sábado, 25 de fevereiro de 2017

O CERRADO


E a Campanha da Fraternidade de 2017

Altair Sales Barbosa
 Apresentação

Em 2015, o Papa Francisco I, brinda a humanidade em geral e a comunidade cristã em particular, com um documento denominado Encíclica “Laudato si” que significa em português “Louvado sejas”.

Esse documento permitiu a que muitos segmentos da humanidade aproveitassem a oportunidade para reforçarem um debate, já antigo, acerca do Meio-Ambiente. Aproveitando a mesma corrente, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em 2017, institui a campanha da fraternidade com o tema: “Biomas Brasileiros e Defesa da Vida”, visando mais uma vez estimular no território brasileiro o debate acerca dos problemas que afetam de forma holística suas grandes matrizes ambientais.
Neste sentido este documento procura agregar alguns elementos para fomentar tais debates, entre os diversos segmentos da sociedade brasileira.

 Resumo

Os estudos sobre o Cerrado, enfatizando alguns dos seus aspectos abióticos e bióticos, sugerem que este ambiente deva ser entendido como um Sistema Biogeográfico, composto por diversos subsistemas intimamente interatuantes. Os aspectos evolutivos dentro da paisagem geral da flora brasileira desperta a necessidade de se repensar os modelos de planejamento ambiental e organização do espaço utilizados até então. Até 1950, a área com vegetação de cerrado cobria 2.000.000 Km2, situada nos chapadões centrais do Brasil, representando o ponto de equilíbrio entre os diversos "domínios", biomas ou sistemas biogeográficos brasileiros, uma vez que conecta com a maior parte deles, por meio de corredores hidrográficos, utilizados também como corredores de migração faunística.

Introdução

Fisiograficamente o Brasil possui sete grandes matrizes ambientais, essas matrizes foram denominadas por Ab’Saber em 1977 como Domínios Morfo-climáticos e Fitogeográficos. Outros estudos as denominam Biomas, embora o conceito de bioma não seja muito apropriado, pois tende a enfatizar ou realçar um clímax vegetacional, muitas vezes não corroborado pela história evolutiva do espaço em questão. A partir de 1992, Barbosa tem sugerido a utilização do conceito biogeográfico, classificando cada grande matriz ambiental como um sistema, que engloba diversos subsistemas, destacando ainda os micro ambientes específicos existentes em cada subsistema. Um sistema biográfico envolve um conjunto de fatores atmosféricos, hidrosféricos, litosféricos e biosféricos, incluindo nestes as populações humanas. E ainda, elementos da gravitação, relevos, regimes climáticos e efeitos solares. Esses fatores se nos apresenta intimamente interligados, cuja modificação em qualquer um, provoca modificação no sistema como um todo. As diferentes fáceis do sistema, se mostram como subsistemas interatuantes.

Sistema Biogeográfico Amazônico - situado ao norte e noroeste do país, abrange os baixos platôs tabuliformes, as grandes planícies, subsetores mamelonizados florestados e montanhas florestadas das encostas orientais andinas, até 600 metros de altitude. Constitui o grande domínio do Trópico Úmido, coberto pela floresta úmida equatorial amazônica.

Sistema Biogeográfico Roraimo-Guianense - situado como um enclave, dentro do Sistema Amazônico, na fronteira entre Roraima, Venezuela e Guianas. Constitui o domínio úmido tropical da Gran Sabana, coberto por vegetação campestre denominada Campos, do Rio Branco e Tumucumaque.

Sistema Biogeográfico das Caatingas - situado em áreas de depressões interplanálticas do nordeste brasileiro, com clima de caráter semiárido, drenagens intermitentes e sazonarias. Constitui o domínio do Trópico Semiárido, coberto pela vegetação da caatinga, conhecido regionalmente por sertões secos.

Sistema Biogeográfico Tropical Atlântico - situado na fachada atlântica tropical do Brasil, desde as costas do Rio Grande do Norte até o Trópico de Capricórnio. Em seu limite sul, prolonga-se pelo interior, em áreas do oeste paulista e norte do Estado do Paraná. Constitui o domínio Tropical da Mata Atlântica, de caráter úmido e superúmido.

Sistema Biogeográfico dos Planaltos Sul-Brasileiros - cobertos por um velho núcleo de araucárias, situado em áreas planálticas subtropicais atlânticas.

Sistema Biogeográfico das Pradarias Mistas Subtropicais - situado na metade sul do Rio Grande do Sul e grande parte do Uruguai. Constitui o domínio das Coxilhas, com campos e florestas-galerias subtropicais.

Sistema Biogeográfico do Cerrado - situado nos planaltos centrais do Brasil, onde imperaram climas tropicais de caráter subúmido, com duas estações - uma seca, outra chuvosa. Constitui o grande domínio do Trópico Subúmido, coberto por uma paisagem que constitui um mosaico de tipos fisionômicos que varia desde campos até áreas florestadas.

Estas sete matrizes ambientais formam, na maior parte dos casos, intrincados sistemas ecológicos interdependentes. O sistema do Cerrado, dos chapadões centrais do Brasil, pela posição geográfica, pelo caráter florístico, faunístico, geomorfológico e pela história evolutiva, constitui o ponto de equilíbrio desses variados ambientes, uma vez que se conecta, por intermédio de corredores hidrográficos, com esses e com outros ambientes continentais.

Os chapadões centrais do Brasil, cobertos pelo Sistema Biogeográfico do Cerrado, constituem a cumeeira do Brasil e também da América do Sul, pois distribuem significativa quantidade de água que alimenta as principais bacias hidrográficas do continente.

O Cerrado abrange os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. Inclui a parte sul e leste de Mato Grosso, oeste da Bahia, oeste e norte de Minas Gerais, sul e leste do Maranhão, grande parte do Piauí e prolonga-se, em forma de corredor, até Rondônia e, de forma disjunta, ocorre em certas áreas do nordeste brasileiro e em parte de São Paulo. Ecologicamente, relaciona-se às Savanas, e há quem afirme que o cerrado seja configuração regionalizada destas. Entretanto, este ambiente possui uma história evolutiva muito diferente das savanas africanas e australianas. No Brasil, o cerrado e os campos recebem denominações diferentes, de acordo com a região: Gerais, em Minas e Bahia; Tabuleiro, na Bahia e outras áreas do Nordeste; e ainda Campina, Costaneira e Carrasco, dependendo da região. Nenhuma dessas designações populares reflete sua totalidade ecológica, referindo-se apenas a uma modalidade fisionômica, às vezes, associada a uma ou outra configuração geomorfológica. Por estas razões, o paradigma puramente botânico não tem sido suficiente para demonstrar a totalidade e a importância ecológica do cerrado, já que destaca ou enfatiza apenas parcelas fragmentadas de sua composição. Quando isso acontece, o caráter da biodiversidade, elemento marcante da ecologia do cerrado, não recebe a importância merecida, nem sequer pode ser compreendida em seus aspectos fundamentais.

Modernamente, como já mencionado a utilização do paradigma Biogeográfico proposto por Barbosa em 1992, tem demonstrado ser um referencial de grande importância para que se possa entender o Cerrado, em sua globalidade. Compreendendo os diversos matizes, tanto abertos como umbrófilos, como subsistemas interatuantes e integrantes decisivos de um sistema maior, o conceito Biogeográfico tem ressaltado a importância que o cerrado exerce para o equilíbrio dos demais ambientes do continente, além de demonstrar que a principal característica da sua biocenose é a interdependência dos componentes aos diversos ecossistemas.

O cerrado exerce papel fundamental na vida das populações pré-históricas que iniciaram o povoamento das áreas interioranas do continente sul-americano. Na região do cerrado, essas populações desenvolveram importantes processos culturais que moldaram estilos de sociedades bem definidas, em que a economia de caça e coleta imprimiu modelos de organização espacial e social com características peculiares. Os processos culturais indígenas, que se seguiram a este modelo, trouxeram pouca modificação à fisionomia sociocultural e, embora ocorresse o advento da agricultura incipiente, exercida nas manchas de solo de boa fertilidade natural, existentes no cerrado, a caça e a coleta, em particular a vegetal, ainda constituíam fatores decisivos na economia dessas sociedades.

