sábado, 22 de outubro de 2016

LENDA DO CÉU




Mario de Andrade


Andorinha... andorinha...
Andorinha... avoou,
Andorinha caiu,
Curumim a pegou.

- Piá, não me maltrata não.
Eu levo você pro mato
Enxergar bichos tamanhos
E correr com os guanumbis...

 O menino brincava...
Andorinha sofria...
E dum lado pro outro
Atordoada gemia.

- Piá, não me maltrata não.
Eu levo você pro mar,
Ver as ondas, ver as praias,
Ver os peixinhos do mar...

 O menino malvado
Taperá machucou.
E já morre morrendo
A coitada falou:

- Piá, não me maltrata não...
Eu levo você pro céu...
Lá você acha sua gente
Que faz muito que morreu.
Assegura em minhas penas,
Vamos embora com Deus...

 Andorinha... andorinha...
Andorinha... avoou...
Foi subindo pro céu...
Curumim carregou.

- Assegura bem, menino,
Não olha pra baixo não.
Não tem saudade do mundo
Que o mundo é só perdição.
  
E avoando... avoando..
Afinal se chegou.
Andorinha desceu,
Curumim apeou.

Abriu os olhos e viu.
Era o céu... ôh boniteza!
Tinha espingarda, gangorra...
Estilingue, tinha bichos
E tinha tantas surpresas
Que era mesmo um desperdício.

Olha um cachorro janguar...
Olha a ave seriema...
Olha aquelas Três Marias...
Da gente bolear nhandus!..
Era que nem um pomar
Com tanta fruta aromando
Que o ar ficava... que ficava...
Bonzinho de respirar.

O curumim caminhava
Seguindo os postes da linha,
Lá pelo varjão se ouvia,
De uma fordeca chispada,
E no meio-dia quente
Amolegando maneiro
Um aboio tão chorado...
Que acuava no corpo doce
O sono do brasileiro.

Tinha mandioca e açaí,
Mate, cana, arroz, café,
Muita banana e feijão.
Milho, cacau...Tinha até
Pra lá do cercado novo
Cheio de taperebás
Um rancho do nosso povo
Com seu mastro de São João.

No galpão um homem comprido
Deuma quente morenês,
Com a pele bem sapecada
Pelo sol deste país,
Gemia numa sanfona
Uma mazurca tão linda
Que se parava um bocado
O ouvido cantava ainda.
  
O menino olhou pro homem
E gritou: - B’as  tarde, tio...
- Meu sobrinho... entra no rancho,
Nossa gente já esta aí.

E o piá se rindo, matava
A saudade do coração.
Tomava a benção da mãe...
Do pai... abraçava o irmão...
Afinal topou com o primo
Que era unha e carne com ele
E comovidos os dois,
Os dois se deram a mão.

E foram brincar pra sempre
Pelos pagos abençoados
Do meio dia do céu.

No céu sempre é meio dia...
Não tem noite, não tem doença
E nem outra malvadez...
A gente vive brincando...
E não se morre outra vez.



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