sábado, 26 de novembro de 2016

MENSAGEM AOS PREFEITOS ELEITOS



Altair Sales Barbosa

Em seu livro Estórias para quem gosta de ensinar, o educador Rubem Alves, nos brinda com uma fábula do mundo das aves, muito rica em todo seu conteúdo. Assim diz o autor:

“Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza, eles haveriam de tornar grandes cantores. E para isso fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu-titular, a quem chamam por Vossa Excelência.    


Tudo ia bem até que a doce tranquilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida e a floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas com os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico e convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito... 


– onde estão os documentos de seus concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvesse. Não haviam passado por escolas de canto porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam, simplesmente... 
- Não, assim não pode ser. Cantar sem titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...


Moral: em terra de urubu diplomado não se ouve canto de sabiá”.

Prezados executivos municipais eleitos em 2016, a fábula acima reflete o que também pensavam Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, posicionados entre os maiores filósofos da educação do século XX. Eles foram unânimes em afirmar: que o maior analfabeto não é aquele que não sabe ler, mas aquele que lê e não entende o que leu. Em outras palavras é aquele que não entende e não enxerga os sinais que a realidade atual insiste em colocá-los bem à nossa frente e que bailam diante de nós, como borboletas diante das plantas floridas. 

A espiral da ignorância analfabética, chegou ao ápice nos tempos atuais, onde produção de conhecimentos, produção cultural, saberes e culturas tradicionais, de nada valem diante da burocracia, que tal qual uma cerca mal feita de arame farpado tomou conta das escolas públicas, contribuindo para a falência da educação brasileira, cujo desempenho dos mais letrados urubus é incapaz de gorjear uma nota afinada e a escola incapaz de propor uma Pedagogia da Esperança, ou para a Esperança.

Portanto, digníssimos prefeitos eleitos, que tanto aprenderam com a história, Vossas Senhorias tem em suas mãos uma chance de ouro. Uma chance única, que embora tenha chegado através de circunstancias nebulosas, que  conduziram a sociedade para o caminho em que se encontra, mas que por outro lado, essas mesmas circunstâncias apontam que através de uma educação singular, pode-se alcançar dias de glória para esta sociedade, mesmo que   difícil e ainda, que demore um pouco, mas os alicerces de conquistas futuras bem sucedidas podem ser lançados , através de uma ênfase holística e sólida capaz de sustentar uma política segura para a educação.

O caminho para o êxito, pode se assemelhar a uma encruzilhada, mas a sabedoria, conhecimento e discernimento podem apontar o rumo correto.

O primeiro discernimento é a clareza referente ao conceito de tempo, claro que neste espaço é impossível discuti-lo em profundidade desde Einstein até Hawking. Mas seria de grande utilidade que se levasse em consideração alguns tipos de tempo: o tempo cosmológico, medido em vários bilhões de anos, o tempo geológico calculado em alguns bilhões, milhões e milhares de anos; o tempo da humanidade calculado em alguns milhares de anos, o tempo do homem, calculado em algumas décadas, o tempo do mandado, calculado em alguns meses e o tempo da sobrevivência. Desses é preciso aproveitar muito bem os dois últimos.

O tempo do mandato, tem que ser muito bem utilizado, para que nos poucos meses possam ser concretizadas as bases para o presente e alicerçadas obras para um porvir lotado de esperanças.

O tempo da sobrevivência, é aquele tipo de tempo que se situa no fio da navalha e por isto, está bem no limite entre a vida e a morte, entre as perspectivas ou as desilusões, entre a alienação total ou a busca da felicidade. Para este tempo os remédios devem ser emergenciais, porque o tempo da sobrevivência não tem tempo de esperar.



Atualmente, torna-se impossível compreender fenômenos científicos, sociais e comportamentais, tomando como princípio os paradigmas que fundamentaram o pensamento cientifico dos séculos XVIII, XIX, XX e até os do século XXI. Isto porque estamos presenciando a maior revolução da história da humanidade, onde o espaço entre um evento revolucionário e outro diminui com o tempo. O que se presencia atualmente, não é somente uma revolução política, social ou econômica, mas uma revolução global – a revolução do próprio Homem.