A partir do século XVIII, o panorama regional começou a sofrer sensíveis modificações, com o incremento da colonização que se embrenha pelo interior do País, em busca de ouro, pedras preciosas e índios escravos. Nesse contexto, e a partir dessa data, surgiram os primeiros aglomerados urbanos e a exploração mais intensa dos recursos minerais que começava a se incrementar, já provoca os primeiros sinais de degradação. Findo o ciclo da mineração, a região do cerrado permaneceu economicamente dedicada à criação extensiva de gado e à agricultura de subsistência.

Alguns desses modelos econômicos ainda subexistem em espaços localizados até os dias atuais, e outros modelos mais simples, baseados no extrativismo, são adotados por populações caboclas, habitantes atuais de espaços restritos.

O isolamento que a região manteve em relação às áreas mais populosas e economicamente dinâmicas do Brasil, até meados da década de 1960, fez com que este quadro permanecesse basicamente inalterado, fato que a implantação de Brasília alterou consideravelmente, desestruturando os sistemas sociais implantados e causando entropias de ordem biológica e geológica.

O potencial agrícola que o cerrado demonstra, associado ao fato de ser uma das últimas reservas da terra capaz de suportar, de modo imediato, a produção de grãos e a formação de pastagens ligado ao desenvolvimento das técnicas modernas de cultivo, tem atraído recentemente grandes investimentos e criado modificações significativas, do ponto de vista da infraestrutura de suporte. O fato da não-existência de uma política global para a agricultura tem provocado o êxodo rural e o crescimento desordenado dos núcleos urbanos. Todos esses fatores, em seu conjunto, têm provocado situações nocivas ao meio ambiente natural e social, com perspectivas preocupamos.

O Cerrado Como Sistema Biogeográfico

A região ocupada atualmente pelo cerrado se enquadra, em sua quase totalidade, no interior da Província Zoogeográfica Cariri/Bororo de Melo-Leitão ou no Distrito Zoogeográfico Tropical, definido por Cabrera e Yepes. Fitogeograficamente, porém, é tratada de forma particular, constituindo uma província própria; Província do Cerrado, definida por Cabrera e Willink. Da mesma forma, Rizzini, em sua Divisão Fitogeográfica do Brasil, dispensa o mesmo tratamento particularizado, incluindo-o na Subprovíncia do Planalto Central, embora seus limites não coincidam com os limites da Província de Cabrera e Willink.

A região do cerrado não pode ser entendida como uma unidade zoogeográfica particularizada, porque não apresenta esta característica, tampouco pode ser considerada uma unidade fitogeográfica, por não se tratar de uma área uniforme em termos de paisagem vegetal. O mais correto é correlacionar os diversos fatores que compõem sua biocenose e defini-la como um Sistema Biogeográfico. Um sistema que abrange áreas planálticas, o Planalto Central Brasileiro, com altitude média de 650 metros, clima tropical subúmido de duas estações, solos variados e um quadro florístico e faunístico extremamente diversificado e interdependente. A fauna variada do cerrado, que transita noutros ambientes, por exemplo, a caatinga, tem sua maior concentração registrada no Sistema Biogeográfico do Cerrado, em virtude das possibilidades alimentares durante todo ciclo anual.

Há um estrato gramíneo que sustenta uma fauna de herbívoros durante boa parte do ano, enquanto não está seco. Antes de aparecerem as flores, as queimadas naturais por um lapso de tempo provêm os animais com cálcio e sais minerais. Logo aparecem as flores que, durante uma determinada época, substituem como alimento as gramíneas. O final das floradas coincide com o início da estação chuvosa, que faz rebrotar os pastos secos e a maturação de várias espécies frutíferas. Acompanhando os herbívoros e atrás, também, de recursos vegetais, animais, com outros hábitos, formam uma complexa cadeia. Em termos vegetais, este sistema é complexo e nunca pode ser entendido como uma unidade, pois há o predomínio do cerrado stricto sensu como paisagem vegetal, mas há também seus variados matizes, como campo e cerradão, além de formações florestadas, como matas e matas ciliares e ainda são comuns as veredas e ambientes alagadiços.

As áreas florestadas são constituídas pelas matas ciliares que ocorrem nas cabeceiras dos pequenos córregos e rios, em suas margens, como também se espalham em áreas mais extensas acompanhando as manchas de solo de boa fertilidade natural. Por exemplo, as matas do rio Claro e outras vertentes do Paranaíba e o outrora chamado "Mato Grosso de Goiás". As veredas e ambientes alagadiços são mais abundantes, a partir do centro da área nuclear (sudoeste de Goiás), toma a direção norte e leste e sul e, à medida que se aproxima do Pantanal Matogrossense fica mais evidente os ambientes alagadiços com contornos diferenciados.

Nessa perspectiva, o Sistema Biogeográfico do Cerrado pode ser subdividido em subsistemas específicos, caracterizados pela fisionomia e composição vegetal e animal, além de outros fatores, que apresentam a seguinte organização: Subsistema dos Campos, Subsistema do Cerrado Stricto Sensu; Subsistema do Cerradão; Subsistema das Matas; Subsistema das Matas Ciliares; Subsistemas das Veredas e Ambientes Alagadiços.

Essa diversidade de ambiente é um fator muito importante para a diversificação faunística, permitindo a ocorrência de animais adaptados a ambientes secos e, também, a ambientes úmidos. Da mesma forma, propicia tanto a ocorrência de formas adaptadas a áreas ensolaradas e abertas, como favorece a ocorrência de formas umbrófilas. Esses fatores atribuem ao Sistema Biogeográfico do cerrado um caráter singular, distinguindo-o pela diversidade de formas vegetais e animais.

Estudos de paleoecologia demonstram que os limites modernos do Sistema Biogeográfico do Cerrado, não coincidem com os limites que deveria ostentar durante o Pleistoceno Superior e Holoceno Inicial. Estes extrapolavam em muito os limites da área core que hoje ocupa os chapadões centrais do Brasil, prolongando-se na forma de "línguas" e enclaves por grande parte da Amazônia Sul-americana, alcançando áreas localizadas até mesmo ao norte do rio Amazonas. Os mesmos estudos demonstram que, a par das regressões que este Sistema sofreu em direção ao centro do Brasil, simultaneamente, com a expansão da floresta úmida foi, apesar disto, o Sistema Sul-americano menos afetado pelas oscilações climáticas do Pleistoceno Superior. Da mesma forma, no que diz respeito às modificações na biomassa animal, foi um dos sistemas sul-americanos menos afetado. Vale dizer que a fauna que o caracteriza modernamente, representa, quando comparada com outros domínios continentais, quase 50% da biomassa animal que caracterizava durante o Pleistoceno Superior e fases iniciais do Holoceno. Esse fato, apesar das proporções, é significativo quando comparado com a extinção animal que afetou outras regiões do continente durante o Pleistoceno Superior e fases do Holoceno que, em alguns casos, atinge a proporção de 98%.

Os Subsistemas do Sistema Biogeográfico do cerrado

Como mencionado, o Sistema Biogeográfico do Cerrado não pode ser tomado como uma unidade homogênea, pois ostenta em sua abrangência uma série de ambientes diversificados entre si, pelo caráter fisionômico e pela composição vegetal e animal. Estes ambientes constituem os seus subsistemas. Sua compreensão é de fundamental importância para se entender o Sistema como um todo e o caráter da biodiversidade que ostenta. Esse Sistema Biogeográfico é composto por seis subsistemas interatuantes.

Subsistema dos Campos - ocupa as partes mais elevadas do sistema, apresenta morfologia plana denominada, regionalmente, chapadões ou campinas. Há forte ventilação durante quase todo o ano e a temperatura, em geral, é mais baixa que nos demais subsistemas. A rede de drenagem é insignificante. Às vezes, aparecem pequenas lagoas, algumas perenes. A vegetação é arbustiva esparsa e há uma composição graminácea intensamente distribuída pela área. Durante o Pleistoceno Superior, possivelmente, esse subsistema abrangia espaços geográficos maiores. Sua presença atual pode ser explicada por fatores estruturais do solo, associados a microclimas especiais, ainda não totalmente refeitos da agressão climática do Pleistoceno Superior. Constitui nas grandes áreas de recargas dos aquíferos existentes no sistema.

