Contam que, certa vez, um vaqueiro campeava pelo mato montado em seu cavalo, com certa tranquilidade, quando, de repente, o cavalo saiu em disparada jogando ao solo seu fiel cavaleiro. O vaqueiro, meio atordoado com a situação, pensou, com seu ar de matuto - uai! meu cavalo deve ter ficado doido. Mas quando olha para traz vê, a uns três metros de distância, uma grande onça pintada, sentada sobre as patas traseiras, que o fitava ternamente. Neste momento, o astuto vaqueiro, que estava sem nenhuma arma, imaginou: vou dar um grito bem forte, assim espanto a bichana e me refugio. Encheu os pulmões de ar e soltou o planejado grito. Foi aí que ele descobriu que estava mudo.
Traçando um paralelo com esta história ao ouvirmos atentamente a recém iniciada campanha política, as vezes chegamos à conclusão que estamos cegos, pois somos incapazes de enxergar as intermináveis lista de obras e iniciativas que cada candidato diz ter feito.
Mas o fato que mais nos chama a atenção, ao ouvirmos atentamente as propostas, é que quase todos os candidatos as apresentam baseados no imediatismo, sem levar em consideração as conseqüências dos atos, para um futuro próximo, principalmente quando o assunto é o meio ambiente.
Neste aspecto, o candidato deve levar em consideração as diversas noções do "tempo": o tempo do homem, o tempo do mandato, o tempo da natureza e o tempo da sobrevivência. Cada tempo tem o seu parâmetro.
Nos últimos anos temos alertado de várias maneiras para os riscos que uma política mal planejada para o meio ambiente pode acarretar para o futuro. Temos dado ênfase ao Cerrado, em função das diversas peculiaridades deste ambiente. Entretanto, apesar do clamor, o que constatamos a cada dia que passa é o esgotamento do cerrado em toda sua plenitude. Os órgãos governamentais responsáveis pelo meio ambiente insistem em minimizar o problema, baseados em dados mal interpretados, que não refletem a real situação da natureza.
Na iminência das eleições e na esperança de que algum candidato possa buscar mecanismos para um futuro melhor, destacamos alguns pontos que consideramos relevantes para a elaboração de uma política eficaz neste sentido.
Tomamos a liberdade de usar o verbo no passado ao referirmos às características do cerrado.
Desde a época geológica denominada Mioceno, há 25 milhões de anos, até 1950, o cerrado dos Chapadões Centrais do Brasil ocupava de forma contínua uma área de 2 milhões de km2, abrangendo hoje o que representam os Estados de Goiás, Tocantins, Distrito Federal, leste de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, oeste da Bahia, noroeste e centro/norte de Minas Gerais, Piauí, parte do Maranhão e parte de São Paulo. No presente, este ambiente natural não cobre 10% da área original.
Esta afirmação é feita baseada numa paisagem vegetal medida por populações de plantas e não por plantas isoladas. Uma população é caracterizada por um conjunto de pelo menos 30 plantas da mesma espécie que ocorrem num pequeno espaço geográfico. O contrário, a ocorrência aleatória de uma planta aqui, ali e acolá geralmente distantes entre si, é apenas uma faceta da degradação. A conseqüência imediata dessa situação é a impossibilidade de estudos científicos, em diversos campos do conhecimento: sistemática, genética, fitogeografia etc. e a impossibilidade destas plantas exercerem suas funções ecológicas. Mudando de planta para bicho, antes era comum avistarmos, nos nossos campos, manadas de animais da fauna nativa do cerrado. Com o passar dos tempos, em função da redução dos espaços de sobrevivência, a fauna nativa diminuiu drasticamente.
