Altair
Sales Barbosa
De
um tempo para cá, mais precisamente a partir da aurora do século XXI, teve
início entre algumas pessoas que discutem as questões ambientais, um movimento
para incluir mais uma época na escala geológica, denominada Antropoceno e que ocuparia na escala geológica o local após o Holoceno. Esta
iniciativa e a criação desta nova época tem como objetivo caracterizar as
modificações que o ser humano vem causando no planeta Terra, principalmente a
partir da revolução industrial. Ninguém discute a magnitude das modificações
causadas pelo homem dentro desse período. Todavia, qualquer modificação de
ordem cosmológica, atmosférica ou geológica, provoca modificações muito mais
amplas e de magnitudes maiores que todas aquelas causadas pelo homem em toda a
sua breve história no planeta.
Por
exemplo, uma erupção vulcânica de porte médio é capaz de lançar na atmosfera
mais quantidade de CO2, que toda a queima de combustível fóssil já executada
pelo homem, o deslocamento de placas tectônicas já tem provocado terremotos superiores às escalas de magnitude 8, causando transformações às vezes
indescritíveis. Ilhas novas tem aparecido nos últimos tempos nos oceanos, sem a
interferência humana, da mesma forma nos deltas dos rios, como consequência do
transporte de sedimentos; Regimes climáticos diferenciados aparecem
ciclicamente causando imensos transtornos na superfície da Terra, como consequência
da ação de El Niño, La Niña, e outras alterações oriundas das correntes de
convecção que circulam no manto da Terra, por debaixo da crosta, onde não existe
a mínima possibilidade de intervenção humana.
Essa
rápida introdução é simplesmente para ilustrar que a inclusão de uma nova época, baseada nas modificações causadas pelo homem, não tem sentido dentro de uma
ampla escala geológica de temporalidade dos fenômenos, porque os parâmetros são
diferenciados.
A
escala do tempo geológico é o resultado de pesquisas que foram intensificadas
no século XIX. Durante várias décadas de pesquisas os geólogos reuniram
informações fragmentadas de numerosas exposições de rochas e puderam construir
uma cronologia sequencial baseada nas mudanças da biota da Terra, através dos
tempos. Com a descoberta da radioatividade, em 1895, associada ao desenvolvimento
de várias técnicas de datação radiométrica, os pesquisadores puderam atribuir
idades absolutas em anos e assim construíram uma escala geológica mais precisa.
A
bússola, que orienta esse raciocínio, é o princípio do uniformitarismo, que se
baseia na premissa de que os processos atuais tem-se operado através do tempo
geológico.
O
uniformitarismo não exclui acontecimentos súbitos ou catastróficos, tais como
deslocamento das placas tectônicas, terremotos, tsunamis, vulcões, deslizamentos,
inundações etc. mas chama a atenção para o fato de que para entender os
acontecimentos passados torna-se necessário entender os processos atuais e seus
resultados.
Outro
importante ensinamento do uniformitarismo explicita que as velocidades e
intensidades dos acontecimentos não obedecem padrões temporais regulares, mas, mesmo assim, as leis físicas e químicas da natureza tem permanecido as mesmas.
A Terra é um planeta mutante e as forças que modelaram o passado são as mesmas
que operam hoje.
Assim, de modo geral, desde que houve a formação das primeiras rochas no planeta Terra,
a Geologia tem conseguido contar essa história, que na maioria das vezes, se
nos apresenta de forma horizontal contínua, mas outras vezes as camadas
geológicas se apresentam fragmentadas, dobradas e até cheias de intrusões. Mas o mais importante é que cada evento se nos apresenta como se fosse páginas de
um livro as vezes intactas, rasgadas, ou dobradas. O especialista é capaz de
ler o conteúdo destas páginas e, através dessa leitura, sequenciá-las e montar
um grande livro que conta a história do Planeta. Os pesquisadores, geólogos,
paleontólogos, físicos, químicos, geomorfologistas, e antropólogos dividiram este
livro em grandes capítulos, aos quais deram o nome de Eras. Esses capítulos se
subdividem em capítulos menores, que são denominados Períodos, que por sua vez
se subdividem em capítulos menores, denominados Épocas, que também possuem
divisões, mas que não iremos enfocá-las para não fugir do essencial.
Dessa
forma, pode-se organizar os capítulos desse livro partindo dos mais antigos
para os mais modernos ou, se preferir, a analogia partindo dos primeiros
capítulos escritos até os que ainda estão sendo formatados.
