E a Campanha da Fraternidade de 2017
Altair
Sales Barbosa
Apresentação
Em
2015, o Papa Francisco I, brinda a humanidade em geral e a comunidade cristã em
particular, com um documento denominado Encíclica “Laudato si” que significa em
português “Louvado sejas”.
Esse
documento permitiu a que muitos segmentos da humanidade aproveitassem a
oportunidade para reforçarem um debate, já antigo, acerca do Meio-Ambiente.
Aproveitando a mesma corrente, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil em 2017, institui a campanha da fraternidade com o tema: “Biomas
Brasileiros e Defesa da Vida”, visando mais uma vez estimular no território
brasileiro o debate acerca dos problemas que afetam de forma holística suas
grandes matrizes ambientais.
Neste
sentido este documento procura agregar alguns elementos para fomentar tais
debates, entre os diversos segmentos da sociedade brasileira.
Resumo
Os estudos sobre o Cerrado, enfatizando alguns dos
seus aspectos abióticos e bióticos, sugerem que este ambiente deva ser
entendido como um Sistema Biogeográfico, composto por diversos subsistemas
intimamente interatuantes. Os aspectos evolutivos dentro da paisagem geral da
flora brasileira desperta a necessidade de se repensar os modelos de
planejamento ambiental e organização do espaço utilizados até então. Até 1950,
a área com vegetação de cerrado cobria 2.000.000 Km2, situada nos
chapadões centrais do Brasil, representando o ponto de equilíbrio entre os
diversos "domínios", biomas ou sistemas biogeográficos brasileiros,
uma vez que conecta com a maior parte deles, por meio de corredores
hidrográficos, utilizados também como corredores de migração faunística.
Introdução
Fisiograficamente
o Brasil possui sete grandes matrizes ambientais, essas matrizes foram
denominadas por Ab’Saber em 1977 como Domínios Morfo-climáticos e
Fitogeográficos. Outros estudos as denominam Biomas, embora o conceito de bioma
não seja muito apropriado, pois tende a enfatizar ou realçar um clímax
vegetacional, muitas vezes não corroborado pela história evolutiva do espaço em
questão. A partir de 1992, Barbosa tem sugerido a utilização do conceito
biogeográfico, classificando cada grande matriz ambiental como um sistema, que
engloba diversos subsistemas, destacando ainda os micro ambientes específicos
existentes em cada subsistema. Um sistema biográfico envolve um conjunto de
fatores atmosféricos, hidrosféricos, litosféricos e biosféricos, incluindo
nestes as populações humanas. E ainda, elementos da gravitação, relevos,
regimes climáticos e efeitos solares. Esses fatores se nos apresenta intimamente
interligados, cuja modificação em qualquer um, provoca modificação no sistema
como um todo. As diferentes fáceis do sistema, se mostram como subsistemas
interatuantes.
Sistema Biogeográfico Amazônico - situado ao norte e noroeste do país, abrange os
baixos platôs tabuliformes, as grandes planícies, subsetores mamelonizados
florestados e montanhas florestadas das encostas orientais andinas, até 600
metros de altitude. Constitui o grande domínio do Trópico Úmido, coberto pela
floresta úmida equatorial amazônica.
Sistema Biogeográfico Roraimo-Guianense - situado como um enclave, dentro do Sistema
Amazônico, na fronteira entre Roraima, Venezuela e Guianas. Constitui o domínio
úmido tropical da Gran Sabana, coberto por vegetação campestre denominada Campos,
do Rio Branco e Tumucumaque.
Sistema Biogeográfico das Caatingas - situado em áreas de depressões interplanálticas do nordeste
brasileiro, com clima de caráter semiárido, drenagens intermitentes e
sazonarias. Constitui o domínio do Trópico Semiárido, coberto pela vegetação da
caatinga, conhecido regionalmente por sertões secos.
Sistema Biogeográfico Tropical Atlântico - situado na fachada atlântica tropical do Brasil,
desde as costas do Rio Grande do Norte até o Trópico de Capricórnio. Em seu
limite sul, prolonga-se pelo interior, em áreas do oeste paulista e norte do
Estado do Paraná. Constitui o domínio Tropical da Mata Atlântica, de caráter
úmido e superúmido.
Sistema Biogeográfico dos Planaltos
Sul-Brasileiros - cobertos por um
velho núcleo de araucárias, situado em áreas planálticas subtropicais
atlânticas.
Sistema Biogeográfico das Pradarias
Mistas Subtropicais - situado na
metade sul do Rio Grande do Sul e grande parte do Uruguai. Constitui o domínio
das Coxilhas, com campos e florestas-galerias subtropicais.
Sistema Biogeográfico do Cerrado - situado nos planaltos centrais do Brasil, onde
imperaram climas tropicais de caráter subúmido, com duas estações - uma seca,
outra chuvosa. Constitui o grande domínio do Trópico Subúmido, coberto por uma
paisagem que constitui um mosaico de tipos fisionômicos que varia desde campos
até áreas florestadas.
Estas sete matrizes ambientais formam, na maior
parte dos casos, intrincados sistemas ecológicos interdependentes. O sistema do
Cerrado, dos chapadões centrais do Brasil, pela posição geográfica, pelo
caráter florístico, faunístico, geomorfológico e pela história evolutiva,
constitui o ponto de equilíbrio desses variados ambientes, uma vez que se
conecta, por intermédio de corredores hidrográficos, com esses e com outros ambientes
continentais.
Os
chapadões centrais do Brasil, cobertos pelo Sistema Biogeográfico do Cerrado,
constituem a cumeeira do Brasil e também da América do Sul, pois distribuem
significativa quantidade de água que alimenta as principais bacias
hidrográficas do continente.
O
Cerrado abrange os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Distrito
Federal. Inclui a parte sul e leste de Mato Grosso, oeste da Bahia, oeste e
norte de Minas Gerais, sul e leste do Maranhão, grande parte do Piauí e
prolonga-se, em forma de corredor, até Rondônia e, de forma disjunta, ocorre em
certas áreas do nordeste brasileiro e em parte de São Paulo. Ecologicamente,
relaciona-se às Savanas, e há quem afirme que o cerrado seja configuração
regionalizada destas. Entretanto, este ambiente possui uma história evolutiva
muito diferente das savanas africanas e australianas. No Brasil, o cerrado e os
campos recebem denominações diferentes, de acordo com a região: Gerais, em
Minas e Bahia; Tabuleiro, na Bahia e outras áreas do Nordeste; e ainda Campina,
Costaneira e Carrasco, dependendo da região. Nenhuma dessas designações
populares reflete sua totalidade ecológica, referindo-se apenas a uma
modalidade fisionômica, às vezes, associada a uma ou outra configuração
geomorfológica. Por estas razões, o paradigma puramente botânico não tem sido
suficiente para demonstrar a totalidade e a importância ecológica do cerrado,
já que destaca ou enfatiza apenas parcelas fragmentadas de sua composição.
Quando isso acontece, o caráter da biodiversidade, elemento marcante da
ecologia do cerrado, não recebe a importância merecida, nem sequer pode ser
compreendida em seus aspectos fundamentais.
Modernamente,
como já mencionado a utilização do paradigma Biogeográfico proposto por Barbosa
em 1992, tem demonstrado ser um referencial de grande importância para que se
possa entender o Cerrado, em sua globalidade. Compreendendo os diversos
matizes, tanto abertos como umbrófilos, como subsistemas interatuantes e integrantes
decisivos de um sistema maior, o conceito Biogeográfico tem ressaltado a
importância que o cerrado exerce para o equilíbrio dos demais ambientes do
continente, além de demonstrar que a principal característica da sua biocenose
é a interdependência dos componentes aos diversos ecossistemas.
O
cerrado exerce papel fundamental na vida das populações pré-históricas que
iniciaram o povoamento das áreas interioranas do continente sul-americano. Na
região do cerrado, essas populações desenvolveram importantes processos
culturais que moldaram estilos de sociedades bem definidas, em que a economia
de caça e coleta imprimiu modelos de organização espacial e social com
características peculiares. Os processos culturais indígenas, que se seguiram a
este modelo, trouxeram pouca modificação à fisionomia sociocultural e, embora
ocorresse o advento da agricultura incipiente, exercida nas manchas de solo de
boa fertilidade natural, existentes no cerrado, a caça e a coleta, em
particular a vegetal, ainda constituíam fatores decisivos na economia dessas
sociedades.
A
partir do século XVIII, o panorama regional começou a sofrer sensíveis
modificações, com o incremento da colonização que se embrenha pelo interior do
País, em busca de ouro, pedras preciosas e índios escravos. Nesse contexto, e a
partir dessa data, surgiram os primeiros aglomerados urbanos e a exploração
mais intensa dos recursos minerais que começava a se incrementar, já provoca os
primeiros sinais de degradação. Findo o ciclo da mineração, a região do cerrado
permaneceu economicamente dedicada à criação extensiva de gado e à agricultura
de subsistência.
Alguns
desses modelos econômicos ainda subexistem em espaços localizados até os dias
atuais, e outros modelos mais simples, baseados no extrativismo, são adotados
por populações caboclas, habitantes atuais de espaços restritos.
O
isolamento que a região manteve em relação às áreas mais populosas e
economicamente dinâmicas do Brasil, até meados da década de 1960, fez com que
este quadro permanecesse basicamente inalterado, fato que a implantação de
Brasília alterou consideravelmente, desestruturando os sistemas sociais
implantados e causando entropias de ordem biológica e geológica.