Marshall MacLuhan foi talvez o primeiro pensador a perceber este fenômeno, exposto de forma clara em sua obra, A Galáxia de Gutemberg.

Após três mil anos de explosão e crescente especialização e alienação nas extensões dos nossos corpos, por uma dramática reviravolta, nosso mundo está se comprimindo. Enquanto eletricamente contraído o globo não é mais que uma aldeia...” (MacLuhan)

Enquanto MacLuhan centra o fenômeno da globalização (aldeia global), nas inovações tecnológicas, Milton Santos, geógrafo brasileiro e mestre pensador, acrescenta também como ingrediente da globalização o Território. Para Santos, o Território é a matriz da vida social, econômica e política de um povo. Num primeiro momento a globalização se caracteriza pela ocupação do Território, num outro momento o fenômeno é caracterizado pela fragmentação deste, fato que aliado às mudanças tecnológicas do mundo moderno, cria nas sociedades atuais sensações de mal-estar e inutilidades.

Atualmente estamos, todos nós, presenciando um fenômeno que começa quase que de forma invisível e às vezes até ingênua, mas que afeta de forma cruel, grande parte da sociedade e deixa de mãos atadas os planejadores. Isto acontece por conveniência ou incapacidade. Este fenômeno a que me refiro é denominado de desterritorialização

A desterritorialização traz para a realidade atual a categoria dos Sem-Terra, Sem-Teto, Sem-Emprego, Sem-Documentos, etc. Esse fenômeno acentua ainda mais a sensação e a condição de alienação de vários segmentos sociais. Expulsos de suas terras pelos poderosos, através da compra e falsificação de títulos, os posseiros, em cujas posses não legalizadas viviam durante várias gerações, vão buscar abrigo nos centros urbanos ou nos postos de serviços implantados ao longo dos sistemas viários, que experimentam um repentino crescimento. Nestes locais, os sem-terra se transformam também nos sem-teto.

Nos centros urbanos, esta categoria social vai ocupar as periferias, as planícies de inundação dos rios, as encostas dos morros etc. Implodindo qualquer boa intenção de um Plano Diretor Urbano.  Nestes locais, as famílias vão estruturando suas vidas e seus espaços, caracterizados pela desorganização social e ambiental. E assim, vão tocando seu viver, até que um belo dia, um dos ciclos naturais provoca, por exemplo, excesso de chuvas. Quando estas se precipitam nos morros, o solo é saturado e a água acumulada no lençol freático, pode se armazenar numa rocha não porosa do substrato, formando um aquiclude que escorre com grande energia, levando tudo que se encontra à sua frente. Quando o aumento da pluviosidade enche os rios, estes transbordam e cobram de volta suas planícies de inundação, que por sua vez estão ocupadas por barracos ou vias expressas marginais. As consequências são destruição, mortes, doenças e a origem de uma situação social ainda mais perversa.

As comunidades desestruturadas não encontram nos pólos urbanos empregos estáveis, que sejam capazes de lhes permitir uma melhor perspectiva de futuro.

Perdidos e carentes, qual cuitelinho sem néctar, num ambiente estranho, são presas fáceis das propagandas enganosas, estimuladoras do consumismo. Também se tornam reféns de uma indústria fonográfica que lhes impõe músicas que cantam e acentuam a situação de depressão e alienação. Impossibilitados economicamente de poderem usufruir dos bens divulgados, pelas pomposas propagandas, muitos vêem a razão da existência perder a própria racionalidade e mergulham na neurose da fuga através dos alucinógenos ou procuram ter, por meio de métodos que a sociedade organizada classifica de atos ilícitos.




