sábado, 6 de agosto de 2016

MITO DA MANDIOCA



Altair Sales Barbosa

Conta uma antiga narrativa dos índios Pareci, atualmente habitando no Estado de Mato Grosso, que quando estes ainda viviam em abrigos rochosos e não tinham aprendido as técnicas da agricultura, um índio por nome de Zatiamare e sua mulher Kôkôtêrô tiveram um casal de filhos gêmeos, o menino nasceu com a cor da pele de seus pais, mas a menina era toda branca.

Deram ao menino o nome de Zôkôôiê e à menina o nome de Atiôlô. Desde muito cedo o pai desprezava a menina e dispensava todo carinho ao filho. Nunca dirigiu uma palavra à menina, sempre lhe respondia por meio de assobios.

O tempo foi passando, até que um dia Atiôlô, cansada daquela situação, pediu a sua mãe que a enterrasse viva. Depois de muita resistência Kôkôtêrô resolveu atender ao desejo da filha. Esta para convencer a mãe disse:
-  Se a senhora atender ao meu pedido fará uma grande ação para nosso povo.

Kôkôtêrô então saiu com a filha Atiôlô e cavou uma cova bem no meio do cerrado. Foi quando Atiôlô falou:

- Neste lugar a terra não é boa para a planta que eu quero. E, eu sofrerei muito com o calor.

Kôkôtêrô procurou então outro local e levou a filha para uma campina. Atiôlô novamente pediu à mãe que a levasse para um local mais fresco.

Kôkôtêrô cavou então uma cova no meio da mata. Atiôlô pode então dizer:

- Aqui está bom, volte para a aldeia e quando eu gritar não olhe para traz.

Depois de muito tempo Kôkôtêrô, ouviu um grito muito forte. A mãe então correu ao local onde enterrara a filha. Ao chegar, avistou um arbusto. Esta então o puxou com força e viu suas raízes todas branquinhas, igual a filha. Era a mandioca.




Obs.: esta narrativa sobre a origem da mandioca é encontrada entre vários povos indígenas. Porém, há variações em sua narração, prevalecendo apenas o foco central do sepultamento. 

Informações Botânicas

A mandioca é um recurso vegetal classificado como pertencente a Classe das Dicotiledôneas, à Ordem Euphorbiales, à Familia Euphorbiaceae e ao Gênero Manihot.

Existem várias espécies de outras plantas pertencentes ao gênero Manihot, entretanto a espécie comestível que nós conhecemos é classificada como Manihot esculenta (Crantz). Anteriormente na literatura mais antiga, recebia a denominação de Manihot utilíssima, classificação de Phol. Esta classificação foi substituída pela de Crantz.

A planta é representada por um arbusto, que armazena tanto nos caules como nas folhas, glicosídeos cianogênicos, mas esta concentração é variável de subespécie para subespécie, de região para região, dependendo das condições do solo.

Entre os glicosídeos cianogênicos o mais comum e abundante é a linamarina que é produzida nas folhas e transportada até as raízes. Nas raízes a linamarina em contato com uma enzima denominada linamarase, libera um ácido denominado cianídrico, que dependendo da quantidade, faz o gosto da mandioca se tornar mais amargo ou mais doce.

Daí surge a denominação de mandioca amarga ou brava e mandioca doce ou mansa, conhecida em algumas regiões do Brasil pelas denominações de aipim, macaxeira etc.

Quando a concentração do ácido anídrico for excessiva a mandioca é tóxica para o consumo humano. Mas felizmente o ácido anídrico é muito volátil e perde rapidamente com o cozimento da mandioca ou sua exposição ao sol. Por isso embora haja diferenças populares para classificar a mandioca como mansa ou brava etc, sua classificação científica é uma só, como já foi mencionado Manihot esculenta. Também atualmente é conhecida apenas uma subespécie denominada esculenta. Portanto, a mandioca que é utilizada na culinária brasileira é classificada cientificamente como Manihot esculenta esculenta.

A população brasileira inclina-se a utilizar mais a mandioca mansa para o consumo “natural” e cotidiano. Ao passo que utiliza a mandioca brava para processar inúmeros produtos, também consumidos pelo homem, mas após pequeno procedimento industrial, que exige exposição ao sol ou processamento ao forno.

Produtos da Mandioca

Maniquera ou Manicuera
É uma aguardente que se extrai da mandioca ralada e fermentada. É destilada em alambique de barro ou cobre, tem excelente sabor e seu teor alcoólico fica entre 38o a 40o.



Maniçoba
Prato preparado com folhas novas de mandioca, em seguida pisadas num pilão e espremidas para se obter um caldo. O caldo é cozido com toucinho ou carne com pedaços de ossos. Há variações regionais, com modificações de alguns ingredientes e de carnes. O segredo do prato é deixar cozinhar por longo tempo.



Crueira
Raspa de mandioca brava, desidratada ao sol em um girau. Após totalmente seca as raspas são trituradas em um pilão e peneiradas, resultando num tipo de amido, que é dissolvido na água quente formando um mingau ralo, recebendo o nome de chotão, utilizado na alimentação infantil com auxílio de mamadeira. A crueira também usada para fazer cremes, papas, bolos, pudins etc.





Beijús
Espécie de pão do sertão, feito da massa ralada e torrada da mandioca, bem como do amido. Há vários tipos:

Beijú de Massa – Feito da massa grossa da mandioca, que é torrada em forno de pedra ou caçarola. Os indígenas usavam vasilhames de cerâmica, sem corpo, para processarem esse tipo de beijú.