O
potencial agrícola que o cerrado demonstra, associado ao fato de ser uma das
últimas reservas da terra capaz de suportar, de modo imediato, a produção de grãos
e a formação de pastagens ligado ao desenvolvimento das técnicas modernas de
cultivo, tem atraído recentemente grandes investimentos e criado modificações
significativas, do ponto de vista da infraestrutura de suporte. O fato da
não-existência de uma política global para a agricultura tem provocado o êxodo
rural e o crescimento desordenado dos núcleos urbanos. Todos esses fatores, em
seu conjunto, têm provocado situações nocivas ao meio ambiente natural e
social, com perspectivas preocupamos.
O Cerrado Como Sistema
Biogeográfico
A
região ocupada atualmente pelo cerrado se enquadra, em sua quase totalidade, no
interior da Província Zoogeográfica Cariri/Bororo de Melo-Leitão ou no Distrito
Zoogeográfico Tropical, definido por Cabrera e Yepes. Fitogeograficamente,
porém, é tratada de forma particular, constituindo uma província própria;
Província do Cerrado, definida por Cabrera e Willink. Da mesma forma, Rizzini,
em sua Divisão Fitogeográfica do Brasil, dispensa o mesmo tratamento
particularizado, incluindo-o na Subprovíncia do Planalto Central, embora seus
limites não coincidam com os limites da Província de Cabrera e Willink.
A
região do cerrado não pode ser entendida como uma unidade zoogeográfica
particularizada, porque não apresenta esta característica, tampouco pode ser
considerada uma unidade fitogeográfica, por não se tratar de uma área uniforme
em termos de paisagem vegetal. O mais correto é correlacionar os diversos
fatores que compõem sua biocenose e defini-la como um Sistema Biogeográfico. Um
sistema que abrange áreas planálticas, o Planalto Central Brasileiro, com
altitude média de 650 metros, clima tropical subúmido de duas estações, solos
variados e um quadro florístico e faunístico extremamente diversificado e
interdependente. A fauna variada do cerrado, que transita noutros ambientes,
por exemplo, a caatinga, tem sua maior concentração registrada no Sistema
Biogeográfico do Cerrado, em virtude das possibilidades alimentares durante
todo ciclo anual.
Há
um estrato gramíneo que sustenta uma fauna de herbívoros durante boa parte do
ano, enquanto não está seco. Antes de aparecerem as flores, as queimadas naturais
por um lapso de tempo provêm os animais com cálcio e sais minerais. Logo
aparecem as flores que, durante uma determinada época, substituem como alimento
as gramíneas. O final das floradas coincide com o início da estação chuvosa,
que faz rebrotar os pastos secos e a maturação de várias espécies frutíferas.
Acompanhando os herbívoros e atrás, também, de recursos vegetais, animais, com
outros hábitos, formam uma complexa cadeia. Em termos vegetais, este sistema é
complexo e nunca pode ser entendido como uma unidade, pois há o predomínio do
cerrado stricto sensu como paisagem
vegetal, mas há também seus variados matizes, como campo e cerradão, além de
formações florestadas, como matas e matas ciliares e ainda são comuns as
veredas e ambientes alagadiços.
As
áreas florestadas são constituídas pelas matas ciliares que ocorrem nas
cabeceiras dos pequenos córregos e rios, em suas margens, como também se
espalham em áreas mais extensas acompanhando as manchas de solo de boa
fertilidade natural. Por exemplo, as matas do rio Claro e outras vertentes do
Paranaíba e o outrora chamado "Mato Grosso de Goiás". As veredas e
ambientes alagadiços são mais abundantes, a partir do centro da área nuclear
(sudoeste de Goiás), toma a direção norte e leste e sul e, à medida que se
aproxima do Pantanal Matogrossense fica mais evidente os ambientes alagadiços
com contornos diferenciados.
Nessa
perspectiva, o Sistema Biogeográfico do Cerrado pode ser subdividido em
subsistemas específicos, caracterizados pela fisionomia e composição vegetal e
animal, além de outros fatores, que apresentam a seguinte organização:
Subsistema dos Campos, Subsistema do Cerrado Stricto Sensu; Subsistema do
Cerradão; Subsistema das Matas; Subsistema das Matas Ciliares; Subsistemas das
Veredas e Ambientes Alagadiços.
Essa
diversidade de ambiente é um fator muito importante para a diversificação
faunística, permitindo a ocorrência de animais adaptados a ambientes secos e,
também, a ambientes úmidos. Da mesma forma, propicia tanto a ocorrência de
formas adaptadas a áreas ensolaradas e abertas, como favorece a ocorrência de
formas umbrófilas. Esses fatores atribuem ao Sistema Biogeográfico do cerrado um
caráter singular, distinguindo-o pela diversidade de formas vegetais e animais.
Estudos
de paleoecologia demonstram que os limites modernos do Sistema Biogeográfico do
Cerrado, não coincidem com os limites que deveria ostentar durante o
Pleistoceno Superior e Holoceno Inicial. Estes extrapolavam em muito os limites
da área core que hoje ocupa os chapadões centrais do Brasil, prolongando-se na
forma de "línguas" e enclaves por grande parte da Amazônia Sul-americana, alcançando áreas localizadas até mesmo ao norte do rio Amazonas.
Os mesmos estudos demonstram que, a par das regressões que este Sistema sofreu
em direção ao centro do Brasil, simultaneamente, com a expansão da floresta
úmida foi, apesar disto, o Sistema Sul-americano menos afetado pelas oscilações
climáticas do Pleistoceno Superior. Da mesma forma, no que diz respeito às
modificações na biomassa animal, foi um dos sistemas sul-americanos menos
afetado. Vale dizer que a fauna que o caracteriza modernamente, representa,
quando comparada com outros domínios continentais, quase 50% da biomassa animal
que caracterizava durante o Pleistoceno Superior e fases iniciais do Holoceno.
Esse fato, apesar das proporções, é significativo quando comparado com a
extinção animal que afetou outras regiões do continente durante o Pleistoceno
Superior e fases do Holoceno que, em alguns casos, atinge a proporção de 98%.
Os
Subsistemas do Sistema Biogeográfico do cerrado
Como
mencionado, o Sistema Biogeográfico do Cerrado não pode ser tomado como uma
unidade homogênea, pois ostenta em sua abrangência uma série de ambientes
diversificados entre si, pelo caráter fisionômico e pela composição vegetal e
animal. Estes ambientes constituem os seus subsistemas. Sua compreensão é de
fundamental importância para se entender o Sistema como um todo e o caráter da
biodiversidade que ostenta. Esse Sistema Biogeográfico é composto por seis
subsistemas interatuantes.
Subsistema dos
Campos -
ocupa as partes mais elevadas do sistema, apresenta morfologia plana
denominada, regionalmente, chapadões ou campinas. Há forte ventilação durante
quase todo o ano e a temperatura, em geral, é mais baixa que nos demais
subsistemas. A rede de drenagem é insignificante. Às vezes, aparecem pequenas
lagoas, algumas perenes. A vegetação é arbustiva esparsa e há uma composição
graminácea intensamente distribuída pela área. Durante o Pleistoceno Superior,
possivelmente, esse subsistema abrangia espaços geográficos maiores. Sua
presença atual pode ser explicada por fatores estruturais do solo, associados a
microclimas especiais, ainda não totalmente refeitos da agressão climática do
Pleistoceno Superior. Constitui nas grandes áreas de recargas dos aquíferos
existentes no sistema.
Subsistema do Cerrado Stricto Sensu - é a paisagem dominante do sistema. Ostenta um
estrato gramíneo diferenciado do campo, há a ocorrência de árvores de pequeno
porte e aspecto tortuoso, o que se explica pela teoria do escleromorfismo oligotrófico.
A rede de drenagem é boa e os solos são de baixa fertilidade natural, mas não
são uniformes. Há formações de cerrado que ocorrem tanto em latossolos
avermelhados como em solos arenosos, dos quais são exemplos o sudoeste de Goiás
e o oeste da Bahia, respectivamente.
Entre
o Subsistema dos Campos e o Subsistema do Cerrado Stricto Sensu, há uma
paisagem intermediária, designada, popularmente, campo sujo. Não se considera
esta paisagem como um subsistema à parte, porque sua abrangência geográfica é pequena
e, ecologicamente, mostra que as mesmas características dos dois subsistemas
ora mais, ora menos estão sempre presente.
Subsistema do
Cerradão - é,
fisionomicamente, mais vigoroso que o Subsistema do Cerrado Stricto Sensu. As
árvores atingem de 08 a 12 metros de altura e os solos demonstram maior
fertilidade natural. Não há um estrato gramíneo forte como no cerrado stricto
sensu e as árvores são mais encopadas. A rede de drenagem é bastante
significativa. Antigamente, alguns botânicos classificavam esta paisagem como
floresta xeromorfa, denominação que foi abandonada.
Subsistema das Matas - ocorre em manchas de solo de boa fertilidade
natural que, às vezes, adquire a configuração de ilhas, meio a uma paisagem
dominante de cerrado, conhecidas pelo nome de capões e podem formar áreas
extensas, compactas e homogêneas, como é o exemplo clássico do antigo Mato
Grosso de Goiás.