A desagregação da família, a prostituição infantil e a perda do amor pela vida, são apenas algumas das consequências ditadas pelo desespero. Esta situação exige medidas de Segurança Pública, que se tornam ineficazes, porque funcionam como um esparadrapo que cobre parte de uma ferida, cuja causa é mais profunda. O ambiente desorganizado, no qual grande parte da sociedade atual tenta sobreviver é capaz de criar mentes desorganizadas, ou comodismo e ociosidade, fatos que acentuam a falta de idealismo, raiz de muitos males, inclusive o mal que está levando a falência da civilização ocidental.

Quando a humanidade percebeu que seus modelos de se relacionar com os outros elementos que compõem o Meio Ambiente poderiam abreviar sua passagem como espécie, pelo planeta Terra, ficou em posição de alerta.

Organizou uma conferência mundial para discutir o assunto. Isto aconteceu em Estocolmo 1972. Vinte anos depois, foi realizada uma outra conferência sobre o mesmo tema, denominada Rio 92. Entre uma conferência e outra, houve eventos menores visando protocolar ações concretas. Neste momento estamos sob as abas da  Rio + 20.

Estas conferências, reuniões, discussões e protocolos, trouxeram vários conhecimentos. Entre estes, figura o que possibilitou a humanidade perceber que não passa de uma espécie a mais no Reino Animal, cujo êxito de sobrevivência na Terra, depende da interação harmoniosa dos diversos componentes do Meio Ambiente: atmosfera, hidrosfera, litosfera, biosfera, ventos, regimes climáticos, relevos, ruídos, fogos, energias etc. Entretanto, se por um lado veio o conhecimento, por outro faltou a conscientização. Esta, exige mudanças radicais de atitudes e postura. Isto não aconteceu.

O que se pretende enfatizar é a ideia de que somente o conhecimento do problema, não é suficiente para sua solução. Para que isto aconteça torna-se necessária a tomada de atitudes concretas. Os caminhos para a busca da solução são vários e podem ser mais eficientes se forem interconectados. Estes caminhos, por um lado exigem um novo padrão de educação, o que pressupõe incentivo à criatividade, à pesquisa e à busca de uma nova metodologia pedagógica. Por outro lado, exigem políticas públicas fundamentadas no conhecimento e que levem em consideração as vocações regionais. Faz-se necessário que se combata a miséria e faça o resgate da dignidade humana. É possível que algumas soluções possam exigir também mudanças, as vezes radicais, na orientação política e econômica.

Se mensurarmos globalmente ou regionalmente, as situações ambientais, que não podem ser separadas das questões sociais e econômicas, desde o momento em que se realizou a primeira conferência em Estocolmo, até os dias atuais, constataremos que a qualidade de vida piorou, em função da predação ambiental e da predação social e econômica. Neste período a retirada da vegetação nativa aumentou de maneira assustadora, os cursos dos rios foram alterados, montanhas aplainadas pela atividade mineradora, os aquíferos diminuíram seus reservatórios de água, a violência urbana, tal como fogo em palheiro, tomou proporções antes inconcebíveis, o tráfico de pessoas tronou-se atividade rotineira, as diversas formas de neuroses aumentaram e assim por diante.

No meu modesto modo de ver o mundo, atribuo grande parte desses fatores a falta de criatividade e idealismo que caracteriza a juventude brasileira e quem sabe até a juventude ocidental como um todo. A criatividade é a matriz da competência. Sem criatividade não há idealismo. E, a falta de idealismo reflete a falência da sociedade, e obriga os que buscam a consciência e consequentemente a liberdade e a felicidade, a entrarem por caminhos ideológicos, às vezes nunca imaginados.

Na base de todas estas questões, se encontra a educação. Neste sentido, as escolas, tanto as fundamentais, como as médias e as superiores, que por algum tempo eram tidas como continuadoras da família, há muito deixaram de exercer esta função, mergulharam num pântano de lodo mal cheiroso e movediço, que suga a criatividade.  

