sábado, 8 de novembro de 2008

Cerrado - Biodiversidade e Pluralidade

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Os estudos sobre o Cerrado, enfatizando alguns dos seus aspectos abióticos e bióticos, sugerem que este domínio deve ser entendido como um Sistema Biogeográfico, composto por diversos subsistemas intimamente interatuantes. Os aspectos evolutivos dentro da paisagem geral da flora brasileira, desperta a necessidade de se repensar os modelos de planejamento ambiental e organização do espaço utilizados até então.

A área do cerrado cobre 2.000.000 Km2, situada nos chapadões centrais do Brasil e basicamente representando o ponto de equilíbrio entre os diversos "domínios" ou sistemas biogeográficos brasileiros, uma vez conecta com a maior parte deles, através de corredores hidrográficos, utilizados também como corredores de migração faunística.


O Cerrado como Sistema Biogeográfico


A região dos cerrados se enquadra em quase sua totalidade, dentro da Província Zoogeográfica Cariri-Bororo de Melo-Leitão ou no Distrito Zoogeográfico Tropical, definido por Cabrera e Yepes. Fitogeograficamente porém, é tratada de forma particular, constituindo uma província própria: Província do Cerrado, definida por Cabrera e Willink. Da mesma forma, Rizzini em sua Divisão Fitogeográfica do Brasil, dispensa o mesmo tratamento particularizado, incluindo-a na Sub-Província do Planalto Central, embora seus limites não coincidam com os limites da Província de Cabrera e Willink.

A região dos cerrados, não pode ser entendida como uma unidade zoogeográfica particularizada porque não apresenta esta característica, tampouco pode ser considerada uma unidade fitogeográfica, porque não se trata de uma área uniforme em termos de paisagem vegetal. O mais correto é correlacionar os diversos fatores que compõem a sua biocenose e defini-la como um Sistema Biogeográfico.

Um sistema porque abrange áreas planálticas - o Planalto Central Brasileiro- com altitude média de 650m, clima tropical subúmido de duas estações, solos variados e um quadro florístico e faunístico extremamente diversificados e interdependentes. A fauna variada que transita noutros domínios morfoclimáticos e fitogeográficos, como por exemplo a caatinga, tem sua maior concentração registrada nesta região ou neste Sistema Biogeográfico, em virtude das possibilidades alimentares que oferece, durante todo ciclo anual.

Há um estratogramíneo, que sustenta uma fauna de herbívoros durante boa parte do ano enquanto não está seco. A sequia acontece no exato momento em que aparecem as flores, que em grande parte, durante uma determinada época, substituem como alimento as pastagens. O final das floradas coincide com o início da estação chuvosa, fazendo rebrotar os pastos secos e ainda brindando com a maturação de várias espécies frutíferas. Acompanhando os herbívoros e atrás também de recursos vegetais, animais de outros hábitos formam, uma complexa cadeia.

Em termos vegetais, este Sistema é complexo e nunca pode ser entendido como uma unidade, há o predomínio do cerrado (strictu sensu) como paisagem vegetal, mas há também seus variados matizes, como campo, cerradão, além de formações floresta das como matas, matas ciliares e ainda são comuns as veredas e ambientes alagadiços.

As áreas florestadas são constituídas pelas matas ciliares que ocorrem nas cabeceiras dos pequenos córregos e rios e nas margens destes, como também se espalham em áreas mais extensas acompanhando as manchas de solo de boa fertilidade natural, por exemplo as matas do rio Claro e outras vertentes do Paranaiba e o chamado "Mato Grosso de Goiás" .As veredas e ambientes alagadiços são mais abundantes, a partir do centro do sistema nuclear, (sudoeste de Goiás) em direção a norte e a leste. Para o sul à medida que se aproxima do Pantanal Matogrossense, as veredas tendem a desaparecer ficando apenas os ambientes alagadiços com contornos diferenciados.

Nesta perspectiva, o Sistema Biogeográfico dos Cerrados, pode ser subdividido em subsistemas específicos, caracterizados pela fisionomia e composição vegetal e animal, além de outros fatores, apresentando a seguinte organização: Subsistema dos Campos; Subsistema do Cerrado; Subsistema do Cerradão; Subsistema das Matas; Subsistema das Matas Ciliares e Subsistemas das Veredas e Ambientes Alagadiços.
Essa diversidade de ambiente, é um fator muito importante para a diversificação faunística, permitindo a ocorrência de animais adaptados a ambientes secos, como também adaptados a ambientes úmidos. Da mesma forma, propicia tanto a ocorrência de formas adaptadas a áreas ensolaradas e abertas, como favorece a ocorrência de formas umbrófilas. Esses fatores atribuem ao Sistema Biogeográfico dos Cerrados, caráter singular, distinguindo-o pela diversidade de formas vegetais e animais.

Estudos de paleoecologia demonstram que os limites modernos do Sistema Biogeográfico dos Cerrados, não coincidem com os limites que o mesmo deveria os tentar durante o Pleistoceno Superior e Holoceno inicial. Estes extrapolavam em muito os limites da área "core" que hoje ocupa os chapadões centrais do Brasil, prolongando-se na forma de "línguas" e enclaves por grande parte da Amazônia Sulamericana, alcançando áreas localizadas até mesmo ao norte do rio Amazonas.