Subsistema das Matas Ciliares - ocorre nas cabeceiras dos pequenos córregos e rios
acompanhando-os pelas suas margens em estreitas faixas. Essas faixas são muito
variáveis quanto à configuração. Há locais em que se alargam em forma de bosque
e outros onde praticamente desaparecem, como é o caso de algumas áreas do médio
Tocantins.
Subsistema das Veredas e Ambientes
Alagadiços – nestes ambientes as
cabeceiras de alguns córregos e rios são, às vezes, caracterizados por
ambientes alagadiços, decorrentes do afloramento do lençol de água ou ainda em
virtude de características impermeabilizantes do solo. Nestes locais, são muito
frequentes as veredas, que são paisagens nas quais predominam os coqueiros
buriti e buritirana que, às vezes, se distribuem acompanhando os cursos d'água
até a parte média de alguns rios, formando uma paisagem peculiar. Há um estrato
inferior de gramíneas que se apresenta verde durante todo ano. Em alguns
locais, o afloramento do lençol chega a formar verdadeiras lagoas, rodeadas por
buritis Mauritia vinífera. Esta paisagem
é mais frequente do centro do Sistema em direção a norte e a leste. Quando se
aproxima do Pantanal Matogrossense, sudoeste do Sistema, as veredas tendem a
desaparecer, ao passo que as áreas alagadas aumentam.
O
Sistema Biogeográfico do cerrado é limitado por uma série de complexas formas
vegetacionais intermediárias que adquirem contornos específicos em direção à
caatinga e outras configurações, em direção à floresta amazônica úmida.
No
aspecto fisionômico e em muitos pontos da composição faunística, florística e
da ocupação humana, as áreas com savanas da América do Sul, que aparecem nas
Guianas, Venezuela e Colômbia, muito se assemelham ao Sistema do Cerrado e, se
não fosse o caráter da descontinuidade, poderiam perfeitamente estar incluídas
como um subsistema do mesmo sistema, mesmo levando em consideração os aspectos
evolutivos.
Problemas Referentes à Distribuição do Cerrado
no Pleistoceno Superior e Holoceno Inicial
Os contornos cartográficos que, atualmente,
caracterizam o Sistema do Cerrado, representam evento muito recente, de acordo
com inúmeros estudos de paleoecologia. Durante o Pleistoceno Superior e as
fases iniciais do Holoceno, a área coberta por vegetação de cerrado era maior
do que a atual.
Os
estudos de Geomorfologia, evidenciam a existência, durante o Pleistoceno
Superior, de duas grandes áreas core de cerrado: uma situada nos chapadões do
Brasil Central e outra, nos tabuleiros e baixos chapadões amazônicos. Esses
mesmos estudos evidenciam uma possível conexão ou extensão dessas formações até
as áreas de Roraima, Guianas e Lhanos do Orinoco.
Da
mesma forma, inúmeros estudos de Palinologia relatam a ocorrência de cerrado
nas diversas áreas hoje ocupadas pela floresta equatorial úmida.
A
maior parte dos autores afirma que o fenômeno se deve às oscilações do clima do
Pleistoceno Superior e de grande parte do Holoceno, que afetou profundamente
todos as grandes matrizes ambientais do continente.
No
que se refere a Amazônia, especialmente aos baixos chapadões que sustentavam
uma área core de cerrado e hoje ostentam uma paisagem florestada, os estudos
indicam que, durante o período mencionado, a região foi afetada por climas mais
secos que favoreceram a permanência do cerrado, nos platôs e da caatinga, nas
depressões.
Buscando
correlacionar os dados de Paleoecologia com os dados de Botânica, sobretudo com
aqueles que tratam do xeromorfismo do cerrado, à primeira vista, parece haver
certa contradição, pois estas pesquisas evidenciam que a água não é fator
limitante no desenvolvimento da vegetação de cerrado. Entretanto, quando a
Paleoecologia refere a "clima seco" está se referindo a um
"seco" relativo, tendo sempre como referência as condições do clima
atual da área; portanto, essa aparente contradição nesse sentido não existe.
Todavia, outras questões devem ser consideradas, tendo como base os aspectos
ligados à difusão do cerrado. Essas observações demonstram ser pouco provável
que a vegetação de cerrado, que ocupava os baixos chapadões da Amazônia, hoje
recobertos pelas florestas, tenha expandido a partir de outras áreas core, por
razões puramente climáticas, ocupando, dessa forma, áreas anteriormente
cobertas por outra formação vegetal, no caso, florestas.
Em
primeiro lugar, as condições edáficas associadas a esse stock vegetal, não favoreceriam, de imediato, uma difusão em escala
tão larga. Outro argumento contrário, é o de que uma mudança climática para
condições mais áridas, mesmo ocorrendo de maneira lenta, provocaria denudação
do solo, ressecando-o e impedindo, dessa forma, a migração das espécies por
sementes o que, consequentemente, impossibilitaria, com o passar do tempo, a
formação de uma área típica de vegetação de cerrado.
Se
essas observações estiverem corretas, como as pesquisas atuais tendem a
conduzir, é possível afirmar que a vegetação de cerrado que ainda no
Pleistoceno Superior ocorria nos baixos chapadões da Amazônia, não representa
uma expansão ou difusão a partir de outras áreas nucleares, mais precisamente
dos Chapadões Centrais do Brasil e, sim, deveria constituir a vegetação
original da área, que foi conquistada posteriormente pela floresta, em função
das modificações do clima e do solo, fato perfeitamente possível, como atestam
alguns estudos botânicos.
Pode-se
concluir, a partir dessas observações, que as manchas de florestas, existentes
à época na região não constituíam "refúgios" no sentido de
representarem retração de uma formação vegetal, anteriormente, ocupando uma
área mais ampla. É mais positivo afirmar que essas manchas florestadas
constituíam núcleos originais da floresta úmida que, com o advento de situações
favoráveis, expandiram sobre outras formações.
O
conjunto de todas essas observações torna possível a afirmação de que as áreas,
atualmente cobertas por vegetação de cerrado nos Chapadões Centrais do Brasil,
representam um retrato da configuração que essas áreas ostentavam também no
Pleistoceno Superior, ou seja, onde há cerrado atualmente sempre houve cerrado.
O
mesmo não acontecia nas depressões e no vale de São Francisco, pois a expansão
dos eixos de semiaridez, provenientes do nordeste brasileiro e canalizados por
essas áreas, raleou a vegetação existente e ainda permitiu a colonização por
formas associadas a ambientes semiáridos. A retração desses eixos, já no
Holoceno, favoreceu a retomada e a expansão por núcleos florestados existentes
em ilhas de maior umidade. Fato similar aconteceu na Amazônia e foi agigantado
à medida que a forte umidade, associada a outros fatores, mudou as condições
edáficas, favorecendo a expansão das florestas sobre os baixos chapadões.
Quanto
à área do Brasil Central, as flutuações climáticas foram mais intensas nas
depressões interplanálticas que envolvem ou penetram os altiplanos e chapadões
regionais com a paisagem de cerrado, tendo sido mais ou menos estável nas
regiões maciças e elevadas da área; e os climas, ora mais secos ora mais
úmidos, similares aos atuais climas de tipo goiano, matogrossense ou sudanês,
afetaram áreas como a depressão situada entre o Espigão Mestre e o Altiplano de
Brasília, as depressões interplanálticas do Alto Araguaia, a área do pediplano
Cuiabano e a calha central da Bacia do Paraná.
Alguns Elementos da Ecologia
O
Sistema Biogeográfico do Cerrado antes da violenta degradação dos últimos anos,
abrangia área de uma grandeza espacial que recobre dois milhões de quilômetros quadrados, região de maciços planálticos de estruturas complexas e planaltos
sedimentares compartimentados; cerradões ou cerrado nos interflúvios e
florestas — galeria contínua, ora mais larga ora mais estreita; cabeceira em ligeiros
anfiteatros pantanosos; solos de fraca fertilidade primária, drenagens geralmente
perenes; interflúvios muito largos e bastante espaçados entre si, com pouca
ramificação geral da drenagem na área core do cerrado; enclaves de matas e
manchas de solos ricos ou áreas de cais de nascentes ou de olho d'água perenes;
ausência de mamelonização, calhas aluvionais de tipos particularizados, em
geral não-meândricos nos planaltos; níveis de pediplanação nos compartimentos
de planaltos, pedimentos escalonados e terraços com cascalhos; sinais de
flutuações climáticas e paisagísticas vinculadas nas depressões intermontanas
centrais ou periféricas da grande área do cerrado; climas do tipo sudanês, com
precipitações entre 1.300 e 1.800 mm, concentradas no verão e relativamente
baixas no inverno; enclaves de matas na forma de capões de diferentes ordens de
grandeza espacial.
Anteriormente,
enfatizou-se a noção da diversidade de formas vegetais que compõem o cerrado,
enquanto Sistema Biogeográfico. Essa diversidade de matizes que constitui seus
subsistemas tem constituído certas dificuldades para os pesquisadores
determinarem que tipo de fisionomia corresponde à vegetação original do cerrado
ou pelo menos aquela que, sem uma provável interferência humana, reflita as condições
ambientais predominantes.
