quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Bom para o Brasil, ruim para os brasileiros, péssimo para o Planeta



Por que será que a mesma grande imprensa nacional que tem acompanhado os inúmeros Fóruns Internacionais sobre o efeito estufa e as mudanças globais do clima anuncia com alarde, sem senso crítico e, às vezes, até com alegria a possibilidade do Brasil se tornar o eixo central produtor e exportador de etanol?


Será que não são percebidas as relações existentes entre as grandes monoculturas, despontadas a partir de 1970, e a grave situação ambiental atual?

O etanol, também chamado por alguns de combustível limpo, não é tão limpo assim. Se comparado aos combustíveis fósseis, é claro que a emissão na atmosfera de dióxido e monóxido de carbono por este combustível é menor. Entretanto, devem ser analisados todos passos e conseqüências para sua produção.

O primeiro passo para sua produção é a plantação da cana, fato que exige grandes áreas desmatadas, solos arados e de alta fertilidade natural. Quando os solos não apresentam a fertilidade necessária, faz-se a correção com adubos e calcários em alta escala, modificando os padrões originais do local e provocando os primeiros indícios de contaminação dos lençóis subterrâneos e cursos d'águas superficiais.

O segundo passo é a irrigação executada por grandes aspersores, que são alimentados por volumes imensos de água sugada dos cursos d'água próximos.

A retirada da cobertura vegetal natural provoca, na região do Bioma Cerrado, a diminuição da infiltração das águas das chuvas, fato que, a curto prazo, faz secar o lençol freático e, a médio prazo, provoca o mesmo fenômeno no lençol artesiano.

Todo tipo de monocultura, e a cana é a pior delas, provoca a extinção da biodiversidade, eliminando de forma acelerada diversas espécies de animais. Além disso, como conseqüência dos herbicidas, são dizimadas do local as chamadas plantas daninhas (algumas com grande potencial farmacológico).

O uso dos herbicidas, adubos e calcário provoca a morte dos micro-nutrientes do solo, contamina os lençóis subterrâneos e os cursos d'água superficiais.

A colheita da cana pode ser efetuada de duas maneiras: manualmente e mecanizada. A colheita manual socialmente cria a figura do bóia-fria. Antes do corte, atea-se fogo nas palhas secas, cujas plantações se espalham por milhares de hectares, aumentando a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera e exterminando os micro nutrientes do solo, criando um ciclo perigoso de saturação.

A colheita mecanizada dispensa grande quantidade de mão-de-obra, gerando o êxodo rural e todas as conseqüências que conhecemos.

Após o corte, a cana é transportada para as usinas, a fim de ser processada. O transporte é feito em caminhões com três lances de carrocerias, que recebem a denominação de treminhões. Na época do transporte, quem já teve a oportunidade de verificar o tráfego desses treminhões nas rodovias é consciente do perigo que eles causam.

Uma usina de médio e grande porte para moagem da cana consome alto teor de energia, que pode ser a vapor e elétrica.

No caso das usinas a vapor são necessárias centenas de toneladas de carvão. Fato que aumenta a demanda do desmatamento e multiplicação das carvoarias, pois não há florestas artificiais plantadas para esta finalidade que atendam a demanda. E, quando há, estas florestas geralmente de eucalipto foram plantadas nas áreas onde outrora existia a vegetação nativa. As perdas ambientais são enormes, pois há mais emissões de dióxido e monóxido de carbono na atmosfera e a perda da biodiversidade se torna irreversível, com a extinção de várias espécies de animais adaptadas à vegetação nativa e que, sem território, aos poucos vão desaparecendo da superfície da terra.

No caso das usinas elétricas o consumo de energia é tão grande que é necessária a instalação de sub-estações nas suas proximidades. Com o aumento da produtividade para atender o grande mercado mundial, a necessidade da produção de energia aumentará, o que exigirá uma crescente entropia no sistema hidrográfico brasileiro.

Os subprodutos

Dentre alguns dos sub-produtos da cana estão o bagaço e a vinhaça.

O bagaço atualmente é aproveitado de várias formas: entra na composição do fabrico de alimentos para animais e, quando seco, serve para produção de energia a vapor.