Subsistema do Cerrado Stricto Sensu - é a paisagem dominante do sistema. Ostenta um estrato gramíneo diferenciado do campo, há a ocorrência de árvores de pequeno porte e aspecto tortuoso, o que se explica pela teoria do escleromorfismo oligotrófico. A rede de drenagem é boa e os solos são de baixa fertilidade natural, mas não são uniformes. Há formações de cerrado que ocorrem tanto em latossolos avermelhados como em solos arenosos, dos quais são exemplos o sudoeste de Goiás e o oeste da Bahia, respectivamente.

Entre o Subsistema dos Campos e o Subsistema do Cerrado Stricto Sensu, há uma paisagem intermediária, designada, popularmente, campo sujo. Não se considera esta paisagem como um subsistema à parte, porque sua abrangência geográfica é pequena e, ecologicamente, mostra que as mesmas características dos dois subsistemas ora mais, ora menos estão sempre presente.

Subsistema do Cerradão - é, fisionomicamente, mais vigoroso que o Subsistema do Cerrado Stricto Sensu. As árvores atingem de 08 a 12 metros de altura e os solos demonstram maior fertilidade natural. Não há um estrato gramíneo forte como no cerrado stricto sensu e as árvores são mais encopadas. A rede de drenagem é bastante significativa. Antigamente, alguns botânicos classificavam esta paisagem como floresta xeromorfa, denominação que foi abandonada.

Subsistema das Matas - ocorre em manchas de solo de boa fertilidade natural que, às vezes, adquire a configuração de ilhas, meio a uma paisagem dominante de cerrado, conhecidas pelo nome de capões e podem formar áreas extensas, compactas e homogêneas, como é o exemplo clássico do antigo Mato Grosso de Goiás.

Subsistema das Matas Ciliares - ocorre nas cabeceiras dos pequenos córregos e rios acompanhando-os pelas suas margens em estreitas faixas. Essas faixas são muito variáveis quanto à configuração. Há locais em que se alargam em forma de bosque e outros onde praticamente desaparecem, como é o caso de algumas áreas do médio Tocantins.

Subsistema das Veredas e Ambientes Alagadiços – nestes ambientes as cabeceiras de alguns córregos e rios são, às vezes, caracterizados por ambientes alagadiços, decorrentes do afloramento do lençol de água ou ainda em virtude de características impermeabilizantes do solo. Nestes locais, são muito frequentes as veredas, que são paisagens nas quais predominam os coqueiros buriti e buritirana que, às vezes, se distribuem acompanhando os cursos d'água até a parte média de alguns rios, formando uma paisagem peculiar. Há um estrato inferior de gramíneas que se apresenta verde durante todo ano. Em alguns locais, o afloramento do lençol chega a formar verdadeiras lagoas, rodeadas por buritis Mauritia vinífera. Esta paisagem é mais frequente do centro do Sistema em direção a norte e a leste. Quando se aproxima do Pantanal Matogrossense, sudoeste do Sistema, as veredas tendem a desaparecer, ao passo que as áreas alagadas aumentam.

O Sistema Biogeográfico do cerrado é limitado por uma série de complexas formas vegetacionais intermediárias que adquirem contornos específicos em direção à caatinga e outras configurações, em direção à floresta amazônica úmida.

No aspecto fisionômico e em muitos pontos da composição faunística, florística e da ocupação humana, as áreas com savanas da América do Sul, que aparecem nas Guianas, Venezuela e Colômbia, muito se assemelham ao Sistema do Cerrado e, se não fosse o caráter da descontinuidade, poderiam perfeitamente estar incluídas como um subsistema do mesmo sistema, mesmo levando em consideração os aspectos evolutivos.

Problemas Referentes à Distribuição do Cerrado no Pleistoceno Superior e Holoceno Inicial

Os contornos cartográficos que, atualmente, caracterizam o Sistema do Cerrado, representam evento muito recente, de acordo com inúmeros estudos de paleoecologia. Durante o Pleistoceno Superior e as fases iniciais do Holoceno, a área coberta por vegetação de cerrado era maior do que a atual.
Os estudos de Geomorfologia, evidenciam a existência, durante o Pleistoceno Superior, de duas grandes áreas core de cerrado: uma situada nos chapadões do Brasil Central e outra, nos tabuleiros e baixos chapadões amazônicos. Esses mesmos estudos evidenciam uma possível conexão ou extensão dessas formações até as áreas de Roraima, Guianas e Lhanos do Orinoco.

Da mesma forma, inúmeros estudos de Palinologia relatam a ocorrência de cerrado nas diversas áreas hoje ocupadas pela floresta equatorial úmida.

A maior parte dos autores afirma que o fenômeno se deve às oscilações do clima do Pleistoceno Superior e de grande parte do Holoceno, que afetou profundamente todos as grandes matrizes ambientais do continente.

No que se refere a Amazônia, especialmente aos baixos chapadões que sustentavam uma área core de cerrado e hoje ostentam uma paisagem florestada, os estudos indicam que, durante o período mencionado, a região foi afetada por climas mais secos que favoreceram a permanência do cerrado, nos platôs e da caatinga, nas depressões.

Buscando correlacionar os dados de Paleoecologia com os dados de Botânica, sobretudo com aqueles que tratam do xeromorfismo do cerrado, à primeira vista, parece haver certa contradição, pois estas pesquisas evidenciam que a água não é fator limitante no desenvolvimento da vegetação de cerrado. Entretanto, quando a Paleoecologia refere a "clima seco" está se referindo a um "seco" relativo, tendo sempre como referência as condições do clima atual da área; portanto, essa aparente contradição nesse sentido não existe. Todavia, outras questões devem ser consideradas, tendo como base os aspectos ligados à difusão do cerrado. Essas observações demonstram ser pouco provável que a vegetação de cerrado, que ocupava os baixos chapadões da Amazônia, hoje recobertos pelas florestas, tenha expandido a partir de outras áreas core, por razões puramente climáticas, ocupando, dessa forma, áreas anteriormente cobertas por outra formação vegetal, no caso, florestas.

Em primeiro lugar, as condições edáficas associadas a esse stock vegetal, não favoreceriam, de imediato, uma difusão em escala tão larga. Outro argumento contrário, é o de que uma mudança climática para condições mais áridas, mesmo ocorrendo de maneira lenta, provocaria denudação do solo, ressecando-o e impedindo, dessa forma, a migração das espécies por sementes o que, consequentemente, impossibilitaria, com o passar do tempo, a formação de uma área típica de vegetação de cerrado.

Se essas observações estiverem corretas, como as pesquisas atuais tendem a conduzir, é possível afirmar que a vegetação de cerrado que ainda no Pleistoceno Superior ocorria nos baixos chapadões da Amazônia, não representa uma expansão ou difusão a partir de outras áreas nucleares, mais precisamente dos Chapadões Centrais do Brasil e, sim, deveria constituir a vegetação original da área, que foi conquistada posteriormente pela floresta, em função das modificações do clima e do solo, fato perfeitamente possível, como atestam alguns estudos botânicos.

Pode-se concluir, a partir dessas observações, que as manchas de florestas, existentes à época na região não constituíam "refúgios" no sentido de representarem retração de uma formação vegetal, anteriormente, ocupando uma área mais ampla. É mais positivo afirmar que essas manchas florestadas constituíam núcleos originais da floresta úmida que, com o advento de situações favoráveis, expandiram sobre outras formações.

O conjunto de todas essas observações torna possível a afirmação de que as áreas, atualmente cobertas por vegetação de cerrado nos Chapadões Centrais do Brasil, representam um retrato da configuração que essas áreas ostentavam também no Pleistoceno Superior, ou seja, onde há cerrado atualmente sempre houve cerrado.