Os mesmos estudos demonstram que a par das regressões que este Sistema sofreu em direção ao centro do Brasil, simultaneamente com a expansão da floresta úmida, foi apesar disto, o sistema Sulamericano menos afetado pelas oscilações climáticas, do Pleistoceno Superior. Da mesma forma, com respeito às modificações na biomassa animal, foi um dos sistemas sulamericanos menos afetado. O que vale dizer, que a fauna que o caracteriza modernamente, representa, quando comparada com outros domínios continentais, quase que 50% da biomassa animal que o caracterizava durante o Pleistoceno Superior e fases iniciais do Holoceno. Esse fato, apesar das proporções, é significativo quando comparado com a extinção animal que afetou outras regiões do continente, durante o Pleistoceno Superior e fases do Holoceno, que em alguns casos atinge a proporção de 98%.


Os subsistemas do Sistema Biogeográfico dos Cerrados
Como foi mencionado, o Sistema Biogeográfico dos Cerrados, não pode ser tomado como uma unidade homogênea, pois ostenta no do seu domínio, uma série de biomas, ambientes diversificados entre si, pelo caráter fisionômico e pela composição vegetal e animal. Estes ambientes constituem os seus subsistemas. Sua compreensão é de fundamental importância para entender o sistema como um todo e o caráter da biodiversidade que ostenta.

Este Sistema Biogeográfico, se compõe de seis subsistemas inter atuantes, assim denominados:

Subsistema dos Campos
Ocupa as partes mais elevadas do Sistema, de morfologias planas, denominadas regionalmente chapadões ou campinas. Há forte ventilação durante quase todo o ano e a temperatura em geral é mais baixa que nos demais subsistemas. A rede de drenagem é insignificante. `As vezes aparecem pequenas lagoas, algumas perenes. A vegetação é arbustiva esparsa e há uma composição graminácea intensamente distribuída pela área. Durante o Pleistoceno Superior, possivelmente esse Subsistema deveria abranger espaços geográficos maiores. Sua presença atual pode ser explicada por fatores estruturais desolo, como também associada a micro climas especiais, ainda não totalmente refeitos da agressão climática do Pleistoceno Superior.



Subsistema do Cerrado (Stricto Sensu)
Este Subsistema constitui a paisagem dominante do Sistema. Ostenta um estrato gramíneo, mas diferencia do campo pela ocorrência de árvores de pequeno porte e aspecto tortuoso, explicada pela teoria do escleromorfismo oligotrófico. A rede de drenagem é boa e os solos são de baixa fertilidade natural, mas não são uniformes. Há formações de cerrado que ocorrem em latossolos avermelhados como também em solos arenosos, exemplo: sudoeste de Goiás e oeste da Bahia, respectivamente.




Entre o Subsistema dos Campos e o Subsistema do Cerrado, há uma paisagem intermediária, designada popularmente por Campo Sujo. Não se considera esta paisagem como um subsistema à parte, porque sua abrangência geográfica é pequena e ecologicamente, mostra as mesmas características dos dois Subsistemas, tendendo o ramais, ora menos para um ou para outro.


Subsistema do Cerradão
Este Subsistema, fisionomicamente é mais vigoros o que o Subsistema do Cerrado. As árvores atingem de 10 a 15 metros de altura e os solos demonstram maior fertilidade natural. Não há um estrato gramíneo forte como no cerrado e as árvores são mais encopadas. A rede de drenagem é bastante significativa. Antigamente alguns botânicos classificavam esta paisagem como flores taxeromorfa, hoje essa denominação foi abandonada.





Subsistema das Matas

Ocorre em manchas de solo de boa fertilidade natural. Às vezes adquire a configuração de ilha sem meio a uma paisagem dominante de cerrado, conhecida pelo nome de capõese às vezes formam áreas extensas, compactas e homogêneas, como é o exemplo clássico do Mato Grosso de Goiás.


Subsistema das Matas Ciliares
Ocorre nas cabeceiras dos pequenos córregos e rios e acompanha estes pelas suas margens em estreitas faixas. Essas faixas são muito variáveis quanto à configuração. Há locais onde se alargam na forma de bosque e há outros locais, onde praticamente desaparecem, como é o caso de algumas áreas do médio Tocantins.









Subsistema das Veredas e Ambientes Alagadiços

As cabeceiras de alguns córregos e rios são às vezes caracterizados por ambientes alagadiços, de correntes do afloramento do lençol de água, ou ainda em virtude de características impermeabilizantes do solo. Nestes locais são muito freqüentes as veredas que são paisagens onde predominam os coqueiros buriti e buritirana que às vezes se distribuem acompanhando os cursos d'água, até a parte média de alguns rios, formando uma paisagem muito bonita, conhecida pelo nome de veredas. Há um estrato inferior de gramíneas que se apresenta verde durante todo ano. Em alguns locais, o afloramento do lençol chega a formar verdadeiras lagoas, rodeadas por buritis (Mauritia vinífera).

Esta paisagem é mais freqüente do centro do Sistema em direção norte e leste. Quando se aproxima do Pantanal Matogrossense, sudoeste do sistema, as veredas tendem a desaparecer, ao passo que as áreas alagadas aumentam.

O Sistema Biogeográfico dos Cerrados, é limitado por uma série de complexas formas vegetacionais intermediárias que adquirem contornos específicos em direção à caatinga e outras configurações em direção à floresta amazônica úmida.

No aspecto fisionômico e em muitos pontos da composição faunística e florística como de ocupação humana, as áreas com savanas da América do Sul, que aparecem nas Guianas, Venezuela e Colômbia, muito se assemelham ao Sistema do Cerrado e, senão fosse o caráter da descontinuidade, poderiam perfeitamente estar incluídas como um subsistema do mesmo Sistema.