Beijuzinhos – Também feitos da massa grossa da mandioca. São pequenos e modelados com as mãos. Depois de torrados ao forno de pedra, podem ser consumidos de imediato, mas geralmente eram guardados em “tuias” junto com a farinha de mandioca, para época de penúria, como reserva alimentícia.


Beijú de Lenço – Trata-se de um beiju refinado, feito de polvilho úmido, peneirado em peneira de malha fina, numa frigideira ou vasilhame raso de cerâmica, onde é torrado e dobrado imitando um lenço de bolso de paletó.

Pão-de-Índio
Grande quantidade de farinha torrada, envolta por uma camada de argila, formando uma grande bola que é coloca ao sol para secar. Após este processo a bola é enterrada em lugar seco e aí pode passar longos períodos. Em ocasiões de muita escassez, os indígenas retiram a bola e depois de fragmentá-la, a jogam numa grande vasilha com água (pode ser de cerâmica, um cocho de madeira ou mesmo uma pequena represa). A argila por ser pesada, vai para o fundo da água e a farinha flutua. Esta então é recolhida com carinho, torrada novamente e utilizada para consumo.


Polvilho
Em algumas regiões do Brasil este produto recebe também o nome de tapioca. O polvilho pode ser produzido tanto da mandioca mansa quanto da mandioca brava.

O processo de produção inicia-se com a mandioca descascada e ralada. Após este procedimento coloca-se a massa em um pano de algodão, este é amarrado nos quatro cantos formando uma espécie de rede. A massa é colocada aos poucos e lavada com água, sempre na medida adequada. O caldo é aparado num vasilhame grande, colocado abaixo da rede.

A parte pesada desse líquido leitoso (amido) vai para o fundo do vasilhame. No dia seguinte é retirada a água com cuidado, ficando apenas o amido.

Em seguida, com auxílio de uma espátula feita de madeira, retira-se com cuidado a parte superior do amido, que se chama lodo. Ele é um pouco escuro, meio marrom esverdeado (que após seco, serve para fazer sabão).

O amido mais claro é retirado e novamente lavado passando no pano como na etapa anterior. No dia seguinte, retira-se a água. Se ainda tiver lodo, novamente é retirado.

Com auxílio de uma espátula retira-se o polvilho em pedaços grandes, colocando estes esparramados sobre um girau, forrado com pano de algodão. Deixe ao sol para evaporação da água. Antes que seque totalmente, este é quebrado e passado em uma peneira fina.  Devolva o polvilho peneirado para o girau, cubra com um pano e deixe-o secar totalmente, revirando-o algumas vezes até que fique totalmente seco. Pode ser armazenado por muito tempo.

Polvilho Azedo
O polvilho azedo é produzido da mesma forma. A diferença é que o polvilho doce fica na água apenas 1 dia e o polvilho azedo é deixado na água para fermentar por 15 a 20 dias, dependendo da temperatura da região.
Ambos os produtos geram inúmeros subprodutos, que são usados em sobremesas, quitandas e outros complementos alimentares.


Puba
A puba é um produto feito principalmente da mandioca “brava”. Os tubérculos após descascados são cortados em tamanho médio de 10 a 15 cm e colocados num vasilhame com água para fermentação. Após a concretização desta, os pedaços são colocados para secarem sobre um girau, ao sol. Após totalmente secos os pedaços são triturados manualmente e esfregados em peneira para obtenção do produto que recebe o nome de puba. Dependendo do tamanho da malha, obtém-se um produto mais fino ou mais grosso. 

Este tipo de produto, com granulação variada, uma vez torrado origina-se a farinha de puba, muito apreciada nos cardápios com peixes. A puba gera uma infinidade de subprodutos, dependendo da criatividade, como sorvetes, bolos, biscoitos etc.


Farinha de Mandioca
O processo de produção da farinha, inicia-se com a mandioca descascada e ralada. A massa da mandioca deve ser levada a uma prensa que pode ser um tapiti ou tipiti, instrumento tubular feito de folhas de palmeiras trançadas. Após encher o tapiti, prende a parte superior deste em um gancho no alto e na inferior coloca uma pedra, para que este fique bem esticado. Também se utiliza um pedaço de madeira para torcê-lo e fazer sair o excesso de liquido. Outra forma é a utilização de um recipiente, cuja parte superior funciona como uma prensa.

Depois de algumas horas, retira a massa da prensa ou do tapiti, passe-a por uma peneira e leve ao forno apropriado para torrar a farinha, mexendo sempre com uma enxada de madeira, até estar totalmente seca e levemente dourada.
Massa da Mandioca
A massa da mandioca é o produto oriundo da mandioca ralada. Desse produto deriva uma infinidade de outros, desde a própria farinha, o polvilho, a cachaça etc.

Como pode-se observar a mandioca fornece inúmeros produtos que podem ser chamados de produtos primários, aqueles resultantes do primeiro processamento e produtos secundários resultantes da transformação dos produtos                            primários. 


Alguns são famosos na culinária brasileira como por exemplo o mané-pelado, bolo feito à partir da massa da mandioca; a peta biscoito feito tanto do polvilho doce, como azedo e assado ao forno; pão de queijo; biscoito de queijo; biscoito frito, cuja massa é frita em gordura quente; paçoca de carne seca, feita no pilão cujos ingredientes são carne seca frita com temperos e farinha de mandioca. 

Além desses, dos produtos secundários pode se fazer desde mingaus, sagus, inúmeras espécies de quitandas e até uma espécie de cola denominada goma ou grude utilizada para colar utensílios e fixar corantes minerais na preparação de tintas.  

 A mandioca ainda pode ser consumida cozida ou frita e acompanhar diversos ingredientes em pratos da culinária brasileira. 




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