Os professores não conseguem a motivação necessária para transmitir o conteúdo. Isto acontece, porque o conteúdo não traz novidade e não é mais motivador. Grande parte dos alunos já conhece, por outros meios, aquilo que lhes é transmitido. A aula dentro da sala, perde o interesse e o sentido. A escola que outrora se constituía num ponto de encontro para se fazer amizades, trocar ideias e aprender novidades, não é mais nada disso. Hoje, as redes sociais desempenham este papel.

Grande parte das escolas básicas e fundamentais carece de pátios ideais para brincadeiras, não tem bibliotecas, muito menos equipamentos para dinamizar uma aula. E, nem sequer de longe, pode-se mencionar que não possuem laboratórios. Isto é muito luxo, para quem acha que o ensino não necessita de experiências.

Os professores se sentem desmotivados não só pela remuneração. Aliás, para quem nunca ministrou uma aula, pode-se afirmar que não há, na terra, tarefa mais exigente, responsável e cansativa. Porém, também sentem-se desmotivados, porque não são mais respeitados pelos alunos. As associações sindicais de pais de alunos, apoiados pelos meios de comunicação sensacionalistas, são capazes de levar um professor à “Justiça” se este, no intuito de impor a disciplina, alterar um pouco a sua voz na sala de aula.

Aliás, por falar em disciplina, as escolas hoje em dia são vigiadas por policiais, porque viraram pontos de compra, venda e consumo de alucinógenos. A falta de perspectivas faz o aluno buscar esses caminhos.

Sabemos que não se trata de uma tarefa fácil, a influência do efêmero, funciona como uma venda nos olhos que impede vislumbrar as atitudes duradouras e possivelmente eternas, que possam ser tomadas a favor da educação, cuja eficácia é a base de toda sociedade sólida, com valores que perpassam muito tempo   e se adaptam com o próprio tempo. Esta palavra foi repetida, para que não esqueçamos do tempo.

Comecei esta crônica com uma fabula avícola. Termino-a não com uma fábula mas com a história real e comovente de uma outra ave, o Dodô, para que dessa história saibamos garimpar sabedorias e de mãos dadas com esta sabedoria, possamos caminhar em direção ao arco-íris.

Contam que o saudoso Douglas Adams, comoveu-se com o triste caso do Dodô. Por causa disso, em um dos episódios da série Doctor Who que ele escreveu para o rádio nos anos 1970, a sala do idoso Professor Chronotis, em Cambridge, fazia às vezes de máquina do tempo, que ele a usava para um único propósito, seu vício secreto: as visitas repetidas à Ilha Maurício onde ele vai chorar pelo Dodô. Por causa de uma greve na BBC, esse episódio nunca foi transmitido, e mais tarde Douglas Adams reciclou o persistente motivo do Dodô em outra novela denominada Agencia de detetives holística.
Numa certa ocasião o conto do Dodô caiu nas mãos de um bem quisto professor universitário brasileiro, dito pelos colegas de ambientalista. Ao lê-lo, o professor comovido de tanta emoção não suportou suas lágrimas, seus olhos marejaram e êle com vergonha dos alunos escondeu num canto do corredor. Foi quando alguns alunos se aproximaram e perguntaram:
- Porque choras professor?
E assim rodeado de alguns alunos, com ar professoral de sempre e com sabedoria, o professor respondeu:
- Choro pela triste história do Dodô!
Percebendo que seus alunos não entenderam começou a explicar:

- Dodô era uma ave indefesa que habitava as Ilhas Maurício, localizada no oceano Indico, descoberta por marinheiros portugueses e holandeses. Após uma série de atrocidades cometidas por estes, esta foi completamente extinta.

Os ancestrais do Dodô chegaram até o local, hoje denominado Ilhas Maurícias ou Mauricio, ainda aladas, com o passar dos tempos, a seleção natural que está sempre mexendo nas espécies, diminuindo, expandindo, ajustando, pondo e tirando, otimizando o êxito reprodutivo imediato, contribuiu para que os dodôs perdessem as asas, pois não precisavam mais delas, especialmente porque não encontraram predadores na ilha e assim, por milhares de anos viveram e construíram suas colônias.


