CLODOMIR DE MORAIS,
UM GRANDE GUERREIRO
UM GRANDE GUERREIRO
Faleceu no dia 25 de março de 2016 um grande brasileiro,
Clodomir Santos de Morais. Foi em Santa Maria da Vitória, na Bahia, às margens
do rio Corrente, onde ele nasceu e onde queria morrer. Incansável, respeitado
no mundo inteiro, trabalhou até seus últimos dias, prestes a completar 88 anos
de idade.
Jornalista, escritor, advogado, PhD em Sociologia e professor
universitário, ele foi líder das Ligas Camponesas no Pernambuco, base que o
elegeu deputado estadual ainda na década de 1950. Foi preso político antes de
1964, em pleno governo João Goulart.
Em 1962, ele havia ido ao Rio de Janeiro em nome das
Ligas pra buscar uma encomenda perigosa, quando foi apanhado numa blitz de
trânsito em um fusca repleto de armas e munições. Governador do Estado, o
ultrarreacinário Carlos Lacerda achou ótimo, e o manteve preso por vários meses.
No golpe de 1964, já de volta ao Pernambuco, teve
seus direitos políticos cassados e seu nome era o 12º na primeira lista de
prisões da Junta Militar. De novo na cadeia, dividiu uma pequena cela com o
educador Paulo Freire, até conseguir asilo na embaixada do Chile, que então
funcionava no Rio de Janeiro.
Exilado, virou professor da Universidade do Chile,
mas logo foi contratado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e trabalhou em
mais de uma dezena de países, como consultor em desenvolvimento agrário. E
lecionou em outras universidades mundo afora e no Brasil.
Nas conversas de prisão, aperfeiçoou seu método
de capacitação massiva, que inclui a Oficina de Organização (OW) e que originou
o lema “ocupar, resistir, produzir”, depois adotado pelo MST.
ORIGENS
De família humilde, Clodomir trabalhou na roça, fez
o curso primário, aprendeu música e foi auxiliar de alfaiate na sua Santa Maria
da Vitória. A cidade era o ponto final da ligação fluvial do Oeste da Bahia com
o resto do Brasil. Importante afluente do São Francisco, à época o Corrente recebia
barcos de todos os portes, as famosas gaiolas. Hoje está assoreado, só passam
botes acanhados.
Mas foi em lombo de mula que, aos 14 anos, Clodomir disparou rumo a São Paulo, em busca de uma nova vida. Lá, ganhava algum
dinheiro como alfaiate e como músico, tocando sax e clarinete em grupos de
bares, sem abandonar os estudos. Contudo, foi como operário, em uma linha de
produção da Ford, que ele se ligou às lutas sociais e se envolveu com
atividades sindicais, produzindo materiais impressos.
Logo que pôde, aos 22 anos, ele pegou a estrada de
volta e foi bater, primeiro, em Salvador, onde criou um jornal de oposição ao
governo baiano de então. Ano e pouco depois, porém, atraído pela atividade
política em Recife, mudou-se pra lá, ingressando no curso de Direito da Universidade
Federal do Pernambuco e atuando na imprensa local.
Foi repórter da Associated Press, do Jornal do
Comércio e da potente Rádio Clube do Recife, entre outras atividades como
jornalista. Foi neste período que conheceu o advogado Francisco Julião, que era
ligado aos trabalhadores rurais, e juntos fortaleceram o movimento Ligas
Camponesas, criado em 1945, com a tese de “reforma agrária, na lei ou na marra”.
Nas eleições gerais de 1955, Julião se elegeu
deputado federal e ele, estadual, pelo Partido Socialista (PS), embora ele
fosse ligado ao Partido Comunista, proscrito na época. Nessa função,
ele foi, também, autor do projeto que criou o Banco de Desenvolvimento do
Pernambuco (Bandepe), uma instituição de fomento. Por isso, costumava dizer,
com ironia: “eu sou um pé-rapado, mas criei um banco”.
ANDANÇAS
Ao ser contratado pela ONU, ele assumiu a função
de Conselheiro Regional de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural para a
América Latina. Entretanto, seu trabalho teve resultados de imediato, de modo
que, a pedido da organização, ele extrapolou os limites de sua atuação a vários
continentes.
Depois de passar alguns anos em Honduras e Costa
Rica, ele virou professor convidado da Universidade de Wisconsin, nos Estados
Unidos. E, na Revolução dos Cravos, que derrubou a ditadura salazarista em
Portugal, em abril de 1974, ele ajudou a montar a estrutura de fomento
agropecuário do novo governo, com a criação de 3.600 cooperativas de produtores.
Depois, passou dois anos no México, em projeto de
Ecologia e Desenvolvimento Sustentável, do PNUD. Em seguida, ministrou cursos
em Genebra, na Suíça, criados pela OIT e destinados ao treinamento de
sindicalistas rurais de vários países africanos.
Isto fez com que visitasse países que haviam deixado
de ser colônias na África, onde montou estruturas de capacitação de lideranças
rurais. Em seguida, ele se tornou professor residente da Universidade de
Rostock, na Alemanha, onde também cursou mestrado e doutorado em Sociologia.
Com a anistia, em 1979, ele voltou ao Brasil, e
virou professor da Universidade de Brasília (UnB), por convite do professor
Cristovam Buarque, então reitor. Neste período, Clodomir criou o Instituto
Iattermund, uma ONG dedicada ao trabalho de geração de emprego e renda em
várias partes do País.
Durante suas andanças, publicou duas dezenas de
livros, entre os quais o “Dicionário de Reforma Agrária na América Latina” e o
“Manual de Oficinas de Organização”, editado em 17 línguas e dialetos. Também
produziu alguns livros de poemas, que encontrava tempo pra escrever.
Por muitos anos, entrando na faixa dos 80 anos,
morou em Porto Velho, como professor da Universidade Federal de Rondônia. E, em
2013, resolveu voltar à sua terra natal, Santa Maria da Vitória.
Em verdade, porém, mesmo quando estava no exterior ele
mantinha trabalhos à distância ali, que incluíram a reorganização de sindicatos
de trabalhadores rurais e cooperativas em várias cidades da região.
Há muitos anos, sua casa em Sta. Maria foi
transformada em centro cultural e biblioteca pública, num projeto desenvolvido
pelo jornalista Joaquim Lisboa, o Quincas, também filho da terra e seu seguidor.
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