Assim,
nesta perspectiva, o cerrado não pode ser entendido como uma unidade
fisionômica. O trabalho de Kulhmann et alii sobre interpretação de imagens de
radar e landsat acerca da cobertura
vegetal da região do cerrado ressalta também essa preocupação, e os autores
afirmam:
“O que se procura definir com o termo
cerrado não é apenas um tipo de vegetação, mas um conjunto de tipos
fisionomicamente distribuídos dentro de um gradiente que tem como limites, de
um lado, o campo limpo e, do outro, o cerradão”.
Nesse
contexto, podem ser agregadas as ilhas de matas e matas-galeria, integrantes
decisivas desse sistema.
No
mesmo trabalho, Kulhmann e seus colaboradores afirmam que nem sempre é possível
retratar com fidelidade, no mapa, os tipos de vegetação mediante interpretação
de imagem de radar e landsat,
observando-se apenas as gradações cinza; mesmo depois de serem efetuados voos
de comprovação à baixa altitude, persistem muitas dúvidas. Por essa razão,
torna-se importante a análise dos padrões de relevo, solo e geologia. Esses
padrões, quando cuidadosamente analisados, servem de indicadores dos tipos de
vegetação.
Mesmo
quando o cerrado recobre grandes chapadas e chapadões tabulares, sua
homogeneidade é quebrada com frequência por vales, tanto os estreitos e os
profundos como os amplos e os rasos, nos quais pelo afloramento do lençol
d'água ou pela mudança dos componentes minerais e orgânicos dos solos, somados
a uma maior proteção contra o fogo, a vegetação modifica-se inteiramente, ora
para o tipo florestal ora para os campos limpos com buritis, constituindo esses
últimos as paisagens das veredas.
Ao
se estudar a ecologia do cerrado, observa-se que uma das características mais
marcantes da sua biocenose é a dependência de alguns de seus componentes dos
ecossistemas vizinhos. Muitos animais tem seu nicho distribuído entre o
subsistema do cerrado propriamente dito e das matas. Podem, por exemplo, passar
grande parte do dia no cerrado e abrigar-se, à noite, nas matas e vice-versa.
Topografia
O
que caracteriza a área do sistema do cerrado é a alternância de formas
topográficas representadas pelos relevos planálticos, morros de altura variada
e depressões estreitas ou amplas. Dependendo da espessura e da composição dos
solos, as fisionomias do cerrado e de outros tipos de vegetação podem estar
nitidamente separadas ou podem confundir-se em contatos pouco nítidos.
Há
áreas de pequenas superfícies, em que quase todas as fisionomias, como matas de
nascente, de galerias e de veredas são encontradas, constituindo-se em mosaico
vegetal. Os tipos de vegetação que recobrem a grande área do Pantanal de Mato
Grosso têm sido considerados como uma unidade sob a designação de Complexo do
Pantanal. Essa expressão, embora registrada por um bom número de pesquisadores
e consagrada na literatura científica, não deve ser mantida quando se referir
aos mapeamentos de 1:1.000.000 e maiores, o que na verdade se observa nessa
extensa planície é a influência da topografia em função das enchentes
periódicas.
Maior
ou menor tempo de permanência da água, superficial e subsuperficial, está
inteiramente dependente das feições topográficas e do solo. Variações de apenas
alguns centímetros podem definir a ocorrência de matas, campos limpos,
carandazais, campos permanentemente inundados etc.
Solos
Em
1948, Waibel estudou a vegetação e o uso da terra no Planalto Central do Brasil
e, ao constatar que em áreas muito limitadas sob mesmas condições
climatológicas, pode-se encontrar uma grande variedade de tipos de vegetação,
concluiu que esta variedade depende principalmente das condições edáficas que,
por sua vez, dependem das rochas que originam os solos.
O
mesmo autor, baseando-se em conceitos dos agricultores locais, afirma que há
dois grandes tipos de solos na região do cerrado: os solos de matas e os solos
dos campos. Análises têm sempre revelado que os solos de cerrado (de campos)
são sempre mais pobres que os de matas.
Alvim
e Araújo, autores que também destacam a importância do solo para a compreensão
do cerrado afirmam, por exemplo, que a distribuição desta paisagem em sua
região fitogeográfica é aparentemente controlada pelo solo, mais que por
qualquer outro fator ecológico. Segundo esses autores, as plantas do cerrado
parecem ser tolerantes a um baixo teor de cálcio e a um ph baixo, o que não
permite o crescimento de árvores típicas das florestas.
Arens,
admite que o pronunciado xeromorfismo (escleromorfismo foliar) do cerrado seja
uma consequência das condições oligotróficas dos solos, que são geralmente
ácidos e empobrecidos em bases trocáveis. Afirma ainda que um dos fatores
principais seria provavelmente a relativa escassez de nitrogênio assimilável, o
que pode originar o escleromorfismo oligotrófico, fazendo com que a vegetação
peculiar do cerrado seja selecionada pela deficiência de minerais, à qual ter-se-ia
adaptado.
Em
trabalho posterior, o mesmo autor afirma que as deficiências minerais limitam o
crescimento e, em consequência, causam acúmulo de carbohidratos. O excesso de
açúcares é utilizado para formação de cutículas espessas de esclerênquima para
produção, em resumo, de estruturas que dão à planta o caráter escleromorfo.
Goodland,
ao estudar os solos do Triângulo Mineiro, estabelece uma relação entre os
gradientes de fertilidade do solo com as diversas fisionomias do cerrado.
Variam, do cerradão ao campo limpo de cerrado, os seguintes fatores: ph,
percentagem de carbono e nitrogênio, matéria orgânica, teor Ca+++, Mg++ K+ Al+++, percentagem de alumínio, fosfatos e relação C/N.
Assim,
o solo do cerradão ocupa a extremidade mais alta do gradiente, por apresentar
teores elevados de matéria orgânica (N, P, K) Ca, Mg e ph mais alto, baixa
relação C/N e quantidades menores de alumínio.
Há
uma estreita relação entre a riqueza orgânico-mineral do solo e as fisionomias
do cerrado. O xeromorfismo resulta também, em grande parte, da carência de
micronutrientes do solo. Essa carência ou oligotrofismo limita o uso dos
produtos de fotossíntese, os quais ficam acumulados em determinadas partes das
plantas, dando-lhes o aspecto escleromórfico. Também o nanismo das plantas do
cerrado é atribuído à carência de micronutrientes, como N, P e S, que são
indispensáveis para a síntese das proteínas que entram no desenvolvimento
normal de novos tecidos.
Clima
Em
trabalho intitulado "Climatologia do Cerrado", Reis faz considerações
sobre o binômio clima/vegetação. Desse trabalho, destacam-se algumas
conclusões, como a de que a vegetação de cerrado não é xerófita — logo, estará
na dependência de um clima subúmido; a condição climática que determina o
cerrado é a mesma responsável pelo aparecimento da mata; uma vez satisfeita a
condição climática, o cerrado aparecerá ou não, na dependência de fatores
edáficos, de ordem nutricional; as diferenças de regime hídrico e térmico em
certos limites não implicam em modificações sensíveis na fisionomia da
vegetação do cerrado.
Camargo,
considerando as influências climáticas do ponto de vista dos aspectos micro,
topo e macro climáticos, afirma que, dada a escassa cobertura vegetal, as
temperaturas do ar e a umidade variam muito no decurso do dia. O autor sugere
que essa condição microclimática severa é antes consequência que causa da
vegetação, também, o topoclima tem efeito limitado sobre a vegetação natural.
Essa vegetação é encontrada sob várias condições macroclimáticas.
Um
dos estudos mais exaustivos sobre Climatologia do Brasil foi apresentado por
Nimer em 1977. Dentre outras observações, o autor reconhece que o domínio de um
clima quente e semiúmido, com quatro a cinco meses secos, empresta ao clima da
região Centro-Oeste do Brasil uma notável homogeneidade e esta, por sua vez, é
reforçada pela uniformidade de seu sistema geral de circulação atmosférica.
A
essa homogeneidade climática corresponde uma paisagem vegetal constituída pelo
cerrado, em sentido lato, quebrada localmente por outros componentes do meio
natural, tais como topografia, litologia e solos.
O Caráter Xeromorfo do cerrado
Revestindo
o solo especialmente com gramíneas, entre as quais repontam ervas, arbustos e
árvores em proporções variáveis, a vegetação do cerrado impressiona sobretudo
pelo aspecto tortuoso de suas árvores e arbustos, cujos caules, com frequência,
recobrem-se de espessa casca com folhas coriáceas e brilhantes ou revestidas
por um denso conjunto de pêlos, emprestando, ao cerrado, stricto-sensu a
aparência de vegetação adaptada às condições de seca.
Não
é de estranhar, pois, que até recentes anos fosse o cerrado chamado
frequentemente de "campo seco". Contribuía para isso o fato de
ocorrer tal vegetação, muitas vezes, em regiões onde é comum um período de 4 a
5 meses totalmente sem chuvas.
Parece
não haver dúvida quanto a ter sido Rawitscher o primeiro a considerar
seriamente a possibilidade de que a vegetação de cerrado não fosse condicionada
pela falta de água.
Levaram-no
a isso, observações casuais nas frequentes viagens feitas em várias partes do
Estado de São Paulo, onde visitou cerrado, especialmente em Emas, próximo a
Pirassununga.
Folhas
enormes, que muitas plantas de cerrado apresentam, ausência de sinais de
murchamento, mesmo no auge da seca, floração e brotação abundantes antes das
chuvas, pareciam contradizer a noção geral de que a existência do cerrado fosse
devido à escassez de água.
