terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Carta aberta aos que amam o Ato de Educar



Imbuídos dos conceitos errôneos de globalização, querem transformar o intelectual em um simples divulgador generalista de nível superior. O Ministério da Educação promove esta situação através da autorização indiscriminada para abertura de inúmeras escolinhas de 3º grau, talvez embasado na ideologia mesquinha e demagógica de que quanto mais pessoas de nível superior o Brasil possuir, melhor desempenho terá nas estatísticas oficiais, não importando, porém, a qualidade dos que foram quantificados.

Essa simplificação trai o princípio básico da educação que é a conscientização, e, em nome da banalização cria-se uma enorme massa alienada, talvez de grande utilidade para as ideologias que não se enternecem em proporcionar campo propício à eclosão de pensamentos originais e que não deixam margens para outros pensamentos.

Diante de tal quadro, as tradicionais Instituições de Ensino Superior (IES), talvez amesquinhadas pela falta de coragem, de criatividade e competência de seus dirigentes, se sentem perdidas e ofuscadas por tamanha confusão e burocracia.

E assim, diante desse quadro confuso e por incapacidade de seus dirigentes de se libertarem da camisa-de-força que lhes é imposta pelo MEC, desviam para canais rasos e poluídos os antigos caminhos dos ramos de conhecimento que outrora se entrecruzavam com freqüência e formavam afluentes que desaguavam em rios que transportavam sabedoria, ética, lógica, ciências, sonhos, lutas.

Entretanto, mesmo diante dessa situação, conscientes ou inconscientes, os dirigentes aceitam como verdadeira uma cosmovisão deturpada e se arvoram em ser o Deus Criador, para provocarem um big-bang e implodirem o indivisível universo ensino-pesquisa-extensão. Uma vez implodido este universo, abre-se a possibilidade de conduzirem as IES pelo canal que denominam ensino, mas que em realidade é puro aulismo.

Dessa forma, inconscientes ou não, estão contribuindo para a formação de profissionais incapazes de resolver científica e humanisticamente os problemas propostos pela velocidade das mudanças atuais, e se sentem livres para praticar a divulgação de conhecimentos de péssima qualidade, gerando entre os discentes e docentes uma massa informe de descontentes e alienados.

Nas tradicionais instituições privadas o perigo pode ser bem maior. A iminência da falência administrativa, por falta de uma visão global, poderá levar os administradores a implantarem como única saída a política do terrorismo do medo pelo medo, onde a fúria estarrecedora gerada pela falta de capacidade da busca de alternativas e planejamento adequado, romperia de vez com o universo ensino-pesquisa-extensão, inclusive fragmentando a dimensão ensino e reduzindo-a a mera divulgação. Assim os poderes seriam consolidados em detrimento da grande maioria sem voz e direitos. Essa maioria ficaria impedida de optar, lucidamente dopada pelo que lhe é imposto. Com isso, vai-se perdendo a capacidade de projetar um futuro melhor e cada vez mais desaparece no horizonte a possibilidade da criação e incentivo aos núcleos de pesquisa fundamental ou aplicada, que possam responder às necessidades urgentes da humanidade e da vida.

O reducionismo da atividade de ensino em simples divulgação banal está aniquilando tanto nas universidades públicas tradicionais como nas universidades privadas tradicionais, suas ilhas de excelência, ou, em outras palavras, o que elas têm de melhor: seus centros ou institutos de criação e integração. Sem estes, os esforços institucionais para a busca do bem-estar social cairão no vazio e não poderão adquirir a sua total plenitude.

Nós que fomos formados nos autênticos valores do cristianismo, ficamos sem entender esta crescente situação desumana que aos poucos vai conduzindo as pessoas ao suicídio por omissão. Isso porque esta situação é capaz de criar no universo da Universidade uma solidão interior e um individualismo generalizado, práticas antagônicas aos princípios do cristianismo.

Estamos presenciando uma divisão entre inteligência, razão e emoção. O preço pago pelos que querem lutar contra essa situação pode ser a esquizofrenia, causada pela impotência das mobilizações. Tudo isso gera uma profunda mutação no nosso cotidiano e no nosso relacionamento: vamos paulatinamente abandonando a ética da cooperação e substituindo-a pela competição desleal.

O corpo universitário, constituído por alunos, professores, funcionários, quando isolado individualmente e responsável por si só, vê a própria vida e a morte perderem seu sentido comunitário.

Neste momento de indefinições perigosas, antes de qualquer decisão, seria útil que os dirigentes das Instituições de Ensino Superior soubessem cultivar a humildade e se lembrassem daquele ideário antigo da educação: “Quanto mais se sabe, mais necessitamos aprender”.

E assim, sensibilizados pela humildade, quem sabe não achariam caminhos relembrando os versos da velha e nova canção de Milton Nascimento:

“Coração de Estudante
há que se cuidar da vida
há que se cuidar do mundo
tomar conta da amizade
alegria e muito sonho
espalhados no caminho
verdes, planta e sentimento
folhas, coração, juventude e fé.”

Altair Sales Barbosa é professor titular da Universidade Católica de Goiás.
PUBLICADO NO JORNAL "O POPULAR" DE GOIÂNIA EM 21/09/2007

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