMANSOS

Dedicado a Louro-de-Manim

 Altair Sales Barbosa
Lá pras bandas da cidade de Correntina, Oeste da Bahia, vez em quando se ouve uma história que dizia que no remanso Cabeludo de Véia Lôra, onde o rio Correntina (das Éguas) descansa um pouco para tomar fôlego e seguir turbulento rumo ao Corrente, existe um local perto de uma gameleira onde foi enterrado um pote de barro todo lacrado, guardando dentro de si muitas virtudes. Dentre estas, diz-se que no pote se encontra a sabedoria, a bondade, a simplicidade e o amor pelo lugar, pela terra querida.
Quando menino, morando em Correntina, essa história recheava meus pensamentos e estimulava a busca pelo desconhecido, principalmente quando o vento noturno trazia para a cidade o som da cachoeira, que encantava nossos sonos.
Um belo dia, muito triste nas minhas lembranças, tive de deixar aquele local, pela vontade de meus pais e de meus avós maternos, para estudar num centro maior, e Goiânia era o destino mais fácil. Naquela época as estradas eram trilhas, feito serpentes que rastejavam pela belezura incomensurável das veredas. Não existiam pontes nos rios, e o velho pau-de-arara, fuçando feito um cão farejador, capengava em direção às nascentes, para contorná-las até estacionar em um ponto da capital de Goiás, após seis a oito dias de viagem.

Era fim de tarde, quando minha mãe, eu e meus dois irmãos, os demais ainda não tinham nascidos, e mais algumas dezenas de rostos, procurávamos um lugar aconchegante na carroceria do caminhão, entre os sacos de farinha, fardos de rapadura, toneis de cachaça e latas de querosene jacaré, que era usado para abastecer a condução durante o trajeto.
O caminhão também conhecido por chavriolé estava estacionado numa parte plana e alta, bem na entrada dos Gerais. Em sua volta, uma multidão de pessoas conversava e se despedia. Sentado num saco de farinha, pude ver meu pai, que não pôde acompanhar, pois ficara para cuidar de outros afazeres, e meus eternos colegas e infância. Lá no fundo eu sabia que jamais voltaria para morar naquele paraíso, nem brincar com meus amigos.
Quando o caminhão começou a serpentear pelo areião, ainda pude ver entre os meninos Louro-de-Manin. Naquele momento meu coração sofreu um apertume de saudade. Não sei depois o que aconteceu com minha vida, foi tudo muito rápido, como um sonho bonito, quando acordei, já era professor universitário, requisitado por muitas outras universidades da América, conhecido pelos meus artigos, em cantos da terra, que eu nem pensava existir. Mas nada disso tirou da minha lembrança a figura dos meus colegas amigos e do povo daquele lugar, muitos dos quais nunca mais vi.
O tempo foi passando como um graveto carregado pela correnteza das águas do Correntina e, um certo dia, eis que reencontro Louro-de-Manin. A alegria foi tão grande, que se juntassem as águas do Correntina e do Arrojado, ainda sobrariam cabaças vazias. Aos poucos, meu conhecimento sobre Louro, agora adulto, foi se avolumando; acompanhava de longe seu trabalho, suas ideias e não foi difícil descobrir que não é preciso estudar numa grande universidade para ser sábio. Logo percebi nas ideias expressas por Louro a essência da sabedoria. Foi então que me lembrei das sábias palavras de Clodomir Morais.
“... nos campos das ciências históricas e das artes, a existência social, armada de capacidade de observação e de percepção de certos fenômenos, permite, com a ajuda de práxis e de algum autodidatismo, que haja geração espontânea de escritores, jornalistas, sacerdotes, sociólogos, psicólogos, músicos causídicos, muitos deles tão eficientes quanto os profissionais saídos das Universidades”.

Aos poucos, minha convivência com Louro foi despertando os grandes mundos de suas particularidades. E eu, que achava que no mundo não existia ninguém que amasse Correntina mais que eu, descobri que essa pessoa existe, e se chama Louro-de-Manim.
Além de uma pessoa transparente, solidária, cordial e muito amorosa, Louro reúne sabedoria, humildade, paixão pela terra natal, amizade, companheirismo e tantas outras virtudes que se torna difícil para um vivente descrevê-las. Quando fala em Correntina, mesmo na bondade das críticas, deixa claro seu coração transbordando de amor. Chora e sorri, pela terra e pelo rio, como se ali fosse um umbigo do mundo, do qual a parteira Narinha nunca não cortou o cordão.

Portanto, digo a quem se interessar e puder, se tem alguém que em vida mereça uma grande homenagem ou uma forma de apoio para realizar os sábios sonhos escondidos por detrás de seus criativos e ambiciosos projetos, esta pessoa se chama Laurentino Neves (nome de batismo de Louro-de-Manim), que atravessou pontes e pinguelas na vida, para deixar Correntina no centro do mundo.

Ele nunca contou, mas, pelos seus atos, jeitos e trejeitos, acredito que tenha sido a pessoa que descobriu o pote lacrado e guardado na gameleira no Cabeludo da Véia Lôra. Espero que eu esteja certo, pois quando abrir o pote certamente sobrará para nós um pouco das virtudes nele guardadas, porque Louro sabe e sempre soube repartir.