Essas
observações iniciais de Rawitscher conduziram a uma série de trabalhos
posteriores de outros pesquisadores, no sentido de desvendar o aspecto de
xeromorfismo que caracteriza a vegetação de cerrado.
O
primeiro trabalho experimental foi conduzido pelo próprio autor, com a
colaboração de Ferri e Rachid (1943), no cerrado de Emas em São Paulo. Entre as
muitas conclusões, os autores afirmam que a água não é um fator limitante da
vegetação de cerrado.
Em
trabalho mais extenso, de 1944, no qual observa o comportamento estomático e de
transpiração, Ferri chega às mesmas conclusões, evidenciando que a vegetação de
cerrado de Emas não se comporta, apesar de seu acentuado xeromorfismo, como
adaptada à condições de seca.
Em
1955 Ferri publicou um extenso trabalho intitulado "Contribuição ao
conhecimento da ecologia do cerrado e da caatinga: estudo comparativo do
balanço d'água de sua vegetação". Na introdução, o autor caracterizou os
vários tipos de vegetação que ocorrem no Brasil e indicou sua distribuição. A
seguir, focalizou a atenção nos ambientes em que vivem as plantas do cerrado
(em Emas) e da caatinga (em Paulo Afonso). Apresentou, depois, uma descrição fisionômica dos dois tipos de vegetação, cuja composição florística também
analisou. Entrou, finalmente, no estudo pormenorizado de problemas
morfológicos, especialmente da anatomia das folhas, da transpiração, do
comportamento estomático, dos déficits de saturação, entre outros relativos a
um grande número de espécies características dos dois tipos de vegetação que
estudou e comparou.
Fatos
já descritos em trabalhos anteriores foram postos em destaque: grande
profundidade dos solos do cerrado; abundância de água nesse solo; profundidade
considerável dos sistemas radiculares das plantas permanentes; presença
frequente de estrutura xeromorfa na vegetação do cerrado, como estômatos em
depressões, epidermes revestidas por cutículas espessas e camadas cuticulares
ou recobertas por numerosos pêlos ou escamas, presença de hipoderme e
parênquimas incolores, células pétreas e esclerênquimas bem desenvolvidos etc.
Todos esses elementos são, habitualmente, correlacionados com condições
xéricas. E, no entanto, o estudo do comportamento da vegetação do cerrado não
indica a adaptação a tais condições que, em verdade, não existem.
A
grande maioria das plantas permanentes do cerrado transpira livremente e com
altos valores, mesmo nos períodos de secas mais pronunciadas; somente poucas
mostram pequena restrição no consumo hídrico nessa época.
As
plantas do cerrado mostram, quase sem exceção, estômatos abertos durante todo o
dia, mesmo durante a seca. Também é comum encontrá-los abertos à noite. Em
geral, as reações estomáticas das plantas permanentes do cerrado são lentas. O
fechamento total das fendas estomáticas, quando se faz cessar o suprimento
hídrico arrancando a folha da planta, pode consumir em uma hora ou mais e, às
vezes, nunca se completa inteiramente. A transpiração cuticular é
frequentemente muito elevada, embora as cutículas e as camadas cuticulares
sejam espessas. Os déficits de saturação das folhas são baixos, em geral, mesmo
na época seca. O valor mais alto encontrado foi da ordem de 5% do conteúdo
máximo de água.
Embora
restritas a um habitat muito mais seco, a maioria das espécies dominantes da
caatinga (exceto as bromeliáceas, as cactáceas e as Euphorbiaceae suculentas)
não apresentam xeromorfismo tão acentuado quanto as plantas do cerrado.
Assim,
não são frequentes cascas espessas, nem folhas coriáceas ou pilosas. Cutículas
grossas, estômatos em depressões, abundante tecido mecânico são também
incomuns. Embora com xeromorfismo menos pronunciado que o da vegetação do
cerrado, as plantas da caatinga revelam-se melhor adaptadas, fisiologicamente,
para sobreviverem em condições xéricas.
Mesmo
durante a época das chuvas, várias plantas já revelam necessidade de restrição
do consumo hídrico, ficando com estômatos abertos somente nas primeiras horas
do dia; outras, após fecharem os estômatos nas horas e condições mais severas,
reabrem-nos à tardinha. Muito poucas podem manter estômatos abertos durante o
dia.
À
medida que se agrava a seca, curvas de transpiração indicativa de grande
restrição no consumo hídrico tornam-se cada vez mais frequentes. Por fim, quase
todas as plantas mantêm os estômatos fechados durante todo o dia. Nesse caso, a
água é perdida apenas por meio da cutícula e essa perda-transpiração cuticular
na caatinga geralmente é muito baixa, mas até isso pode pôr a planta em perigo,
então um dos meios mais eficientes de proteção contra a seca é reduzir
consideravelmente a superfície transpirante pela queda das folhas. Isso é o que
realmente ocorre, e planta após planta se despoja de suas folhas. Alguns
indivíduos das espécies mais resistentes persistem enfolhados, porém até eles
derrubam suas folhas quando a seca é realmente severa.
Em
contraste com as plantas permanentes do cerrado, as árvores e arbustos da
caatinga têm estômatos de reações muito rápidas. A Spondias tuberosa, por exemplo, reduz mais de 50% do valor inicial
de sua transpiração em apenas dois minutos após cessar o suprimento de água e
completa o fechamento estomático em cinco minutos.
A
transpiração cuticular indica, geralmente, valores muito baixos na caatinga,
apesar de não serem espessas as cutículas.
O
autor considerou ainda que a caatinga vive em condições de seca muito mais
pronunciada que o cerrado e é fisiologicamente adaptada a essas condições,
embora não tenha um xeromorfismo tão acentuado quanto o cerrado, o qual, no
entanto, não apresenta adaptação fisiológica a ambiente seco, o que induz à
conclusão de que o que importa realmente é a adaptação fisiológica, mas o autor
considerou que duas questões importantes devem ser resolvidas: l) se a
vegetação do cerrado não vive, em geral, em ambiente seco, por que é xeromorfa?
2) porque não se desenvolveram na caatinga, com maior frequência, caracteres
xeromorfos, ao lado dos mecanismos fisiológicos de proteção contra a seca? Não dariam
eles proteção adicional às plantas contra a perda de água?
O
autor tentou responder a primeira questão por meio de duas formas:
a)
O xeromorfismo do cerrado nada tem a ver com proteção contra a seca, tendo-se
originado por qualquer outra razão;
b)
A vegetação do cerrado pode, eventualmente, estar sujeita a secas pouco
severas, contra as quais basta a proteção de pêlos, cutículas espessas,
estômatos aprofundados etc. A vegetação do cerrado não teria estado sujeita a
um estímulo bastante forte, durante seu processo evolutivo, para desenvolver e
selecionar mecanismos fisiológicos de proteção contra a seca. Tal seleção teria
ocorrido, entretanto, no ambiente mais seco da caatinga.
Com
respeito à segunda questão, o autor considerou que, durante a evolução da
vegetação da caatinga, sempre que o xeromorfismo aparece isolado não pode ser
fixado, pois, não dando proteção satisfatória contra a perda de água, permitiu
que morressem as espécies às quais isso sucedeu. Quando surgiram apenas os
mecanismos fisiológicos de proteção contra a seca, eles puderam ser
selecionados, pois, dando suficiente proteção às espécies que os envolveram,
permitiram-lhes a sobrevivência.
Por
que, entretanto, não pode ser selecionado um número maior de espécies em que os
dois grupos de mecanismos de proteção apareceram reunidos? Para explicar tal
fato, o autor admitiu que o xeromorfismo deve ser, de qualquer forma,
prejudicial às plantas no ambiente seco da caatinga. Supôs que, devido à falta
de água, a possibilidade de realizar fotossíntese ficasse restrita a um período
curto. Quando o período da seca ameaça, os estômatos se fecham rapidamente, mas
assim que o perigo se afasta, eles se abrem depressa e então nada deve
dificultar o acesso de luz e de gás carbônico. Assim, os estômatos não devem
estar em depressões, nem cobertos por pêlos, mas, ao contrário, devem estar bem
expostos como, de fato, geralmente acontece.
O
autor admitiu que se deveria pensar em valor adaptativo de caracteres
combinados, em relação a conjuntos de processos, e não em valor adaptativo de
um caráter isolado, em relação a um processo único. No presente caso, o
xeromorfismo combinado com mecanismos fisiológicos de proteção contra a seca
teria, na caatinga, um valor adaptativo menor que a proteção fisiológica, somente
porque a proteção adicional contra a perda de água que o xeromorfismo daria à
planta, não compensaria o prejuízo causado a sua fotossíntese.
No
cerrado, o xeromorfismo não seria prejudicial, pois, devido à abundância
d'água, os estômatos mantêm-se abertos, em geral, o dia todo.
Pelo
que se pode concluir, a água não é fator limitante do desenvolvimento da
vegetação do cerrado. O caráter xeromórfico que apresenta é decorrente de
fatores de adaptação e ou evolução.