Quando os navegantes portugueses chegaram a Mauricio em 1507, os abundantes dodôs grandes aves que chegavam a pesar até 15 quilos, eram completamente mansos e se aproximavam daquelas novas figuras, sem receio ou desconfiança, já que por milhares de anos não haviam confrontado com predadores. Os infelizes dodôs foram mortos a pauladas pelos portugueses e mais tarde pelos holandeses. Muitos foram mortos por esporte. A extinção veio a galope. Como é comum, ela ocorreu por uma combinação de fatores. Os humanos introduziram na ilha cães, porcos, ratos e refugiados religiosos. Os cães os caçavam de forma esbaforida, os porcos e ratos comiam seus ovos, os humanos plantavam cana-de-açúcar e destruíram os seus habitats.

Chorar pelo Dodô, me remete a todas estas situações e outras mais, por isto, choro também por aqueles que o modelo fez com que perdessem seus territórios, choro pelos sem teto, choro pelos que foram enganados, choro por aqueles que o sistema fez perder o amor pela vida, choro pelos que tem fome.

Mas gostaria de lhes falar também, que por detrás de todo este chorar, que se manifesta de forma explícita, esconde um choro ainda mais dolorido, que procuro esconder, para que ninguém possa ver meus olhos marejados. Êste choro é pelos elementos fundamentais que a educação perdeu, principalmente a dignidade, o respeito, o entusiasmo e o orgulho de ser professor. Para mim êle é o sinônimo da própria vergonha, por isso procuro chorar escondido e bem baixinho. Sinto vergonha da incapacidade de não poder ter evitado os tenebrosos caminhos que conduziram a educação para a situação em que se encontra.

E por último, dirigindo-se aos alunos ainda falou:

- A compreensão da realidade atual cibernética, a inércia na tomada de atitudes radicais, a falta de conscientização, a abdicação do papel fundamental da educação na formação de cidadãos conscientes, e o abandono da busca da felicidade e liberdade, são situações que somente poderão ser explicadas, ou talvez compreendidas, através da mudança radical dos padrões de como vimos o mundo, e como o vemos atualmente. Para isto, a busca de novos paradigmas se torna imprescindível. Os que existem são incapazes de fornecer as respostas necessárias para acharmos o caminho do êxito e do equilíbrio.





Moral: Se falharmos nesta missão, é possível que tenhamos o mesmo destino dos saudosos dodôs, mas certamente não sobrará ninguém para chorar por nós. 






MITO DO MILHO



Altair Sales Barbosa

Segundo um narrativa Pareci, índios que falam Língua Pareci do tronco Aruak e habitam as chapadas dos Parecis no estado de Mato Grosso, há muito tempo um velho muito sábio pressentindo o final de sua vida, chamou seu filho mais novo e pediu-lhe que quando falecesse fosse enterrado no meio da roça. Disse ainda ao filho que três dias depois, brotaria em cima de sua cova uma planta de folhas longas que iria crescer e em seguida produziria algumas sementes protegidas por uma espécie de túnica.


Pediu ao filho que colhesse essas sementes quando maduras, mas que não as comesse, deveria plantar e toda a aldeia ganharia um presente precioso.
Assim se fez e apareceu o milho.

Comentários:
Este mito foi coletado por Altair Sales Barbosa em 1972, entre os índios Pareci.
O mesmo mito aparece com variações em diversos povos indígenas do Brasil.
Ver por exemplo Brandenburger, Clemente – “Lendas dos nossos índios” – Rio de Janeiro 1931. Esse autor constatou variações desse mito entre diversos indígenas, dentre os quais os índios de língua Tupi, que narram a origem do “avati”.