O
primeiro grande capitulo dessa história iniciou-se por volta de 4 bilhões e 600
milhões de anos e recebe o nome de Era Pré-Cambriana, que se divide em dois períodos:
O primeiro, denominado Arqueozoico, dura até 3 bilhões e 500 milhões de anos
passados, quando inicia o Proterozoico. Os guias que serviram de referência
para a separação dos dois períodos foram o aparecimento da vida na forma de
bactérias e alguns tipos específicos de rochas.
O
Período Proterozoico vem até 600 milhões de anos, quando uma explosão de vida
invertebrada, incluindo os trilobitas, se multiplica nos mares da Terra.
Nesse
período começa a se formar o grande continente da Pangeia. A partir de 600 milhões
de anos surge outro grande capitulo da história da Terra, denominado Era do Paleozoico.
Essa Era se divide em capítulos menores denominados: Cambriano, Ordoviciano,
Siluriano, Devoniano, Carbonífero e Permiano. Cada um desses capítulos, denominados
Períodos, tem suas peculiaridades. O Permiano, que é o mais recente dentro da
Era do Paleozoico, se caracteriza pela fragmentação lenta do supercontinente Pangeia
em dois grandes blocos, um ao norte de onde hoje se situa a linha do Equador,
denominado Laurásia, outro ao sul denominado Gondwana. Caracteriza-se também
pelo aparecimento dos primitivos répteis e pela formação da camada de Ozônio na
atmosfera terrestre. O Período Permiano termina por volta de 220 milhões de
anos, quando se tem início a Era do Mesozoico. Esta Era se caracteriza pelo
extraordinário desenvolvimento da vida terrestre, principalmente os repteis. Está
dividida em capítulos menores e, cada qual como os anteriores, possui suas
peculiaridades. Estes capítulos são: Triássico, Jurássico e Cretáceo.
O
Cretáceo termina por volta de 65 milhões de anos e é caracterizado na sua fase
inferior pela fragmentação da Gondwana, que culmina na sua fase superior, com a
cisão entre América do Sul e África; Na formação do Atlântico Sul e no
aparecimento da cadeia Meso-Oceânica. Foi ainda no Cretáceo que se deu a
extinção dos grandes répteis.
Após
o Cretáceo, inicia-se o último capítulo da história geológica da Terra
denominado Era do Cenozoico. Esta Era se caracteriza principalmente pela grande
dispersão e diversificação dos mamíferos, oriundos da evolução de certas
espécies de repteis.
A
Era do Cenozoico, ou simplesmente Era Cenozoica, se divide em dois grande
períodos. O primeiro denominado Terciário engloba capítulos menores denominados
Épocas. A mais antiga é a Época do Paleoceno, seguida das Épocas Eoceno,
Oligoceno, Mioceno e Plioceno. O Período Terciário se caracteriza por vários
movimentos tectônicos e epirogenéticos. A Época do Plioceno termina há cerca de
2 milhões de anos, quando inicia o Período Quaternário. Este período engloba
duas épocas, denominadas Pleistoceno e Holoceno. O Pleistoceno dura de 2
milhões de anos até 11 mil anos. É marcado por grandes eventos glaciais no
Hemisfério Norte, pelo aparecimento do gênero Homo e por grandes mudanças
climáticas e fisionômicas que afetaram os continentes. O final do período glacial
há 11 mil anos, marca o início do Holoceno, época geológica que vivemos
atualmente.
A
história do homem na Terra é bem diferente, porque trata-se de um ser muito
novo na escala evolutiva da vida. E de forma bem generalizada engloba dois
capítulos: o capitulo da Pré-história e o capitulo da História.
O
capitulo Pré-histórico inicia-se com o aparecimento do gênero Homo na Terra e
se subdivide em capítulos menores denominados Paleolítico, Mesolítico e
Neolítico.