O Agente Fogo
Não
se pode levar adiante qualquer estudo sobre o cerrado, se não se tomar em
consideração o fogo, elemento intimamente associado a esta paisagem. Apesar de
sua importância para o entendimento da ecologia desse ambiente, enquanto sistema
biogeográfico, a ação do fogo no cerrado é ainda mal conhecida e, geralmente,
marcada por questões mais ideológicas que científicas. Também não se pode
conduzir seu estudo com base apenas nas comunidades vegetais. O estudo do fogo
como agente ecológico será mais completo se também se observar a comunidade
faunística e os hábitos que certos animais desenvolveram e que estão
intimamente associados à ação, cuja assimilação, sem dúvida, necessita de
arranjos evolutivos caracterizados por tempo relativamente longo. Diante dessas
observações, constata-se, por exemplo, que a perdiz Rhynchotus rufescens só faz seu ninho em "macegas", tufos
de gramíneas queimados no ano anterior. Da visita a várias áreas de cerrado
imediatamente após grande queimada, tem-se constatado que, apesar de as árvores
e arbustos se mostrarem enegrecidos superficialmente, estas continuam com vida,
ostentando ainda, entre a casca enegrecida e o tronco, intensa microfauna. Fenômeno semelhante acontece com o estrado gramíneo: poucos dias após a
queimada, mostra sinais de rebrota que constitui elemento fundamental para
concentração de certas espécies animais.
O
fogo é um elemento extremamente comum no cerrado, de tal forma antigo, que a
maioria das plantas parece estar adaptada a ele.
Ferri,
comentando trabalho de Rachid Edwards sobre a ação do fogo em áreas de campo
limpo e cerrado, informa que a autora estudou especialmente as gramíneas, grupo
que constitui a massa da vegetação baixa dos campos, e no qual existe grande
número de espécies tunicadas. Entre elas destacam-se Aristida pallens, Imperata brasilienses, Tristachya leiotachya e Paspalurn carimatum, Flugge. Informa
ainda que a autora estudou duas espécies de Schizacaceae
(Filicinae) — Anemia anthrisifolia e A. fulva.
Rachid Edwards indica, neste mesmo trabalho, que as formações túnicas são
encontradas em plantas da vegetação baixa dos campos, como Graminae, Cyperaceae, Iridaceae, Filicinae etc. Designa ainda que,
segundo Bouillene, ocorrem também em Velloziaceae,
pontos vegetativos e, em função, comparam-se aos catafilos que protegem as gemas
dormentes. Tais elementos, além de protegerem contra a perda da água, são
eficazes na proteção contra o fogo e contra o forte aquecimento por ele
produzido.
A
autora ainda trata dos sistemas subterrâneos (bulbos, rizomas, tubérculos e
xilopódios), que também proporcionam resistência às condições adversas.
Arens
afirma que o fogo é um fator que acentua o oligotrofismo, influindo dessa
maneira sobre conservação ou propagação do cerrado, e Goodiand sugere que a
ação do fogo sobre microorganismos do solo é muito importante no cerrado, porém
pouco conhecida. A produtividade primária é aumentada, pois há uma aceleração
da ciclagem dos nutrientes minerais.
Na
mesma linha de raciocínio, Coutinho informa que a ação do fogo no cerrado
aumenta o vigor da vegetação herbáceo - subarbustiva, enquanto a arbustivo —
arbórea o tem diminuído. Isso significa, de acordo com o autor, um aumento
progressivo das áreas de campo sobre as áreas de cerrado e áreas de cerradão.
Outro
dado importante a destacar, quando se procura entender a ação do fogo ao longo
da história, é que a ação do homem pré-histórico brasileiro não funcionou como
elemento perturbador dessa paisagem porque, além da ocupação do interior do
Brasil ser um fato relativamente recente, era insignificante em termos
populacionais para produzir perturbações em amplas escalas; suas ações
revestem-se de caráter puramente local.
Ao
longo do tempo, a ação do fogo no cerrado deve ser buscada em causas naturais.
O calor e as variações do albedo sempre alto nas áreas provocam intensos
movimentos convectivos na atmosfera, em que a concentração da umidade e o forte
gradiente térmico atmosférico montam, rapidamente, tempestades magnéticas
caracterizadas pela intensidade dos trovões, relâmpagos e raios.
Atualmente,
a forma descontrolada de utilização do fogo pelo homem moderno é que vem
provocando sérios desequilíbrios nesse Sistema Biogeográfico.
Problemas Relacionados com
a Difusão do cerrado
O
problema da origem do cerrado, tanto no sentido evolutivo como no sentido sucessional, nem sempre é tratado com a clareza e a distinção que o tema exige.
Entretanto, levantar alguns dados é da maior importância para compreender
alguns fatores ligados a sua difusão, bem como às áreas de distribuição em
épocas mais recuadas.
O
primeiro problema, para o qual se chama a atenção, refere-se à difusão
vegetativa do cerrado. Não há muitos estudos nesse sentido, e os que existem
referem-se às áreas periféricas, nem sempre típicas. Todavia, apesar desse
fato, esses estudos trazem alguns pontos elucidativos de grande importância.
Em
nota complementar que acompanha a apresentação preliminar do mapa
fitogeográfico do Estado do Paraná, Brasil, Maak opina que as ilhas de cerrado
que ocorrem no Paraná devem ser relictos de uma vegetação clímax, sendo as matas
do Paraná a formação secundária de sucessão mais recente.
Comentando
o trabalho de Maak, Ferri conclui, contrariamente, que no local em questão os
elementos de cerrado devem ser considerados como invasores.
Em
1960, Coutinho e Ferri, estudando a transpiração e o comportamento estomático
das espécies de cerrado que ocorrem na área mencionada por Maak, Campo do
Mourão, Estado do Paraná, afirmam:
“Próximo do centro da cidade,
encontramos um grupo de plantas que ocorrem em numeroso cerrado, e a vegetação
que estudamos não tem o aspecto típico do cerrado que conhecemos em outras
localidades. (...) Como foi mencionado, a vegetação que estudamos não constitui
um cerrado típico. Os exemplares das espécies típicas de cerrado que
encontramos eram, em geral, de pequeno porte e de troncos delgados. À página
seguinte: finalmente, deve-se anotar a ocorrência de numerosas plantinhas, sem
dúvida alguma oriundas de sementes, o que não é frequente em cerrado velhos,
bem estabelecidos em determinada região. Tudo isso faz supor que a migração de
elementos de cerrado para aquela localidade é relativamente recente.”
Em
trabalho de 1961, no qual reuniu dados e observações próprias e de outros
pesquisadores referentes à ecologia do cerrado, Ferri retoma o tema da difusão
do cerrado e focaliza, em especial, o fato de que, após vários anos de
pesquisas no cerrado, surpreendeu-se com a constatação de que nunca encontrou
plantinhas de espécies permanentes que pudesse dizer, com segurança, que
provinham de sementes. A reprodução vegetativa de vários tipos é responsável
por manter esta vegetação em determinado local e pela sua expansão em áreas
adjacentes, mas a ocupação de locais mais afastados só pode verificar-se por
germinação de sementes.
Experiências
com sementes de Stryphnodendron
adstringens, Dimorphandra moilis, Eriotheca gracilipes, Kielmeyera coríacea,
Annona coriacea, Aspidosperma tomentosum etc., revelaram que não há
dificuldade para a germinação em condições de laboratório. No cerrado,
entretanto, as mesmas sementes não germinaram ou o fizeram em porcentagem muito
pequena. Mesmo quando houve alguma germinação, a sobrevivência final foi
extremamente baixa.
O
autor acredita poder explicar o que se passa: as sementes das plantas
permanentes do cerrado são produzidas e dispersadas, via de regra, ao final da
época seca. Muitas são comidas por insetos e outros animais. Muitas morrem pelo
excessivo calor solar. Algumas apenas são preservadas em certos pontos mais
abrigados. No cerrado antigo, a superfície do solo é dura e tem um baixo teor
de coloides. Assim, quase toda a água das primeiras chuvas corre pela
superfície. As sementes que iniciam sua germinação com estas primeiras chuvas
podem não encontrar água suficiente para prosseguirem em seu desenvolvimento.
Mesmo que algumas plantinhas consigam nascer, podem morrer em seguida por falta
de água, porque suas raízes podem não ultrapassar, em tempo satisfatório, a
camada superficial seca do solo.
Se
uma área coberta por floresta é devastada pelo homem e se sementes de plantas
de cerrado aí caírem, logo a situação será bem diversa: a superfície do solo,
que é macia, tem um alto teor de coloides e uma boa capacidade de retenção de
água. Aí as sementes podem germinar logo e uma alta porcentagem de plantas pode
sobreviver. Com o tempo entretanto, as condições do solo conquistado pelo
cerrado tornam-se cada vez menos favoráveis, até que a situação se equipare à
descrita no início, com referência ao cerrado antigos.
Como
adendo às observações de Ferri e colaboradores, acrescentem-se algumas das
observações do professor Binômio da Costa Lima e outras próprias de Barbosa. As
observações de Costa-Lima datam de 1950, ao passo que as de Barbosa são de
1975, quando efetivamente passou a acompanhar aquele pesquisador em suas
jornadas de campo.
Ambos
constatam que em áreas onde a vegetação original era constituída por matas, e
quando estas são degradadas e abandonadas, sem atividades que requeiram manejo
do solo, a tendência é o aparecimento de espécies típicas da mata que formam
uma paisagem de árvores de crescimento rápido, retilíneas e finas, denominada
regionalmente "capoeiras". Esse fenômeno foi observado em várias
localidades do sudoeste de Goiás, em manchas de matas com cerrado nas
proximidades.