Com a intensificação da rede viária, era comum avistarmos animais da fauna nativa mortos nas estradas. Nos dias atuais, até este quadro triste não mais ilustra as margens das rodovias, fato este que é um indicador da diminuição drástica da nossa fauna, pois na área do cerrado nenhum corredor de migração faunística foi até então construído pelos governantes. Este é um fato deverasmente muito assustador porquanto a fauna do cerrado é o principal elemento responsável pela disseminação das plantas nativas, muitas das quais têm a dormência de suas sementes quebrada no intestino desses animais. Com a ausência dos animais, diminui a propagação dos vegetais nativos, mesmo porque ainda não temos tecnologia para produção e desenvolvimento em viveiros de 8% das plantas nativas do cerrado até então conhecidas, incluindo as arbóreas, herbáceas e gramíneas, cuja associação é de fundamental importância para a vida do bioma.
Muito tem se falado que o cerrado é o berço das águas. Em muitos escritos caracterizamos este ambiente como sendo a cumeeira da América do Sul. Isto porque as grandes bacias hidrográficas do continente têm seus formadores e alimentadores situados na região do Cerrado, em decorrência de que a região de Cerrado abrange três dos maiores aquíferos do planeta: o aquífero Guarani, que alimenta as águas do sul; e os aquíferos Bambuí e Urucuia, que alimentam as águas do norte e toda bacia do São Francisco.
Esses aquíferos vêm-se formando há milhões de anos. Atualmente, com a retirada da vegetação nativa de suas bordas, ou seja, dos chapadões, eles não estão mais sendo recarregados como deveriam, provocando o fenômeno das migrações, de nascentes, o desaparecimento de cursos d'água menores e a diminuição drástica do volume dos rios. Se a situação continuar sem mudanças em breve espaço do tempo teremos no centro da América do Sul um grande deserto para contemplarmos, e quem sabe, para satisfazer o desejo de uma pequena burguesia que teria enfim um espaço privilegiado para realização de seus rallys predatórios. Em tempo, a área principal de recarga dos aqüíferos ocorre nas suas bordas.
Atualmente, é comum ouvirmos nos discursos de representantes dos órgãos ambientais a palavra revitalização. Para se revitalizar uma área na região do Cerrado é necessário o conhecimento fitossociológico, o domínio de técnicas de produção de plantas nativas em viveiro, o estudo sobre o tempo de desenvolvimento destas plantas para exercerem a função ecológica etc. As plantas do Cerrado são espécimes extremamente complexas, com uma história adaptativa e evolutiva entremeada e dependente de diversos elementos, que variam desde um tipo específico de solo até a dependência de uma abelhinha nativa ou um tipo específico de borboleta polinizadora. Uma plantinha do Cerrado, para chegar a exercer sua função ecológica, pode necessitar de mais de 600 anos até atingir a idade adulta, como é o caso da Canela-de-Ema (Vellozia flavicans) e, apenas por curiosidade, alguém já conseguiu produzir Arnica (Chinolaena latifolia) em viveiro?
Falar, portanto, em revitalização tem que ter profundo conhecimento da biodiversidade em sua plenitude, e, principalmente, estudar a fundo a história evolutiva do cerrado. E, por falar em evolução, seria bom relembrar que de todos os ambientes recentes do planeta, ou seja, os que se delinearam a partir do período geológico denominado Cenozóico, o Cerrado é o mais antigo, o que significa que este ambiente já atingiu seu apogeu evolutivo - o que por sua vez conduz a uma outra situação. Um ambiente que atinge seu apogeu evolutivo e adaptativo, uma vez degradado, não se recupera jamais. Isto vale para a fauna, flora e água. A degradação é o processo irreversível.
A região do Cerrado já foi palco de um intenso povoamento indígena desde 11.000 anos Antes do Presente. Verdadeiras revoluções tecnológicas, experimentadas pelos ameríndios, foram realizadas na região do Cerrado. Algumas dessas inovações influenciaram decisivamente os hábitos não só dos brasileiros, mas da população mundial moderna. Muitas plantas medicinais do conhecimento indígena foram incorporadas na farmacopéia universal.
A população indígena atual que sobrevive em áreas intactas de Cerrado não representa 1% da população geral que outrora habitava a região. A grande maioria foi extinta em função de diversos fatores. O que restou representa muito mais uma continuidade biológica do que uma continuidade cultural.