O
Paleolítico se subdivide em capítulos ainda menores, caracterizados por tipos
de humanoides e pelas técnicas de lascamento de pedras. Assim temos o
Paleolítico Inferior que inicia-se por volta de 2 milhões de anos e termina por
volta de 800 mil anos e é caracterizado pela presença e domínio do Homo-habilis. Em seguida vem o Paleolítico Médio que
abrange o espaço de tempo situado entre 800 mil a 150 mil anos Antes do
Presente e é caracterizado essencialmente pela presença marcante e irradiação
do Homo-erectus. Após o Paleolítico Médio,
vem o Paleolítico Superior, onde existe a ocorrência do Homo-sapiens primitivo até 40 mil anos, quando surge após esta data,
o Homo-sapiens-sapiens. A partir de
10 mil anos o Homo-sapiens-sapiens
introduz algumas mudanças nos hábitos e nos comportamentos do Homo-sapiens-sapiens do Paleolítico
Superior. Isto decorre das mudanças climáticas provocadas pelo final da
glaciação. É a partir de então que o homem passa a ser um grande consumidor de
moluscos, formando grandes amontoados de conchas conhecidos como sambaquis.
Este período da Pré-história dura de 10 mil a 8 mil anos Antes do Presente e
recebe a denominação de Mesolítico.
Depois
desta etapa o homem começa a domesticar os vegetais, dando origem a uma grande
transformação no modo de viver de alguns seres humanos, que optam por esse
caminho ou que tenham oportunidade de descobrir, aprender e utilizar essa
tecnologia. Surgem os pequenos campos de cultivos e as aldeias. Este período pré-histórico
é conhecido como Neolítico.
Após
o Neolítico, as inovações tecnológicas acompanhadas de grandes transformações
sociais foram muito aceleradas. E, a cada nova invenção, diminuía o tempo de
novas transformações. Vieram a domesticação dos animais, a utilização dos
metais fundidos, a invenção da escrita e outros inventos. E assim, a humanidade
entra no seu Período Histórico, que alguns dividem em Idade Antiga, Media,
Moderna e Contemporânea, embora seja difícil de precisar claramente as
diferenças entre uma idade e outra.
Também
é importante salientar que este raciocínio linear só se aplica a uma parcela da
humanidade, notadamente a parcela que modelou o mundo ocidental. O que não
significa que comunidades humanas que por oportunidades ou opções, escolheram
modos de vida menos complexos, sejam inferiores.
A
evolução cultural tem significado, por um lado, a organização do homem em grupos
sociais que tem gerado problemas demográficos, problemas de saúde, problemas de
educação, problemas institucionais etc. Por outro lado, a evolução cultural
agregou, ao fluxo básico de energia, de informação e de circulação de matéria,
o fluxo do dinheiro como resultado dos intercâmbios e das transações, gerando
assim uma série de variáveis econômicas relacionadas com produção, capital,
trabalho, comércio, indústria, consumo, níveis de preços, planificação de
inversões, maximização de ganho, transferências de tecnologias etc. A utilização
das diversas tecnologias originou diversas manufaturas, como: artesanato,
instrumentos, maquinários etc. Como também deu origem a uma grande quantidade
de ecossistemas artificiais, cidades, metrópoles, megalópoles, campos de
cultivo, áreas de pastoreio, pastagens artificiais, represas, canais de
regadio, rodovias, vias férreas, aeroportos, grandes usinas, complexos atômicos
etc.
Embora
o ser humano seja um elemento muito frágil em relação a Terra, tem sido ele o principal
responsável pelo enorme prejuízo causado a outros seres vivos. Além disso, é evidente
que o homem danificou inúmeros ambientes
e alguns ecossistemas da Terra de maneira irreversível, mas nada disso
justifica a criação de uma nova época geológica, porque os parâmetros utilizados
para essas avaliações se baseiam na escala temporal da vida humana e sempre
raciocinando como se o homem fosse o centro de todo processo, sem levar em
consideração o princípio de auto regulação da Terra.
Os defensores da
criação de uma nova época, denominada por eles de Antropoceno, defendem que o início
desta poderia muito bem se situar na revolução industrial, que então seria o
marco para o início do Antropoceno. Na realidade o que mais caracteriza a
sociedade moderna e que tem se caracterizado no grande paradigma da
contemporaneidade é a dicotomia Homem-Natureza, ou seja a desnaturização do
homem. Entretanto existem causas mais antigas e mais fortes que as produzidas
pela revolução industrial, que tem impulsionado a desnaturização do homem. Uma dessas é, sem sombra de dúvida, o aparecimento da religião monoteísta,
porque com o monoteísmo nasce a noção do individualismo que tem poderes para
dialogar diretamente com a divindade, separando assim o eu do corpo e criando a
noção de natureza humana e natureza externa. A partir de então, o homem se
julga superior a todos os seres naturais.
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