Quando
a área de mata é degradada e aí se exerce alguma atividade de manejo do solo,
abandonada em seguida, observou-se que aumenta, significativamente, a
ocorrência de leguminosas num primeiro estágio. Em seguida, começam a surgir
espécies típicas de matas. Em ambos os casos, não se observa a invasão dessas
áreas por espécies de cerrado.
Constatam
também a retomada da mata nos seus aspectos originais em áreas onde,
atualmente, ocorrem sítios arqueológicos e que foram degradadas para
implantação de aldeias, por indígenas conhecedores da prática agrícola, com a
abertura de clareiras para suas roças. Essas áreas, depois de abandonadas por
essas populações, retomaram, com o passar do tempo, suas características
primárias. Convém salientar que, nas áreas observadas, o período que separa a
época do abandono pelas populações indígenas até os dias atuais é de 150 a 100
anos.
Outras
observações nestas áreas demonstram que, quando degradadas, brotam de imediato
um conjunto de espécies que representa antigos cultígenos como feijão — Phaseolus sp., algodão — Gossypium sp. e guariroba — Syagrus oleracea. Tal fato tem,
inclusive, servido como indicador para localizar sítios arqueológicos
correspondentes a grupos agricultores no centro do Brasil.
Costa
Lima tem constatado a invasão de áreas, originariamente com vegetação de
cerrado, por espécies de matas, sempre que essas formações ocorrem próximas e
quando alguma atividade altera os componentes do estrato inferior da vegetação
de cerrado como, por exemplo, o pisoteio do gado, sufocando o estrato gramíneo
e alterando aso condições de solo.
Alguns Elementos da Flora e da Fauna
A
diversificação em variados ambientes é que atribui ao Sistema Biogeográfico do
Cerrado o caráter fundamental da biodiversidade. Compreender a distribuição dos
elementos da flora e da fauna pelos diversos subsistemas e seu ciclo anual é
muito importante para se ter uma visão de globalidade.
No
que se refere às espécies vegetais frutíferas. E, em particular neste texto
trataremos somente das frutíferas, o Sistema do Cerrado se apresenta como um
dos mais ricos, oferecendo uma grande quantidade de frutos comestíveis, alguns
de excelente qualidade, cujo aproveitamento por populações humanas dá-se desde
os primórdios da ocupação e, em épocas atuais, tais frutas são aproveitadas de
forma artesanal e até industrial. Associado aos frutos, outros recursos
vegetais de caráter medicinal, madeireiro, vinífero etc podem ser listados em
grande quantidade. Alguns desses recursos, frutíferos ou não, constituem
potenciais fontes de exploração econômica de certa grandeza, visto que a
pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias podem viabilizar seu aproveitamento
a curto prazo.
O
Sistema Biogeográfico do Cerrado também apresenta uma fauna variada
representada, essencialmente, por animais de médio e de pequeno porte. No que
se refere à avifauna, 935 espécies ocorrem no sistema, destas, 148 espécies são
anotadas como próprias.
Costa
Lima registra 298 espécies de mamíferos para o cerrado e não considera nesta
listagem os mamíferos aquáticos. Os répteis listados para o sistema representam
268 espécies.
Já
foi mencionado que o Sistema Biogeográfico do Cerrado se assemelha a uma
cumeeira, que distribui água para as grandes bacias hidrográficas do
continente. Assim, neste sistema, encontram-se rios das Bacias Amazônica, do
Prata, do Pantanal, do São Francisco, além de pequena porção de algumas bacias
menores do nordeste. Isto permite a ocorrência de grande variedade de peixes.
Associa-se a este fator o papel ecológico que os tributários representam como
locais de desova preferidos por inúmeras espécies. Algumas espécies de peixes
chegam a pesar mais de 100 quilos quando adultos e uma grande maioria atinge
facilmente 20 a 30 quilos, havendo também várias espécies menores.
Numa
listagem preliminar. Costa Lima registra para este Sistema 62 espécies, sendo
sua distribuição da seguinte forma: 22 espécies são exclusivas das águas que
correm para o norte, 17 são das águas que correm para o sul, 15 ocorrem tanto
nas águas do norte como nas do sul e o restante é específico dos lagos das
águas de norte.
Distribuição dos Principais Elementos da
Flora e da Fauna pelos Subsistemas
Os
dados seguintes procuram demonstrar alguns elementos dessa biodiversidade e o
caráter de interdependência dos diferentes subsistemas, tomando como base a
distribuição de certos recursos vegetais, especialmente frutíferos, e as formas
animais.
Pelas
características similares, no que se refere à distribuição desses elementos,
alguns subsistemas foram agrupados em categorias mais amplas, denominadas tipos
de ambientes. Assim, o Subsistema do Campo e o do Cerrado passam a constituir o
Ambiente Campestre. O Subsistema do Cerradão e da Mata não sofreram
modificação, constituindo respectivamente o Ambiente do Cerradão e o da Mata. O
Subsistema das Veredas e Ambientes Alagadiços e o das Matas Ciliares foram
reunidos sob a designação de Ambiente Ribeirinho. Algumas espécies têm sua
ocorrência registrada em todos eles, por isso, além dos quatro definidos, há um
espaço reservado a essa categoria.
Distribuição dos Frutos Comestíveis
No
Ambiente Campestre, há grande concentração de recursos vegetais, representados
essencialmente por frutos comestíveis, 375 das espécies listadas, englobando
todos os recursos que inclui espécies medicinais e não somente frutos, têm sua
ocorrência neste ambiente, já que 34% são exclusivos e o restante é registrado
também noutros ambientes.
No
Cerradão, a distribuição dos recursos vegetais não é significativa, apenas 4%
têm sua ocorrência registrada aí, uma vez que 3% são exclusivos.
No
Ambiente Ribeirinho, não é também significativa a distribuição dos recursos
vegetais, no que se refere à quantidade de espécies. Entretanto, isto é muito
relativo, pois algumas espécies que aí ocorrem fornecem grande quantidade de
massa alimentar, 9% dos recursos listados ocorrem neste ambiente, desses, 6%
são exclusivos.
Englobando
não somente os frutos, o Ambiente da Mata, apresenta-se como o de maior
concentração dos recursos vegetais, reunindo 50% deles, visto que 44% são
exclusivos.
Nenhum
recurso vegetal é comum a todos os ambientes.
Distribuição de Recursos Vegetais por
Época do Ano
A
distribuição dos recursos vegetais, notadamente dos frutos, tem sua maior
concentração nos meses de novembro, dezembro e janeiro, época que coincide com
o auge da estação chuvosa. Essa concentração diminui à medida que se distancia
da época chuvosa. Todavia, com exceção de maio, os meses que correspondem à
época seca, mesmo em quantidade menor, apresentam certa regularidade de
recursos.
Distribuição de Mamíferos por Ambientes
Dos
mamíferos listados, 32% tem sua ocorrência registrada no Ambiente Campestre;
17% são exclusivos e 15% são comuns também a outros ambientes.
No
Cerradão, ocorrem 15% dos mamíferos, mas nunca de forma exclusiva, ou seja, os
mamíferos listados aí são comuns a outros ambientes.
Ocorrem
16% dos mamíferos na Mata: desses, 5% são exclusivos e 15% são comuns a todos
os ambientes.
Embora
possam ser visíveis durante todo o ano, os mamíferos campestres estão mais
concentrados nos meses de setembro, outubro, novembro, dezembro e janeiro. Esta
época coincide com as floradas e rebrota das gramíneas afetadas por queimadas
naturais ou antrópicas do ano anterior. Coincide também, especialmente a partir
de novembro, com a época de maturação dos frutos. As espécies insectívoras também encontram, nesta época, farto recurso propiciado pela revoada e
multiplicação de certas espécies de insetos.
Outros
mamíferos especialmente os carnívoros estão mais concentrados em setembro,
outubro, novembro, dezembro e janeiro, acompanhando a concentração dos
mamíferos campestres. Os mamíferos, habitantes do Ambiente Ribeirinho, podem
ser mais visíveis e concentrados nos meses secos, sobretudo junho, julho e
setembro.
Distribuição das Aves por Ambientes
As
aves 33% podem ser encontradas no Ambiente Campestre, das quais 10% são comuns
a outros ambientes. Vinte e quatro por cento são encontradas no Cerradão e não
há formas exclusivas.
Da
mesma forma que o Cerradão, a Mata não apresenta formas exclusivas de aves, mas
95% espécies, comuns a outros ambientes, podem ser encontradas aí.
A
maior parte das aves do Sistema Biogeográfico do Cerrado, põem seus ovos
durante a estação seca, mais especificamente em junho, julho e agosto. As aves
campestres estão mais concentradas no início da estação chuvosa.
Distribuição de Répteis por Ambientes
Dos
répteis do Cerrado, 34% podem ser encontrados no Ambiente Campestre, destes,
17% são formas exclusivas. Todas as espécies campestres são representadas por
formas pequenas. Nenhuma forma de réptil é listada para o Cerradão. Vinte e
cinco por cento podem ser encontrados na Mata, sem exclusividade.
Quarenta
e um por cento são encontradas no Ambiente Ribeirinho, visto que 25% são
exclusivos; deste também são registradas as formas maiores dessa classe.