O mesmo processo está acontecendo com as ditas populações tradicionais, engolidas pelo grande capital, devido á ausência do Estado nos seus territórios. Essas populações estão perdendo sua identidade, seus valores culturais, suas terras, abandonando seus modelos produtivos de agricultura familiar, migrando para os centros urbanos e engrossando as massas marginalizadas e periféricas desses centros.
Ao ler este texto o leitor deve estar indagando. Então temos de frear o desenvolvimento? Parar de crescer?
Não é bem isso, apenas devemos rever o desenvolvimento econômico atual, cujo modelo é predatório e excludente. Porque de nada adianta um "boom" produtivo efêmero se amanhã não tivermos água para sustentar o mínimo possível a vida em toda a sua biodiversidade. Passearemos pelas fábricas, silos e outros ambientes como se fossem ruínas de um tempo mal planejado.
Até o início dos anos 1970 falar de problemas ambientais, como desmatamento, garimpagem predatória, uso indiscriminado de agrotóxicos, assoreamento de rios, exploração desenfreada dos recursos naturais, poluição atmosférica, saneamento básico, emissão de CO2 na atmosfera, aquecimento global, enfim, falar de catástrofes naturais, ou provocadas pelo homem, constituía uma espécie de tabu, de tema proibido. Por quê? Porque para a grande maioria das pessoas o discurso ecológico não passava de uma rebeldia sem causa, ou seja, de um discurso sem fundamento científico, e muito menos político, cuja finalidade única era frear sem justificativa o desenvolvimento material da sociedade.
Os governos só tinham uma idéia fixa: promover a todo custo o desenvolvimento econômico do País e dos estados. Esta visão tecnicista para a maioria dos governantes e da gestão do território já deixava transparecer o que hoje chamamos genericamente de questão ambiental e que se tornou no problema preocupante não apenas para os brasileiros, em geral, mas para os goianos, em particular. Não há necessidade de se enumerar esses problemas, porque eles já afetam a todos os cidadãos, principalmente os das classes sociais menos privilegiadas assistidas. Há que se pensar em como resolvê-los, ou, no mínimo, em como evitá-los, a fim de minimizar os males que deles decorrem.
Na atualidade, os problemas relativos ao meio ambiente permeiam todas as questões concernentes à gestão do território estadual, principalmente as que dizem respeito à educação, de um modo geral, e ambiental, em particular. Desse modo, uma política ambiental verdadeiramente democrática tem que ter como preocupação central dois eixos fundamentais: a educação e a inserção social dos cidadãos pertencentes às classes sociais menos favorecidas. Uma coisa está ligada a outra, pois, sem educação - e aí se inclui a educação ambiental - não há inserção social, mas sim exclusão social.
Como dizem os especialistas, o maior objetivo da educação é criar capital humano de qualidade, dando aos indivíduos maior produtividade e flexibilidade. Vão mais além ainda, ao enfatizarem que as oportunidades de emprego, a produtividade da mão-de-obra, o uso de novas tecnologias, a distribuição de renda e até mesmo a qualidade de vida em uma sociedade dependem dos investimentos em educação.
Felizmente alguns abnegados da ciência brasileira propõem soluções concretas, que possam minimizar o desgaste atual, preservar os bens naturais e culturais e melhorar a qualidade de vida do homem do cerrado.
Solicitamos aos candidatos eleitos que ouçam a comunidade científica brasileira, antes de tomarem decisões administrativas pragmáticas. Quem sabe se esta atitude ajudará a deixar a miopia do efêmero e vislumbrar a perspectiva da eternidade.
Sabemos que a tarefa não é fácil, porém muito mais difícil será a vida no futuro, sem estas observações.
Se continuarmos com este modelo de não sustentabilidade do meio ambiente estaremos armando uma bomba relógio de efeito programado, que acelera o caminho para as covas dos nossos irmãos excluídos, e, certamente, retirarão dos livros as lições de humanidade.
Até quando teremos que contemplar apenas os "lobos" se saciarem?
(agosto/2006)
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