O mesmo não acontecia nas depressões e no vale de São Francisco, pois a expansão dos eixos de semiaridez, provenientes do nordeste brasileiro e canalizados por essas áreas, raleou a vegetação existente e ainda permitiu a colonização por formas associadas a ambientes semiáridos. A retração desses eixos, já no Holoceno, favoreceu a retomada e a expansão por núcleos florestados existentes em ilhas de maior umidade. Fato similar aconteceu na Amazônia e foi agigantado à medida que a forte umidade, associada a outros fatores, mudou as condições edáficas, favorecendo a expansão das florestas sobre os baixos chapadões.

Quanto à área do Brasil Central, as flutuações climáticas foram mais intensas nas depressões interplanálticas que envolvem ou penetram os altiplanos e chapadões regionais com a paisagem de cerrado, tendo sido mais ou menos estável nas regiões maciças e elevadas da área; e os climas, ora mais secos ora mais úmidos, similares aos atuais climas de tipo goiano, matogrossense ou sudanês, afetaram áreas como a depressão situada entre o Espigão Mestre e o Altiplano de Brasília, as depressões interplanálticas do Alto Araguaia, a área do pediplano Cuiabano e a calha central da Bacia do Paraná.

Alguns Elementos da Ecologia

O Sistema Biogeográfico do Cerrado antes da violenta degradação dos últimos anos, abrangia área de uma grandeza espacial que recobre dois milhões de quilômetros quadrados, região de maciços planálticos de estruturas complexas e planaltos sedimentares compartimentados; cerradões ou cerrado nos interflúvios e florestas — galeria contínua, ora mais larga ora mais estreita; cabeceira em ligeiros anfiteatros pantanosos; solos de fraca fertilidade primária, drenagens geralmente perenes; interflúvios muito largos e bastante espaçados entre si, com pouca ramificação geral da drenagem na área core do cerrado; enclaves de matas e manchas de solos ricos ou áreas de cais de nascentes ou de olho d'água perenes; ausência de mamelonização, calhas aluvionais de tipos particularizados, em geral não-meândricos nos planaltos; níveis de pediplanação nos compartimentos de planaltos, pedimentos escalonados e terraços com cascalhos; sinais de flutuações climáticas e paisagísticas vinculadas nas depressões intermontanas centrais ou periféricas da grande área do cerrado; climas do tipo sudanês, com precipitações entre 1.300 e 1.800 mm, concentradas no verão e relativamente baixas no inverno; enclaves de matas na forma de capões de diferentes ordens de grandeza espacial.

Anteriormente, enfatizou-se a noção da diversidade de formas vegetais que compõem o cerrado, enquanto Sistema Biogeográfico. Essa diversidade de matizes que constitui seus subsistemas tem constituído certas dificuldades para os pesquisadores determinarem que tipo de fisionomia corresponde à vegetação original do cerrado ou pelo menos aquela que, sem uma provável interferência humana, reflita as condições ambientais predominantes.

Assim, nesta perspectiva, o cerrado não pode ser entendido como uma unidade fisionômica. O trabalho de Kulhmann et alii sobre interpretação de imagens de radar e landsat acerca da cobertura vegetal da região do cerrado ressalta também essa preocupação, e os autores afirmam:

“O que se procura definir com o termo cerrado não é apenas um tipo de vegetação, mas um conjunto de tipos fisionomicamente distribuídos dentro de um gradiente que tem como limites, de um lado, o campo limpo e, do outro, o cerradão”.

Nesse contexto, podem ser agregadas as ilhas de matas e matas-galeria, integrantes decisivas desse sistema.

No mesmo trabalho, Kulhmann e seus colaboradores afirmam que nem sempre é possível retratar com fidelidade, no mapa, os tipos de vegetação mediante interpretação de imagem de radar e landsat, observando-se apenas as gradações cinza; mesmo depois de serem efetuados voos de comprovação à baixa altitude, persistem muitas dúvidas. Por essa razão, torna-se importante a análise dos padrões de relevo, solo e geologia. Esses padrões, quando cuidadosamente analisados, servem de indicadores dos tipos de vegetação.

Mesmo quando o cerrado recobre grandes chapadas e chapadões tabulares, sua homogeneidade é quebrada com frequência por vales, tanto os estreitos e os profundos como os amplos e os rasos, nos quais pelo afloramento do lençol d'água ou pela mudança dos componentes minerais e orgânicos dos solos, somados a uma maior proteção contra o fogo, a vegetação modifica-se inteiramente, ora para o tipo florestal ora para os campos limpos com buritis, constituindo esses últimos as paisagens das veredas.

Ao se estudar a ecologia do cerrado, observa-se que uma das características mais marcantes da sua biocenose é a dependência de alguns de seus componentes dos ecossistemas vizinhos. Muitos animais tem seu nicho distribuído entre o subsistema do cerrado propriamente dito e das matas. Podem, por exemplo, passar grande parte do dia no cerrado e abrigar-se, à noite, nas matas e vice-versa.

Topografia

O que caracteriza a área do sistema do cerrado é a alternância de formas topográficas representadas pelos relevos planálticos, morros de altura variada e depressões estreitas ou amplas. Dependendo da espessura e da composição dos solos, as fisionomias do cerrado e de outros tipos de vegetação podem estar nitidamente separadas ou podem confundir-se em contatos pouco nítidos.

Há áreas de pequenas superfícies, em que quase todas as fisionomias, como matas de nascente, de galerias e de veredas são encontradas, constituindo-se em mosaico vegetal. Os tipos de vegetação que recobrem a grande área do Pantanal de Mato Grosso têm sido considerados como uma unidade sob a designação de Complexo do Pantanal. Essa expressão, embora registrada por um bom número de pesquisadores e consagrada na literatura científica, não deve ser mantida quando se referir aos mapeamentos de 1:1.000.000 e maiores, o que na verdade se observa nessa extensa planície é a influência da topografia em função das enchentes periódicas.

Maior ou menor tempo de permanência da água, superficial e subsuperficial, está inteiramente dependente das feições topográficas e do solo. Variações de apenas alguns centímetros podem definir a ocorrência de matas, campos limpos, carandazais, campos permanentemente inundados etc.

Solos

Em 1948, Waibel estudou a vegetação e o uso da terra no Planalto Central do Brasil e, ao constatar que em áreas muito limitadas sob mesmas condições climatológicas, pode-se encontrar uma grande variedade de tipos de vegetação, concluiu que esta variedade depende principalmente das condições edáficas que, por sua vez, dependem das rochas que originam os solos.

O mesmo autor, baseando-se em conceitos dos agricultores locais, afirma que há dois grandes tipos de solos na região do cerrado: os solos de matas e os solos dos campos. Análises têm sempre revelado que os solos de cerrado (de campos) são sempre mais pobres que os de matas.

Alvim e Araújo, autores que também destacam a importância do solo para a compreensão do cerrado afirmam, por exemplo, que a distribuição desta paisagem em sua região fitogeográfica é aparentemente controlada pelo solo, mais que por qualquer outro fator ecológico. Segundo esses autores, as plantas do cerrado parecem ser tolerantes a um baixo teor de cálcio e a um ph baixo, o que não permite o crescimento de árvores típicas das florestas.

Arens, admite que o pronunciado xeromorfismo (escleromorfismo foliar) do cerrado seja uma consequência das condições oligotróficas dos solos, que são geralmente ácidos e empobrecidos em bases trocáveis. Afirma ainda que um dos fatores principais seria provavelmente a relativa escassez de nitrogênio assimilável, o que pode originar o escleromorfismo oligotrófico, fazendo com que a vegetação peculiar do cerrado seja selecionada pela deficiência de minerais, à qual ter-se-ia adaptado.
Em trabalho posterior, o mesmo autor afirma que as deficiências minerais limitam o crescimento e, em consequência, causam acúmulo de carbohidratos. O excesso de açúcares é utilizado para formação de cutículas espessas de esclerênquima para produção, em resumo, de estruturas que dão à planta o caráter escleromorfo.