É sabido que esse cereal classificado botanicamente como Zea mays, tem sua origem associada a grupos indígenas e certas áreas endêmicas do México.  Locais onde aconteceu sua domesticação por volta de 7.000 anos A.C. A origem de tais mitos entre povos indígenas do Brasil pode ser devida ao fato da larga utilização desse vegetal como alimento e da importância que lhes atribuía a população indígena brasileira.


domingo, 13 de novembro de 2016

SERRANÓPOLIS


Um Símbolo de Patrimônio da Humanidade

Altair Sales Barbosa

A região de arqueologia de Serranópolis, situada no sudoeste de Goiás, pela natureza e característica dos sítios arqueológicos aí encontrados, desempenha importante papel na compreensão da arqueologia do Brasil e da América do Sul. 

Os sítios localizados, principalmente nos arredores da cidade de Serranópolis, tem oferecido uma sequência de ocupações que vem de aproximadamente 13.000 anos Antes do Presente até o início do século XX, em circunstancias muito especiais, principalmente no que se refere à conservação e disposição estratigráfica do material, permitindo uma visão clara das mudanças culturais e fornecendo dados importantes sobre mudanças ambientais ocorridas durante o período.

No atual estágio do conhecimento, torna-se impossível qualquer tentativa de compreensão da pré-história das áreas interioranas centrais da América do Sul, sem ter como referência a Arqueologia da região de Serranópolis.

Os estudos na área tiveram início em 1975, integrando as atividades de um projeto maior, denominado Projeto Paranaíba, coordenado pelos professores Pe. Pedro Ignácio Schmitz S.J. e Altair Sales Barbosa, com apoio do CNPq e IPHAN. Desde esta época o projeto conseguiu reunir dezenas de datações de C-14, realizadas pela Smithsonian Institution de Washington DC, por intermédio da Dra. Betty Meggers (em memoria).

O Projeto Paranaíba abrange quase a totalidade da vertente goiana do Paranaíba, área que geologicamente se enquadra na bacia sedimentar do Paraná, com todas as peculiaridade do contato entre o arenito Botucatu e o derramamento basáltico da formação Serra Geral, fato que permitiu a silicificação de parte do arenito, formando abrigos e propiciando matéria prima de excelente qualidade para confecção de instrumentos pelos seres humanos que habitaram a área.

A vegetação de cerrado se nos apresenta com todos seus matizes, variando de um gradiente totalmente aberto (campos), até ambientes ombrófilos (matas), onde existem manchas de solo de boa fertilidade natural.

Por isso, não é nenhum exagero afirmar que a região arqueológica de Serranópolis, em especial, as grutas do Diogo, Manoel Braga e Jair e Altair Canjerana, podem ser consideradas “Patrimônios da Humanidade”, e, sem sombra de dúvida, se encontra entre os maiores, talvez o maior Patrimônio Arqueológico do Brasil, não pela ostentação das pinturas rupestres, que aliás são muitas e variadas, mas principalmente pelas camadas estratigráficas formadas nos abrigos, onde cada fina camada de terra, funciona como se fosse página de um gigantesco livro, que conta em minucias a história dos primórdios da ocupação humana do centro estratégico da América do Sul.

Essas informações minuciosas vem desde 13.000 anos Antes do Presente, até o início do século 20, quando se iniciou de forma efetiva a implantação de grandes fazendas na região.  Em nenhum outro local do Brasil, essa situação é encontrada.

Cada pequena porção de sedimento removido revela a tecnologia utilizada por esses povos, seus hábitos alimentares, sua organização social e espacial, seus ritos de sepultamento, dados sobre demografia, a evolução ou adaptação ecológica através de milhares de anos, as inovações e, possivelmente empréstimos e troca de saberes com outros povos.

Além de restos de vegetais nativos consumidos associados a conjuntos tecnológicos de pedra lascada, podem ser encontrados, também de forma abundante, restos de animais consumidos por essas populações.

