sábado, 10 de março de 2018

A PONTE DOS GOROTIRE E A ÁRVORE DA VIDA



Altair Sales Barbosa

Este artigo, refere-se a um texto escrito dentro dos padrões do conhecimento cognitivo ético, construído basicamente pelo que se denomina “ciência ocidental”.  É um guia de leitura, através do qual o leitor toma o rumo de uma ponte suspensa para tentar entender ou vislumbrar o que existe do outro lado da ponte. Pode ser que não exista nada, mas pode ser que outras tantas pontes possam existir e com isto conduzir o leitor para outras realidades e transformá-lo num andarilho que busca conhecer sempre mais.

Nesta constante busca o andarilho pode ou não se deparar com duas realidades cujas interpretações e interação podem muito bem alargar sua visão e daí muitas outras pontes suspensas, trilhas ou caminhos podem se descortinarem à sua frente. Essas duas interpretações mencionadas podem ser denominadas de “êmica e ética”.

A interpretação êmica reflete categorias cognitivas compartilhadas pelos povos ditos tradicionais, moradores antigos de certos territórios e portando conhecedores profundo desses ecossistemas.
A interpretação ética é a interpretação que segue regras metodológicas com propósitos analíticos. Isto não descarta da interpretação êmica a utilização de regras rígidas.

A interpretação de realidades diferentes, não é uma tarefa fácil, requer como pré-requisito que situações diferenciadas possam ser compartilhadas.

A PONTE QUE LINNEU ATRAVESSOU

Com a grande diversificação da vida representada por milhões de espécies vivas e por uma quantidade grandiosa de fosseis que representam espécies extintas, tornou-se necessário a criação de processos metodológicos, que fossem capazes de dar um mínimo de organização a esses seres e procurar estabelecer suas relações. A este processo dá-se o nome de classificação. A classificação tem quase o poder mágico de organizar o caos exterior e colocá-lo numa espécie de caminho condutor.

Algumas comunidades humanas de modo geral, sempre procuraram fazer este tipo de exercício atribuindo às plantas e animais, nomes que de uma forma ou de outra destacam alguma característica desses seres. Como por exemplo: sete-dores, tipo de planta que cura vários males; sofre-do-rim-quem-quer, planta que cura males renais; cachorro-do-mato-vinagre, animal parecido com cachorro e que tem a cor vinagre, porco-do-mato queixada, etc. E assim sucessivamente. O problema maior dessas classificações sem critérios bem definidos é que constantemente suas denominações mudam de acordo com os lugares. No caso do porco-do-mato queixada, hoje sabe-se que ele nada tem a ver com os porcos domésticos e estão bem mais próximos dos hipopótamos do que destes.

Este problema foi uma preocupação constante dos naturalistas e aparentemente quem primeiro colocou ordem na casa foi o botânico sueco Carolus Linnaeus, conhecido mais pelo nome de Linneus ou simplesmente Linneu. Este naturalista estabeleceu critérios rígidos de agrupamento de seres, que abriram em perspectiva a criação de um sistema classificatório. Dessa forma Linneu criou um sistema que mais tarde ficou conhecido como sistema binominal.

Lineu viveu de 1707 a 1778 e seus trabalhos foram fundamentais para os pesquisadores da época. Ele partiu de um sistema hierárquico, onde categorias maiores englobam muito mais seres. Estas categorias eram divididas em categorias menores até ao nível de espécies e raças. O nome binominal se aplica porque a identificação ocorre com o gênero sempre acompanhado da espécie. Linneu utilizou o latim para nomear seu sistema classificatório, dando desta forma um caráter universal ao mesmo. Quando Linneu publicou seu primeiro livro em 1735 conhecido pelo nome de Sistema Natural, este englobava apenas algumas centenas de espécies, mas quando o livro chegou à decima edição em 1738, já reunia mais de 4.200 espécies de animais e 7.200 espécies de plantas. Posteriormente aos trabalhos de Linneu o biólogo de origem alemã Ernst Hacker (1834-1919) unindo conhecimentos do próprio Linneu e de Charles Darwin, deu um avanço importante na taxonomia criando a ideia de filogenias mais complexas, tendo como base as próprias noções de Darwin baseadas no progresso evolutivo.