Goodland, ao estudar os solos do Triângulo Mineiro, estabelece uma relação entre os gradientes de fertilidade do solo com as diversas fisionomias do cerrado. Variam, do cerradão ao campo limpo de cerrado, os seguintes fatores: ph, percentagem de carbono e nitrogênio, matéria orgânica, teor Ca+++, Mg++ K+ Al+++, percentagem de alumínio, fosfatos e relação C/N.

Assim, o solo do cerradão ocupa a extremidade mais alta do gradiente, por apresentar teores elevados de matéria orgânica (N, P, K) Ca, Mg e ph mais alto, baixa relação C/N e quantidades menores de alumínio.

Há uma estreita relação entre a riqueza orgânico-mineral do solo e as fisionomias do cerrado. O xeromorfismo resulta também, em grande parte, da carência de micronutrientes do solo. Essa carência ou oligotrofismo limita o uso dos produtos de fotossíntese, os quais ficam acumulados em determinadas partes das plantas, dando-lhes o aspecto escleromórfico. Também o nanismo das plantas do cerrado é atribuído à carência de micronutrientes, como N, P e S, que são indispensáveis para a síntese das proteínas que entram no desenvolvimento normal de novos tecidos.

Clima

Em trabalho intitulado "Climatologia do Cerrado", Reis faz considerações sobre o binômio clima/vegetação. Desse trabalho, destacam-se algumas conclusões, como a de que a vegetação de cerrado não é xerófita — logo, estará na dependência de um clima subúmido; a condição climática que determina o cerrado é a mesma responsável pelo aparecimento da mata; uma vez satisfeita a condição climática, o cerrado aparecerá ou não, na dependência de fatores edáficos, de ordem nutricional; as diferenças de regime hídrico e térmico em certos limites não implicam em modificações sensíveis na fisionomia da vegetação do cerrado.

Camargo, considerando as influências climáticas do ponto de vista dos aspectos micro, topo e macro climáticos, afirma que, dada a escassa cobertura vegetal, as temperaturas do ar e a umidade variam muito no decurso do dia. O autor sugere que essa condição microclimática severa é antes consequência que causa da vegetação, também, o topoclima tem efeito limitado sobre a vegetação natural. Essa vegetação é encontrada sob várias condições macroclimáticas.

Um dos estudos mais exaustivos sobre Climatologia do Brasil foi apresentado por Nimer em 1977. Dentre outras observações, o autor reconhece que o domínio de um clima quente e semiúmido, com quatro a cinco meses secos, empresta ao clima da região Centro-Oeste do Brasil uma notável homogeneidade e esta, por sua vez, é reforçada pela uniformidade de seu sistema geral de circulação atmosférica.

A essa homogeneidade climática corresponde uma paisagem vegetal constituída pelo cerrado, em sentido lato, quebrada localmente por outros componentes do meio natural, tais como topografia, litologia e solos.

O Caráter Xeromorfo do cerrado

Revestindo o solo especialmente com gramíneas, entre as quais repontam ervas, arbustos e árvores em proporções variáveis, a vegetação do cerrado impressiona sobretudo pelo aspecto tortuoso de suas árvores e arbustos, cujos caules, com frequência, recobrem-se de espessa casca com folhas coriáceas e brilhantes ou revestidas por um denso conjunto de pêlos, emprestando, ao cerrado, stricto-sensu a aparência de vegetação adaptada às condições de seca.

Não é de estranhar, pois, que até recentes anos fosse o cerrado chamado frequentemente de "campo seco". Contribuía para isso o fato de ocorrer tal vegetação, muitas vezes, em regiões onde é comum um período de 4 a 5 meses totalmente sem chuvas.

Parece não haver dúvida quanto a ter sido Rawitscher o primeiro a considerar seriamente a possibilidade de que a vegetação de cerrado não fosse condicionada pela falta de água.

Levaram-no a isso, observações casuais nas frequentes viagens feitas em várias partes do Estado de São Paulo, onde visitou cerrado, especialmente em Emas, próximo a Pirassununga.

Folhas enormes, que muitas plantas de cerrado apresentam, ausência de sinais de murchamento, mesmo no auge da seca, floração e brotação abundantes antes das chuvas, pareciam contradizer a noção geral de que a existência do cerrado fosse devido à escassez de água.

Essas observações iniciais de Rawitscher conduziram a uma série de trabalhos posteriores de outros pesquisadores, no sentido de desvendar o aspecto de xeromorfismo que caracteriza a vegetação de cerrado.

O primeiro trabalho experimental foi conduzido pelo próprio autor, com a colaboração de Ferri e Rachid (1943), no cerrado de Emas em São Paulo. Entre as muitas conclusões, os autores afirmam que a água não é um fator limitante da vegetação de cerrado.

Em trabalho mais extenso, de 1944, no qual observa o comportamento estomático e de transpiração, Ferri chega às mesmas conclusões, evidenciando que a vegetação de cerrado de Emas não se comporta, apesar de seu acentuado xeromorfismo, como adaptada à condições de seca.

Em 1955 Ferri publicou um extenso trabalho intitulado "Contribuição ao conhecimento da ecologia do cerrado e da caatinga: estudo comparativo do balanço d'água de sua vegetação". Na introdução, o autor caracterizou os vários tipos de vegetação que ocorrem no Brasil e indicou sua distribuição. A seguir, focalizou a atenção nos ambientes em que vivem as plantas do cerrado (em Emas) e da caatinga (em Paulo Afonso). Apresentou, depois, uma descrição fisionômica dos dois tipos de vegetação, cuja composição florística também analisou. Entrou, finalmente, no estudo pormenorizado de problemas morfológicos, especialmente da anatomia das folhas, da transpiração, do comportamento estomático, dos déficits de saturação, entre outros relativos a um grande número de espécies características dos dois tipos de vegetação que estudou e comparou.

Fatos já descritos em trabalhos anteriores foram postos em destaque: grande profundidade dos solos do cerrado; abundância de água nesse solo; profundidade considerável dos sistemas radiculares das plantas permanentes; presença frequente de estrutura xeromorfa na vegetação do cerrado, como estômatos em depressões, epidermes revestidas por cutículas espessas e camadas cuticulares ou recobertas por numerosos pêlos ou escamas, presença de hipoderme e parênquimas incolores, células pétreas e esclerênquimas bem desenvolvidos etc. Todos esses elementos são, habitualmente, correlacionados com condições xéricas. E, no entanto, o estudo do comportamento da vegetação do cerrado não indica a adaptação a tais condições que, em verdade, não existem.

A grande maioria das plantas permanentes do cerrado transpira livremente e com altos valores, mesmo nos períodos de secas mais pronunciadas; somente poucas mostram pequena restrição no consumo hídrico nessa época.

As plantas do cerrado mostram, quase sem exceção, estômatos abertos durante todo o dia, mesmo durante a seca. Também é comum encontrá-los abertos à noite. Em geral, as reações estomáticas das plantas permanentes do cerrado são lentas. O fechamento total das fendas estomáticas, quando se faz cessar o suprimento hídrico arrancando a folha da planta, pode consumir em uma hora ou mais e, às vezes, nunca se completa inteiramente. A transpiração cuticular é frequentemente muito elevada, embora as cutículas e as camadas cuticulares sejam espessas. Os déficits de saturação das folhas são baixos, em geral, mesmo na época seca. O valor mais alto encontrado foi da ordem de 5% do conteúdo máximo de água.

Embora restritas a um habitat muito mais seco, a maioria das espécies dominantes da caatinga (exceto as bromeliáceas, as cactáceas e as Euphorbiaceae suculentas) não apresentam xeromorfismo tão acentuado quanto as plantas do cerrado.

Assim, não são frequentes cascas espessas, nem folhas coriáceas ou pilosas. Cutículas grossas, estômatos em depressões, abundante tecido mecânico são também incomuns. Embora com xeromorfismo menos pronunciado que o da vegetação do cerrado, as plantas da caatinga revelam-se melhor adaptadas, fisiologicamente, para sobreviverem em condições xéricas.

Mesmo durante a época das chuvas, várias plantas já revelam necessidade de restrição do consumo hídrico, ficando com estômatos abertos somente nas primeiras horas do dia; outras, após fecharem os estômatos nas horas e condições mais severas, reabrem-nos à tardinha. Muito poucas podem manter estômatos abertos durante o dia.