A vinhaça ou vinhoto é um sub-produto com alto grau de fermentação. Até pouco tempo não se conhecia tecnologia para seu aproveitamento e era jogada diretamente nos cursos d'água, poluindo estes e contribuindo para o extermínio da vida nos córregos e rios.

Atualmente, este sub-produto é processado através da diluição e conduzido por canais a céu aberto ou canalizado para uma central de bombeamento, que o dispersa entre as plantações para aumentar a fertilidade do solo. É uma substância corrosiva e não há estudos do seu impacto sobre os diversos tipos de fauna. Outros estudos, entretanto, demonstram que a biodegradação da vinhaça depositada nos canais e tanques após a fertilização libera odores desagradáveis, causando incômodo à população do entorno. Os gases liberados durante a decomposição são prejudiciais à saúde, principalmente amônia, sulfeto e marcaptanas, que também são formados a partir da presença do enxofre no meio.

Atualmente o volume gerado de vinhaça é muito maior que a demanda de aplicação no solo. Neste sentido, as áreas fertilizadas não aproveitam o total de vinhaça gerada e o excedente se torna um problema para o tratamento e disposição final.

De acordo com estudos de CHERNICHARO (1997), a digestão anaeróbica da vinhaça pode ser considerada como um ecossistema onde diversos grupos de microorganismos trabalham interativamente na conversão da matéria orgânica complexa em metano, gás carbônico, água, gás sulfúrico e amônia, além de novas células bacterianas.

De acordo com outros autores como ATSDR, (2002); MITCHEL (2002), os problemas de saúde decorrentes da exposição aos odores liberados em relação ao mercaptano de metilo é que sua inalação está associada a problemas neurológicos e de morte, embora não exista informação sobre os limites de concentrações e suas conseqüências para a saúde.

Além disso, a vinhaça, após sua aplicação na lavoura, permanece nos tanques, nos canais principais e secundários, em processo de decomposição, promovendo a proliferação de vetores de doenças.

O mito da geração de empregos
Todo grande empreendimento econômico, principalmente aqueles que degradam o meio ambiente, se apóia numa justificativa de que grandes oportunidades de emprego surgirão e a qualidade de vida das populações aumentará. Desde 1970, quando as grandes monoculturas foram implantadas no Brasil, este fator não aconteceu. O que temos hoje é um quadro desolador. As populações migraram para as grandes cidades, aumentando a miséria na periferia destas, a pobreza aumentou e não há plano diretor, planejamento ou governante que consiga apresentar uma solução plausível, pois quando se pensa que um problema foi resolvido, outros tantos surgem, em decorrência do "modelo econômico" concentrador que empurra as populações para as áreas urbanas.

Em termos ambientais herdamos a possibilidade de vivermos um futuro incerto com os rios secos e água potável cada vez mais difícil e cara. A derrubada em larga escala da vegetação nativa tem demonstrado que os gases cósmicos provenientes do Sol se concentram na atmosfera baixa da terra, aumentando o efeito estufa e o aquecimento global, cujas conseqüências, como inversão climática, aparecimento de furacões onde não existiram desde o início do Holoceno e tantas outras, são algumas que resultam desses tipos de grandes empreendimentos, que são protótipos do agronegócio predatório.

A grande expectativa da geração de emprego criada por empresários e governo não passou de um mito, cuja concentração de população no entorno da área produtiva gerou povoados e cidades mal planejadas, criou bolsões de miséria e aumentou em muito a prostituição infantil e a criminalidade.

Para manter este mito, os que lucram com a riqueza gerada pelo modelo manipulam estatísticas e fatos para iludir o povo.

Portanto, aqueles entusiastas pelo incremento da produção do etanol, atraídos pela possibilidade de altos investimentos de empresários e banqueiros internacionais, deveriam estudar um pouco mais a realidade brasileira, antes de saírem por ai afirmando em seus discursos que o Brasil tem a maior fronteira agrícola, tem sol em abundância, tem água e tecnologia avançada, deveriam perceber que hoje vivemos o ano de 2007 e não mais na época de Dom Pedro II.

Os fatores ambientais neste início de século XXI já chegaram no limiar da sustentabilidade.

(abril de 2007)

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