A
maior parte dos repteis campestres é mais facilmente encontrada na época
chuvosa. Entretanto, os répteis maiores, como jacarés e tartarugas, habitantes
do Ambiente Ribeirinho, são mais visíveis durante a estação seca, época que
coincide com a postura.
Distribuição de Peixes por Bacias
Hidrográficas
48%
dos peixes ocorrem na Bacia Amazônica, 27% nos tributários da Bacia do
Tocantins, 27% nos tributários da Bacia do Paraná e 25% ocorrem em ambas as
bacias. A maior concentração dos peixes coincide com a época da seca, em
particular junho, julho e agosto, quando acontece a piracema, ou seja, a subida
para postura, seguida da descida dos cursos d'água por grandes cardumes.
Outros Recursos Animais
Multiplicam
moluscos em certa quantidade no Ambiente Ribeirinho e na Mata como também, ao
longo de paredões rochosos mais úmidos. A maior concentração acontece na
estação chuvosa.
O
mel silvestre pode ser encontrado em todos os ambientes, em especial no tronco
das árvores e nas fendas rochosas. A época da coleta mais farta coincide com a
estação chuvosa. Nesse sentido, as abelhas indígenas, meliponinae constituem um grande potencial a ser estudado e
explorado racionalmente.
Bibliografia
AB'SÁBER,
A. N. A organização natural das paisagens inter e subtropicais brasileiras. III
Simpósio sobre o Cerrado. São Paulo: USP/Edgar Blucher, 1971. p.1-14.
AB-SABER,
A. N. Os domínios morfo-climáticos na América do Sul: primeira aproximação
Geomorfologia São Paulo: Instituto de Geografia/USP, 1977.n.52.
ALVIM.
P. de, ARAÚJO, W. de. El suelo como factor ecológico en el desarrollo de la
vegetación en el Centro-Oeste de Brasil. Turrialba, v. 2, n. 4, p. 153-160.
ARENS,
K. As plantas lenhosas dos campo cerrado como flora adaptadas às deficiências
minerais do solo. In: Simpósio sobre o Cerrado. São Paulo: USP/Edgar Blucher,
1971. p. 249-266.
ARENS.
K. O cerrado como vegetação oligotrófica Bol. Fac. Fil. Cien. e Letras da USP
São Paulo: USP, 1958. v. 224. n. 15, p. 59-77. (Série Botânica).
__ Considerações sobre a causa do xeromorfismo
foliar. Bol. Fac. Fil. Cienc. e Leiras da USP. São Paulo: USP, 1958. n. 15, p.
25-56. (Série Botânica. 224)
BARBOSA,
A.S. Andarilhos da Claridade – Os primeiros Habitantes do Cerrado. PUC Goias,
2002.
BOUILLENE,
R. et alii. Un voyage botanique dans lê Bas Amazone. In: Une mission biologique
Belge au Bresil. Bruxelas, 1930. t. 2, p. 1-185.
CABRERA,
A., WILL1NK, A. Biogeografia da América Latina. In: Monografia. Washington. D.
C.: OEA. 1980. (Série Biologia, 13).
CABRERA,
A..YEPES. J. Mamíferos sul americanos. 2. ed. Buenos Aires: Ediar. 1960. 2. v.
CAMARGO,
A. P. Clima do cerrado. In: Simpósio sobre o cerrado. São Paulo: USP/Edgar
Blucher, 1971, 376 p.
COSTA
LIMA, B. da. Frutos, mamíferos, répteis, peixes, aves e abelhas melíferas do
centro-sul de Goiás: uma tentativa de sistematização dos recursos de
subsistência. In: Anuário de Divulgação Científica Goiânia: UCG, 1976. n. 3/4.
COSTA,
C. C. da. et alii. Fauna do cerrado. Rio de Janeiro: IBGE, 1981.
COUTINHO,
L. M. Contribuição ao conhecimento do papel das queimadas na floração de
espécies do cerrado. São Paulo: USP/Departamento de Botânica. 1976. 173 p.
(Tese de Livre Docência).
COUTINHO,
L. M..FERRI, M. G. Transpiração e comportamento estomático de plantas
permanentes do cerrado em Campo do Mourão - PR. Bol. Fac. Fil. Cienc. e Letras da USP. São Paulo.
USP, 1960. N. 17. P. 119-130. (Série Botânica. 247).
FERRI,
M G., LAMBERT, A. Informações sobre a economia d'água de planta, de um
tabuleiro no município de Goiana - PE. Bol Fac. Fil. Cienc.
Letras da USP. São Paulo: USP, 1960. no 17, p. 133-145. (Série Botânica. 247)
Letras da USP. São Paulo: USP, 1960. no 17, p. 133-145. (Série Botânica. 247)
FERRI,
M. G. A Vegetação de cerrado Brasileiros, op. cil. p 297.
FERRI,
M. G. A Vegetação de Cerrado Brasileiros. In: WARMING. E. Lagoa Santa São
Paulo/Belo Horizonte: USP/Itatiaia. 1973. p. 288.
FERRI,
M. G. Transpiração de plantas permanentes do cerrado. Bol. Fac. Fil. Cienc.
Letras da USP. São Paulo, 1944. p. 159-224. (Série Botânica. 41).
__
Contribuição ao conhecimento da ecologia do cerrado e da caatinga: estudo
comparativo do balanço da água de sua vegetação. Bol. Fac. Fil. Cienc. Letras
da USP. São Paulo: USP, 1955. n. 12, p. 1-170, (Série Botânica, 195).
FERRI,
M. G., COUTINHO, L. M. Contribuição ao Conhecimento da ecologia do Cerrado:
estudo comparativo da economia d'água de sua vegetação em Emas-SP. Campo Grande
- MS e Goiânia - GO. Bol. Fac. Fil. Cienc. Letras da USP. São Paulo: USP, 1958.
n. 15, p. 103-150. (Série Botânica. 224).
FERRI.
M. G. Caracterização das principais formações vegetais brasileiras e
considerações sobre alguns problemas importantes de sua ecologia. In:
Fundamentos de manejos de pastagens. São Paulo: Instituto Interamericano de
Ciências Agrícolas/Secretaria da Agricultura, 1961. p. 177- 188.
FERRI.M.G..LABORIAU.L.G.
Water balance ofplams from lhe caatinga l:
transpiration of some of lhe most freqüent species of uie caatinga of
Paulo Afonso - BA. In: The rainy Season Rev. Brás. de Biologia, v. 12. n. 3.
1952. p. 301-312.
GOODLAND.
R. An ecological study of the cerrado vegetation of Soulh Central Brazil.
Montreal: Mc Gill Universily, 1969. 66 p. (Savanna Research, 15).
KUHLMANN,
E. et alii. Cobertura Vegetal da região do cerrado: Carta da cobertura vegetal.
Revista Brasileira de Geografia, a. 45, n. 2, 1983. p. 205.
MAAK,
E. Notas Complementares à apresentação preliminar do mapa fitogeográfico do
estado do Paraná. Arquivo do Museu Paranaense. Curitiba. 1949. v. 7, p.
351-362.
MELO
LEITÃO, C. de. Zoogeografia do Brasil. 2. ed. São Paulo: Nacional, 1947. (Col.
Brasiliana).
N1MER.
E. Climatologia do Brasil. Rio de Janeiro: 1BGE/SUPREN, 1977.
NASCIMENTO,
I. V. Aspectos da climatologia do cerrado. Goiânia: UCG. 1987. (mimeo).
R1ZZIN1.C.T.
Tratado de Fitogeografia do Brasil. São Paulo: USP, 1976. 2. v.
RACHID
EDWARDS, M, Alguns dispositivos para a proteção de plantas contra a seca e o
fogo Bol. Fac. Fil. Cienc. e Letras da USP. São Paulo, 1956. n. 13, p. 37-69.
(Série Botânica, 207).
RAWITSCHER,
E, FERRI, M. G. RACHID EDWARDS. M. Profundidade dos solos e vegetação em campo
cerrado do Brasil Meridional. In: Anais da Academia Brasileira de Ciência v.
15, n. 4. 1943. p. 267-294.
REIS.
A. C. de S. Climatologia do cerrado In: III Simpósio sobre o cerrado São Paulo:
USP/Edgar Blucher. 1971. 239 p.
WAIBEL.
L. Vegetation and land use in the Planalto Central of Brazil. Geog. Rev, v. 38,
n. 4, 1984. p. 529-554.
3 comentários:
Parabéns pelo texto. Tomara que o Cerrado, assim como o Pampa e a Caatinga, sejam reconhecidos como Patrimônio Nacional e, também, protegidos pela Constituição Federal! Antes que desapareçam...
Eloísa Revaldaves
Um homem que dedica seus estudos pela vida do Cerrado. Belo trabalho.
Olhando o mapa dos biomas, fico um pouco triste em pensar que a maioria dos brasileiros (uns ingenuamente, outros nem tanto) pensam que, por exemplo, preservar a pontinha do cerrado que toca o estado do Paraná irá compensar a devastação nas terras do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. São as duas faces da globalização: a especulação imobiliária garantido a aposentadoria de estrangeiros e, também, a televisão, a geladeira e a estrada que leva aos hospitais para muitos brasileiros. Fico imaginando como será, caso as mudanças nos procedimentos de Licenciamento Ambiental sejam aprovadas...Eloísa Revaldaves
Postar um comentário