À medida que se agrava a seca, curvas de transpiração indicativa de grande restrição no consumo hídrico tornam-se cada vez mais frequentes. Por fim, quase todas as plantas mantêm os estômatos fechados durante todo o dia. Nesse caso, a água é perdida apenas por meio da cutícula e essa perda-transpiração cuticular na caatinga geralmente é muito baixa, mas até isso pode pôr a planta em perigo, então um dos meios mais eficientes de proteção contra a seca é reduzir consideravelmente a superfície transpirante pela queda das folhas. Isso é o que realmente ocorre, e planta após planta se despoja de suas folhas. Alguns indivíduos das espécies mais resistentes persistem enfolhados, porém até eles derrubam suas folhas quando a seca é realmente severa.

Em contraste com as plantas permanentes do cerrado, as árvores e arbustos da caatinga têm estômatos de reações muito rápidas. A Spondias tuberosa, por exemplo, reduz mais de 50% do valor inicial de sua transpiração em apenas dois minutos após cessar o suprimento de água e completa o fechamento estomático em cinco minutos.

A transpiração cuticular indica, geralmente, valores muito baixos na caatinga, apesar de não serem espessas as cutículas.

O autor considerou ainda que a caatinga vive em condições de seca muito mais pronunciada que o cerrado e é fisiologicamente adaptada a essas condições, embora não tenha um xeromorfismo tão acentuado quanto o cerrado, o qual, no entanto, não apresenta adaptação fisiológica a ambiente seco, o que induz à conclusão de que o que importa realmente é a adaptação fisiológica, mas o autor considerou que duas questões importantes devem ser resolvidas: l) se a vegetação do cerrado não vive, em geral, em ambiente seco, por que é xeromorfa? 2) porque não se desenvolveram na caatinga, com maior frequência, caracteres xeromorfos, ao lado dos mecanismos fisiológicos de proteção contra a seca? Não dariam eles proteção adicional às plantas contra a perda de água?

O autor tentou responder a primeira questão por meio de duas formas:

a) O xeromorfismo do cerrado nada tem a ver com proteção contra a seca, tendo-se originado por qualquer outra razão;

b) A vegetação do cerrado pode, eventualmente, estar sujeita a secas pouco severas, contra as quais basta a proteção de pêlos, cutículas espessas, estômatos aprofundados etc. A vegetação do cerrado não teria estado sujeita a um estímulo bastante forte, durante seu processo evolutivo, para desenvolver e selecionar mecanismos fisiológicos de proteção contra a seca. Tal seleção teria ocorrido, entretanto, no ambiente mais seco da caatinga.

Com respeito à segunda questão, o autor considerou que, durante a evolução da vegetação da caatinga, sempre que o xeromorfismo aparece isolado não pode ser fixado, pois, não dando proteção satisfatória contra a perda de água, permitiu que morressem as espécies às quais isso sucedeu. Quando surgiram apenas os mecanismos fisiológicos de proteção contra a seca, eles puderam ser selecionados, pois, dando suficiente proteção às espécies que os envolveram, permitiram-lhes a sobrevivência.

Por que, entretanto, não pode ser selecionado um número maior de espécies em que os dois grupos de mecanismos de proteção apareceram reunidos? Para explicar tal fato, o autor admitiu que o xeromorfismo deve ser, de qualquer forma, prejudicial às plantas no ambiente seco da caatinga. Supôs que, devido à falta de água, a possibilidade de realizar fotossíntese ficasse restrita a um período curto. Quando o período da seca ameaça, os estômatos se fecham rapidamente, mas assim que o perigo se afasta, eles se abrem depressa e então nada deve dificultar o acesso de luz e de gás carbônico. Assim, os estômatos não devem estar em depressões, nem cobertos por pêlos, mas, ao contrário, devem estar bem expostos como, de fato, geralmente acontece.

O autor admitiu que se deveria pensar em valor adaptativo de caracteres combinados, em relação a conjuntos de processos, e não em valor adaptativo de um caráter isolado, em relação a um processo único. No presente caso, o xeromorfismo combinado com mecanismos fisiológicos de proteção contra a seca teria, na caatinga, um valor adaptativo menor que a proteção fisiológica, somente porque a proteção adicional contra a perda de água que o xeromorfismo daria à planta, não compensaria o prejuízo causado a sua fotossíntese.

No cerrado, o xeromorfismo não seria prejudicial, pois, devido à abundância d'água, os estômatos mantêm-se abertos, em geral, o dia todo.

Pelo que se pode concluir, a água não é fator limitante do desenvolvimento da vegetação do cerrado. O caráter xeromórfico que apresenta é decorrente de fatores de adaptação e ou evolução.

O Agente Fogo

Não se pode levar adiante qualquer estudo sobre o cerrado, se não se tomar em consideração o fogo, elemento intimamente associado a esta paisagem. Apesar de sua importância para o entendimento da ecologia desse ambiente, enquanto sistema biogeográfico, a ação do fogo no cerrado é ainda mal conhecida e, geralmente, marcada por questões mais ideológicas que científicas. Também não se pode conduzir seu estudo com base apenas nas comunidades vegetais. O estudo do fogo como agente ecológico será mais completo se também se observar a comunidade faunística e os hábitos que certos animais desenvolveram e que estão intimamente associados à ação, cuja assimilação, sem dúvida, necessita de arranjos evolutivos caracterizados por tempo relativamente longo. Diante dessas observações, constata-se, por exemplo, que a perdiz Rhynchotus rufescens só faz seu ninho em "macegas", tufos de gramíneas queimados no ano anterior. Da visita a várias áreas de cerrado imediatamente após grande queimada, tem-se constatado que, apesar de as árvores e arbustos se mostrarem enegrecidos superficialmente, estas continuam com vida, ostentando ainda, entre a casca enegrecida e o tronco, intensa microfauna. Fenômeno semelhante acontece com o estrado gramíneo: poucos dias após a queimada, mostra sinais de rebrota que constitui elemento fundamental para concentração de certas espécies animais.

O fogo é um elemento extremamente comum no cerrado, de tal forma antigo, que a maioria das plantas parece estar adaptada a ele.

Ferri, comentando trabalho de Rachid Edwards sobre a ação do fogo em áreas de campo limpo e cerrado, informa que a autora estudou especialmente as gramíneas, grupo que constitui a massa da vegetação baixa dos campos, e no qual existe grande número de espécies tunicadas. Entre elas destacam-se Aristida pallens, Imperata brasilienses, Tristachya leiotachya e Paspalurn carimatum, Flugge. Informa ainda que a autora estudou duas espécies de Schizacaceae (Filicinae) — Anemia anthrisifolia e A. fulva. Rachid Edwards indica, neste mesmo trabalho, que as formações túnicas são encontradas em plantas da vegetação baixa dos campos, como Graminae, Cyperaceae, Iridaceae, Filicinae etc. Designa ainda que, segundo Bouillene, ocorrem também em Velloziaceae, pontos vegetativos e, em função, comparam-se aos catafilos que protegem as gemas dormentes. Tais elementos, além de protegerem contra a perda da água, são eficazes na proteção contra o fogo e contra o forte aquecimento por ele produzido.

A autora ainda trata dos sistemas subterrâneos (bulbos, rizomas, tubérculos e xilopódios), que também proporcionam resistência às condições adversas.

Arens afirma que o fogo é um fator que acentua o oligotrofismo, influindo dessa maneira sobre conservação ou propagação do cerrado, e Goodiand sugere que a ação do fogo sobre microorganismos do solo é muito importante no cerrado, porém pouco conhecida. A produtividade primária é aumentada, pois há uma aceleração da ciclagem dos nutrientes minerais.
Na mesma linha de raciocínio, Coutinho informa que a ação do fogo no cerrado aumenta o vigor da vegetação herbáceo - subarbustiva, enquanto a arbustivo — arbórea o tem diminuído. Isso significa, de acordo com o autor, um aumento progressivo das áreas de campo sobre as áreas de cerrado e áreas de cerradão.