Com a evolução da genética evolutiva, era natural que as idéias propostas por Linneu fossem sendo aperfeiçoadas. Isto aconteceu após estudos minuciosos do entomologista alemão Willi Hennig, que viveu entre 1915 e 1976 e na década de 1950 propôs outro sistema classificatório denominado “sistemática filogenética ou cladística.” A cladística trouxe novos horizontes para as classificações biológicas e de certa forma, novas contribuições para descobertas evolutivas e relações entre os seres. Usa como elemento chave o que se denomina clado, que é definido como um grupo de organismos unidos, em algum ponto de sua história evolutiva, por um ancestral comum a todos e inclui a espécie ancestral e todos os seus descendentes.
Um cladograma é uma hierarquia de espécies, ou de grupos maiores de organismos, baseada em sua história evolutiva e desenvolvimento. Analisa tanto as características externas preservadas no registro fóssil, quanto as informações genéticas fornecidas pelos organismos vivos. Usando sofisticadas técnicas de análise, é possível identificar as semelhanças e as diferenças entre as espécies, descobrir a sequência das divergências que deram origem a novas linhas evolutivas e até mesmo estimar há quanto tempo essas divergências ocorreram. Pela classificação das espécies em clados enraizados uns nos outros, os biólogos reconstituem a história da vida com um detalhamento impressionante.


AS VISÕES DE OUTRAS PONTES
As ditas academias deram até então pouca importância aos que muitos denominam as vezes até sem conhecimento de causa e conceitos claros, saberes tradicionais. Entretanto os trabalhos pioneiros derivados da etnologia, como o etnobotanica, a etnobiologia, a etnozoologia, a etnomusicologia, etc, tem de certa forma contribuído para romper esta barreira e procurar caminhar no sentido de uma integração de saberes. Este fato poderia causar uma revolução pedagógica, pois certamente iria utilizar como premissa primordial a interdisciplinaridade, o diálogo, no pleno sentido Paulofreidiano e a atenção para outras realidades e cosmovisões.

Posey (1992) um dos pioneiros nos trabalhos de etnozoologia constata que:
Com a utilização de conceitos indígenas, por outro lado, atalhos ou mesmo revolução na investigação científica podem ocorrer através do apropriado método  científico de geração de teste e hipóteses. Nenhum etnobiólogo defendeu ou defende que o conhecimento tradicional seja aceito prontamente, mas sim que tais afirmações sejam usadas para ajudar pesquisadores na procura de categorias ou relações desconhecidas do conhecimento etc, para propor hipóteses voltadas a testar os conceitos indígenas.

Através desse modo de investigação, novas espécies e subespécies de abelhas foram “descobertas” a partir de especialistas nativos; compostos ativos de interesse foram incluídos em laboratórios como resultado de pesquisas etnofarmacológicas desenvolvidas em  conjunto com pajés; dietas animais foram analisadas com o auxílio de hábeis caçadores, estudos etológicos pioneiros de espécies pouco conhecidas foram desenvolvidas com a ajuda de especialistas indígenas; e complexas relações solo-planta-animal foram descritas partir de agricultores experientes.
As decisões que os cientistas tomam na proposição de hipóteses baseadas no conhecimento indígena revelam a natureza arbitrária desta etapa básica da busca científica uma vez que os pesquisadores frequentemente precisam excluir de suas considerações os elementos  “improváveis” e “inacreditáveis” presentes nos relatos de informantes. Entretanto, o que é “improvável” e “inacreditável” em geral reflete mais a inabilidade dos pesquisadores  em reconhecer a “realidade” indígena do que qualquer critério científico real. A proposição e o teste de hipóteses provê a ponte metodológica e teórica necessária para interligar a pesquisa científica com o conhecimento tradicional.

Certamente a integração com os ditos conhecimentos tradicionais, poderá conduzir a alguma ponte que ilumine a busca para a solução dos problemas ambientais, sociais e humanísticos, que ainda não tivemos a capacidade de resolver.




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