Nos períodos mais antigos esse tipo de material, se mostra associado com material lascado sem formas definidas, caracterizado por lascas, com gumes desgastados, sinalizando a intensa utilização destas. Aparece também de forma bem definida, variados instrumentos, destacando entre estes as “lesmas”, termo utilizado pela arqueologia brasileira, para caracterizar o mais singular conjunto de instrumentos do início da ocupação pré-histórica do centro da América do Sul. Apesar de serem conhecidas noutras áreas do continente, a elaboração desses instrumentos em Serranópolis, atingiu seu nível de perfeição. E as “lesmas” elaboradas aí, servem de guia taxonômico para outras localidades.

As mudanças ambientais são reveladas de forma clara pela estratigrafia dos abrigos, indicando períodos com oscilações de umidade e temperatura, desde 13.000 anos até os tempos atuais. Fato que nos obriga refletir sobre as situações ambientais atuais, com seus períodos de farta umidade e períodos longos de estiagem. Lança uma luz fundamental sobre as atuações e alcance dos fenômenos El Niño e La Niña, além de nos alertar sobre os reflexos no Hemisfério Sul da Glaciação Pleistocênica do Hemisfério Norte. Tudo isto é possível ler nas páginas deste gigantesco livro formado no interior dos abrigos de Serranópolis. Entretanto, todos esses dados não passam de uma pequena parcela de um conjunto de informações aí obtido.

É um laboratório antropológico e geográfico singular, pois permite de forma clara perceber as inúmeras adaptações humanas ao longo das mudanças ambientais, bem como as mudanças de organização do espaço, ocorridas ao longo de muito tempo.  E com isto, estabelecer precisos calendários de caça e coleta.

A medida que as escavações nos conduzem para épocas mais recentes, fica patente a grande capacidade do homem que ali habitou, em relacionar com outros povos, aprender e ensinar com estes. Da mesma forma que fica patente a capacidade inovadora daquelas populações ali residentes, ancestrais de alguns grupos indígenas que provavelmente ainda sobrevivem até os dias atuais.

De aproximadamente 4.000 anos, em direção aos tempos atuais, é impressionante a quantidade de vegetais exógenos, alguns já domesticados, encontrada nas camadas: amendoins, algodão, favos e grãos de feijão, um tipo de cereal primitivo semelhante ao arroz, cucurbitáceas, e espigas de milho primitivo, algumas ainda com palhas e grãos.

Esta preservação só é possível, em função de um microclima especial que se forma no interior desses abrigos.

Para ilustrar tal fato, relato a descoberta de uma faca trabalhada em pedra lascada, com marcas de sangue e envolta numa espécie de bainha feita de folhas e amarrada com corda trançada da embira de tucum, datada de 8.000 anos e toda preservada. 
Também de forma muito clara é possível ler nestes sedimentos a invenção e introdução da cerâmica, no cotidiano desses povos. Nós arqueólogos definimos no mínimo duas grandes tradições ceramistas para a região. Da mesma forma e, não menos surpreendente essas camadas de sedimentos revelam o início da utilização em larga escala dos instrumentos de pedra polida alguns fabricados no próprio local, outros, pela grande variedade foram introduzidos através de intercâmbios. 

Todo esse conjunto de material é encontrado nas camadas de sedimentos formadas no interior dos abrigos.

Nos paredões desses abrigos floresce um conjunto de variados estilos de pinturas rupestres, com formas de animais, formas geométricas, formas humanas, vegetais etc. Em muitos locais, podem ser observadas superposições dessas pinturas, o que indica que foram elaboradas em épocas diferentes. Quando se observa estas pinturas a olho nu, o observador não tem condição de perceber a sua grande variação, porque só se percebe as pinturas mais recentes e mais bem preservadas. Todavia, quando se aplica a técnica infravermelha, quer seja para observação, quer seja para registro, pode-se constatar a grande variação que caracteriza esses painéis com pinturas.

Por estas e outras razões é que se afirma que a região arqueológica de Serranópolis está entre os maiores patrimônios arqueológicos do mundo. E, sem nenhuma dúvida pode ser considerada o mais importante capítulo para entender a ocupação indígena do Brasil.