Outro dado importante a destacar, quando se procura entender a ação do fogo ao longo da história, é que a ação do homem pré-histórico brasileiro não funcionou como elemento perturbador dessa paisagem porque, além da ocupação do interior do Brasil ser um fato relativamente recente, era insignificante em termos populacionais para produzir perturbações em amplas escalas; suas ações revestem-se de caráter puramente local.

Ao longo do tempo, a ação do fogo no cerrado deve ser buscada em causas naturais. O calor e as variações do albedo sempre alto nas áreas provocam intensos movimentos convectivos na atmosfera, em que a concentração da umidade e o forte gradiente térmico atmosférico montam, rapidamente, tempestades magnéticas caracterizadas pela intensidade dos trovões, relâmpagos e raios.

Atualmente, a forma descontrolada de utilização do fogo pelo homem moderno é que vem provocando sérios desequilíbrios nesse Sistema Biogeográfico.

Problemas Relacionados com a Difusão do cerrado

O problema da origem do cerrado, tanto no sentido evolutivo como no sentido sucessional, nem sempre é tratado com a clareza e a distinção que o tema exige. Entretanto, levantar alguns dados é da maior importância para compreender alguns fatores ligados a sua difusão, bem como às áreas de distribuição em épocas mais recuadas.

O primeiro problema, para o qual se chama a atenção, refere-se à difusão vegetativa do cerrado. Não há muitos estudos nesse sentido, e os que existem referem-se às áreas periféricas, nem sempre típicas. Todavia, apesar desse fato, esses estudos trazem alguns pontos elucidativos de grande importância.
Em nota complementar que acompanha a apresentação preliminar do mapa fitogeográfico do Estado do Paraná, Brasil, Maak opina que as ilhas de cerrado que ocorrem no Paraná devem ser relictos de uma vegetação clímax, sendo as matas do Paraná a formação secundária de sucessão mais recente.
Comentando o trabalho de Maak, Ferri conclui, contrariamente, que no local em questão os elementos de cerrado devem ser considerados como invasores.

Em 1960, Coutinho e Ferri, estudando a transpiração e o comportamento estomático das espécies de cerrado que ocorrem na área mencionada por Maak, Campo do Mourão, Estado do Paraná, afirmam:

“Próximo do centro da cidade, encontramos um grupo de plantas que ocorrem em numeroso cerrado, e a vegetação que estudamos não tem o aspecto típico do cerrado que conhecemos em outras localidades. (...) Como foi mencionado, a vegetação que estudamos não constitui um cerrado típico. Os exemplares das espécies típicas de cerrado que encontramos eram, em geral, de pequeno porte e de troncos delgados. À página seguinte: finalmente, deve-se anotar a ocorrência de numerosas plantinhas, sem dúvida alguma oriundas de sementes, o que não é frequente em cerrado velhos, bem estabelecidos em determinada região. Tudo isso faz supor que a migração de elementos de cerrado para aquela localidade é relativamente recente.”

Em trabalho de 1961, no qual reuniu dados e observações próprias e de outros pesquisadores referentes à ecologia do cerrado, Ferri retoma o tema da difusão do cerrado e focaliza, em especial, o fato de que, após vários anos de pesquisas no cerrado, surpreendeu-se com a constatação de que nunca encontrou plantinhas de espécies permanentes que pudesse dizer, com segurança, que provinham de sementes. A reprodução vegetativa de vários tipos é responsável por manter esta vegetação em determinado local e pela sua expansão em áreas adjacentes, mas a ocupação de locais mais afastados só pode verificar-se por germinação de sementes.

Experiências com sementes de Stryphnodendron adstringens, Dimorphandra moilis, Eriotheca gracilipes, Kielmeyera coríacea, Annona coriacea, Aspidosperma tomentosum etc., revelaram que não há dificuldade para a germinação em condições de laboratório. No cerrado, entretanto, as mesmas sementes não germinaram ou o fizeram em porcentagem muito pequena. Mesmo quando houve alguma germinação, a sobrevivência final foi extremamente baixa.

O autor acredita poder explicar o que se passa: as sementes das plantas permanentes do cerrado são produzidas e dispersadas, via de regra, ao final da época seca. Muitas são comidas por insetos e outros animais. Muitas morrem pelo excessivo calor solar. Algumas apenas são preservadas em certos pontos mais abrigados. No cerrado antigo, a superfície do solo é dura e tem um baixo teor de coloides. Assim, quase toda a água das primeiras chuvas corre pela superfície. As sementes que iniciam sua germinação com estas primeiras chuvas podem não encontrar água suficiente para prosseguirem em seu desenvolvimento. Mesmo que algumas plantinhas consigam nascer, podem morrer em seguida por falta de água, porque suas raízes podem não ultrapassar, em tempo satisfatório, a camada superficial seca do solo.

Se uma área coberta por floresta é devastada pelo homem e se sementes de plantas de cerrado aí caírem, logo a situação será bem diversa: a superfície do solo, que é macia, tem um alto teor de coloides e uma boa capacidade de retenção de água. Aí as sementes podem germinar logo e uma alta porcentagem de plantas pode sobreviver. Com o tempo entretanto, as condições do solo conquistado pelo cerrado tornam-se cada vez menos favoráveis, até que a situação se equipare à descrita no início, com referência ao cerrado antigos.

Como adendo às observações de Ferri e colaboradores, acrescentem-se algumas das observações do professor Binômio da Costa Lima e outras próprias de Barbosa. As observações de Costa-Lima datam de 1950, ao passo que as de Barbosa são de 1975, quando efetivamente passou a acompanhar aquele pesquisador em suas jornadas de campo.

Ambos constatam que em áreas onde a vegetação original era constituída por matas, e quando estas são degradadas e abandonadas, sem atividades que requeiram manejo do solo, a tendência é o aparecimento de espécies típicas da mata que formam uma paisagem de árvores de crescimento rápido, retilíneas e finas, denominada regionalmente "capoeiras". Esse fenômeno foi observado em várias localidades do sudoeste de Goiás, em manchas de matas com cerrado nas proximidades.

Quando a área de mata é degradada e aí se exerce alguma atividade de manejo do solo, abandonada em seguida, observou-se que aumenta, significativamente, a ocorrência de leguminosas num primeiro estágio. Em seguida, começam a surgir espécies típicas de matas. Em ambos os casos, não se observa a invasão dessas áreas por espécies de cerrado.

Constatam também a retomada da mata nos seus aspectos originais em áreas onde, atualmente, ocorrem sítios arqueológicos e que foram degradadas para implantação de aldeias, por indígenas conhecedores da prática agrícola, com a abertura de clareiras para suas roças. Essas áreas, depois de abandonadas por essas populações, retomaram, com o passar do tempo, suas características primárias. Convém salientar que, nas áreas observadas, o período que separa a época do abandono pelas populações indígenas até os dias atuais é de 150 a 100 anos.

Outras observações nestas áreas demonstram que, quando degradadas, brotam de imediato um conjunto de espécies que representa antigos cultígenos como feijão — Phaseolus sp., algodão — Gossypium sp. e guariroba — Syagrus oleracea. Tal fato tem, inclusive, servido como indicador para localizar sítios arqueológicos correspondentes a grupos agricultores no centro do Brasil.

Costa Lima tem constatado a invasão de áreas, originariamente com vegetação de cerrado, por espécies de matas, sempre que essas formações ocorrem próximas e quando alguma atividade altera os componentes do estrato inferior da vegetação de cerrado como, por exemplo, o pisoteio do gado, sufocando o estrato gramíneo e alterando aso condições de solo.

Alguns Elementos da Flora e da Fauna

A diversificação em variados ambientes é que atribui ao Sistema Biogeográfico do Cerrado o caráter fundamental da biodiversidade. Compreender a distribuição dos elementos da flora e da fauna pelos diversos subsistemas e seu ciclo anual é muito importante para se ter uma visão de globalidade.

No que se refere às espécies vegetais frutíferas. E, em particular neste texto trataremos somente das frutíferas, o Sistema do Cerrado se apresenta como um dos mais ricos, oferecendo uma grande quantidade de frutos comestíveis, alguns de excelente qualidade, cujo aproveitamento por populações humanas dá-se desde os primórdios da ocupação e, em épocas atuais, tais frutas são aproveitadas de forma artesanal e até industrial. Associado aos frutos, outros recursos vegetais de caráter medicinal, madeireiro, vinífero etc podem ser listados em grande quantidade. Alguns desses recursos, frutíferos ou não, constituem potenciais fontes de exploração econômica de certa grandeza, visto que a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias podem viabilizar seu aproveitamento a curto prazo.

O Sistema Biogeográfico do Cerrado também apresenta uma fauna variada representada, essencialmente, por animais de médio e de pequeno porte. No que se refere à avifauna, 935 espécies ocorrem no sistema, destas, 148 espécies são anotadas como próprias.

Costa Lima registra 298 espécies de mamíferos para o cerrado e não considera nesta listagem os mamíferos aquáticos. Os répteis listados para o sistema representam 268 espécies.

Já foi mencionado que o Sistema Biogeográfico do Cerrado se assemelha a uma cumeeira, que distribui água para as grandes bacias hidrográficas do continente. Assim, neste sistema, encontram-se rios das Bacias Amazônica, do Prata, do Pantanal, do São Francisco, além de pequena porção de algumas bacias menores do nordeste. Isto permite a ocorrência de grande variedade de peixes. Associa-se a este fator o papel ecológico que os tributários representam como locais de desova preferidos por inúmeras espécies. Algumas espécies de peixes chegam a pesar mais de 100 quilos quando adultos e uma grande maioria atinge facilmente 20 a 30 quilos, havendo também várias espécies menores.

Numa listagem preliminar. Costa Lima registra para este Sistema 62 espécies, sendo sua distribuição da seguinte forma: 22 espécies são exclusivas das águas que correm para o norte, 17 são das águas que correm para o sul, 15 ocorrem tanto nas águas do norte como nas do sul e o restante é específico dos lagos das águas de norte.

Distribuição dos Principais Elementos da Flora e da Fauna pelos Subsistemas

Os dados seguintes procuram demonstrar alguns elementos dessa biodiversidade e o caráter de interdependência dos diferentes subsistemas, tomando como base a distribuição de certos recursos vegetais, especialmente frutíferos, e as formas animais.

Pelas características similares, no que se refere à distribuição desses elementos, alguns subsistemas foram agrupados em categorias mais amplas, denominadas tipos de ambientes. Assim, o Subsistema do Campo e o do Cerrado passam a constituir o Ambiente Campestre. O Subsistema do Cerradão e da Mata não sofreram modificação, constituindo respectivamente o Ambiente do Cerradão e o da Mata. O Subsistema das Veredas e Ambientes Alagadiços e o das Matas Ciliares foram reunidos sob a designação de Ambiente Ribeirinho. Algumas espécies têm sua ocorrência registrada em todos eles, por isso, além dos quatro definidos, há um espaço reservado a essa categoria.

Distribuição dos Frutos Comestíveis

No Ambiente Campestre, há grande concentração de recursos vegetais, representados essencialmente por frutos comestíveis, 375 das espécies listadas, englobando todos os recursos que inclui espécies medicinais e não somente frutos, têm sua ocorrência neste ambiente, já que 34% são exclusivos e o restante é registrado também noutros ambientes.

No Cerradão, a distribuição dos recursos vegetais não é significativa, apenas 4% têm sua ocorrência registrada aí, uma vez que 3% são exclusivos.

No Ambiente Ribeirinho, não é também significativa a distribuição dos recursos vegetais, no que se refere à quantidade de espécies. Entretanto, isto é muito relativo, pois algumas espécies que aí ocorrem fornecem grande quantidade de massa alimentar, 9% dos recursos listados ocorrem neste ambiente, desses, 6% são exclusivos.

Englobando não somente os frutos, o Ambiente da Mata, apresenta-se como o de maior concentração dos recursos vegetais, reunindo 50% deles, visto que 44% são exclusivos.
Nenhum recurso vegetal é comum a todos os ambientes.

Distribuição de Recursos Vegetais por Época do Ano

A distribuição dos recursos vegetais, notadamente dos frutos, tem sua maior concentração nos meses de novembro, dezembro e janeiro, época que coincide com o auge da estação chuvosa. Essa concentração diminui à medida que se distancia da época chuvosa. Todavia, com exceção de maio, os meses que correspondem à época seca, mesmo em quantidade menor, apresentam certa regularidade de recursos.

Distribuição de Mamíferos por Ambientes

Dos mamíferos listados, 32% tem sua ocorrência registrada no Ambiente Campestre; 17% são exclusivos e 15% são comuns também a outros ambientes.

No Cerradão, ocorrem 15% dos mamíferos, mas nunca de forma exclusiva, ou seja, os mamíferos listados aí são comuns a outros ambientes.

Ocorrem 16% dos mamíferos na Mata: desses, 5% são exclusivos e 15% são comuns a todos os ambientes.

Embora possam ser visíveis durante todo o ano, os mamíferos campestres estão mais concentrados nos meses de setembro, outubro, novembro, dezembro e janeiro. Esta época coincide com as floradas e rebrota das gramíneas afetadas por queimadas naturais ou antrópicas do ano anterior. Coincide também, especialmente a partir de novembro, com a época de maturação dos frutos. As espécies insectívoras também encontram, nesta época, farto recurso propiciado pela revoada e multiplicação de certas espécies de insetos.

Outros mamíferos especialmente os carnívoros estão mais concentrados em setembro, outubro, novembro, dezembro e janeiro, acompanhando a concentração dos mamíferos campestres. Os mamíferos, habitantes do Ambiente Ribeirinho, podem ser mais visíveis e concentrados nos meses secos, sobretudo junho, julho e setembro.

Distribuição das Aves por Ambientes

As aves 33% podem ser encontradas no Ambiente Campestre, das quais 10% são comuns a outros ambientes. Vinte e quatro por cento são encontradas no Cerradão e não há formas exclusivas.
Da mesma forma que o Cerradão, a Mata não apresenta formas exclusivas de aves, mas 95% espécies, comuns a outros ambientes, podem ser encontradas aí.

A maior parte das aves do Sistema Biogeográfico do Cerrado, põem seus ovos durante a estação seca, mais especificamente em junho, julho e agosto. As aves campestres estão mais concentradas no início da estação chuvosa.

Distribuição de Répteis por Ambientes

Dos répteis do Cerrado, 34% podem ser encontrados no Ambiente Campestre, destes, 17% são formas exclusivas. Todas as espécies campestres são representadas por formas pequenas. Nenhuma forma de réptil é listada para o Cerradão. Vinte e cinco por cento podem ser encontrados na Mata, sem exclusividade.

Quarenta e um por cento são encontradas no Ambiente Ribeirinho, visto que 25% são exclusivos; deste também são registradas as formas maiores dessa classe.

A maior parte dos repteis campestres é mais facilmente encontrada na época chuvosa. Entretanto, os répteis maiores, como jacarés e tartarugas, habitantes do Ambiente Ribeirinho, são mais visíveis durante a estação seca, época que coincide com a postura.

Distribuição de Peixes por Bacias Hidrográficas

48% dos peixes ocorrem na Bacia Amazônica, 27% nos tributários da Bacia do Tocantins, 27% nos tributários da Bacia do Paraná e 25% ocorrem em ambas as bacias. A maior concentração dos peixes coincide com a época da seca, em particular junho, julho e agosto, quando acontece a piracema, ou seja, a subida para postura, seguida da descida dos cursos d'água por grandes cardumes.

Outros Recursos Animais

Multiplicam moluscos em certa quantidade no Ambiente Ribeirinho e na Mata como também, ao longo de paredões rochosos mais úmidos. A maior concentração acontece na estação chuvosa.
O mel silvestre pode ser encontrado em todos os ambientes, em especial no tronco das árvores e nas fendas rochosas. A época da coleta mais farta coincide com a estação chuvosa. Nesse sentido, as abelhas indígenas, meliponinae constituem um grande potencial a ser estudado e explorado racionalmente.


















































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