Altair Sales Barbosa
Iniciou a estação das
chuvas, a atmosfera certamente ficará mais limpa das poeiras, das fuligens oriundas
das últimas queimadas, o calor será amenizado e até os rios começarão a ter
mais águas, algumas represas iniciarão a retomada de suas reservas e assim por
diante. Essas pequenas amenizações farão até que esqueçamos que há bem pouco
tempo estávamos vivenciando um período caótico de seca e assim, a vida
continua...
As águas que enchem os
rios, logo vão parar no mar, aquelas que precipitam sobre as áreas urbanas vão escoar
rapidamente e terão suas chances diminuídas para infiltração nos solos, porque
esses se encontram impermeabilizados pelo asfalto. Logo surgirá um pequeno
veranico e este será capaz de despertar novamente nas memorias, de que os rios
estão secos e que temos que enfrentar novamente a falta d’água. Termina o
veranico e tudo se apaga das memórias. Tudo parece voltar ao normal. Até que a
estação seca chegue novamente, aí recomeçam movimentos, seminários, críticas,
audiências públicas etc. E assim, o ciclo deve continuar por mais uns cinco a
dez anos, quando as águas dos córregos, dos poços e dos rios desaparecerão por
completo e então será tarde demais. Isto acontece porque nos falta entender que
a Terra é um sistema dinâmico, cujos elementos não estão superpostos, mas
interagem formando complexos ecossistemas.
Dessa forma também
funciona o Sistema do Cerrado, de cujo equilíbrio dependem as outras matrizes
ambientais brasileiras. Aliás, nem sei porque ainda faço esta afirmação, pois
já venho falando isto há mais de quarenta anos. O padrão pluviométrico do
cerrado, já enfrentou diversos impactos naturais, como Glaciações, El Niño, Lá Niña,
mas de modo geral, tem permanecido o mesmo por milhares de anos. Como prova desse
quadro é a adaptação das plantas ao regime pluviométrico de duas estações
definidas, uma seca outra chuvosa. Entretanto, a quantidade de água que hoje
dispersa do cerrado vem diminuindo de forma significativa e irreversível pela
ação do homem.
Uma dessas ações pode
ser caracterizada pela retirada da cobertura vegetal nativa, impedindo dessa
forma a retenção das águas pluviais nos lençóis subterrâneos, que são
alimentadores de cursos d’águas superficiais. Outras ações se caracterizam pela
captação das águas dos rios para irrigação em larga escala, a água dessa forma
se perde pela evaporação. Outros fatores que provocam defluências do curso
superficial principal em grandes proporções para canais longos e profundos,
podem provocar de forma parcial ou irreversível o desaparecimento do corpo
hídrico que os alimenta.
O fenômeno da
urbanização que assola a contemporaneidade, com pavimentação que cobre grandes
espaços, favorece o escoamento rápido das águas das chuvas, que por sua vez pouco
infiltram no solo, provocando cheias ou enchentes que trazem como consequências
transtornos urbanos e o mais grave ainda é que impulsionam as águas na direção
da calha dos corpos hídricos que com o aumento da velocidade chegam mais rápido
aos oceanos.
A retirada da cobertura
vegetal natural acelera os processos erosivos, que por sua vez provocam os
assoreamentos. Mas a parte da água continental mais afetada trazida pelas
chuvas é aquela que forma o sistema de águas subterrâneas, que é um reservatório
no ciclo hidrológico, que se localiza abaixo da linha do solo. A fonte imediata
da água subterrânea é a precipitação que infiltra no solo em virtude de
diversos fatores como porosidade e captação pelas raízes da plantas, embora a
fonte imediata seja a precipitação a origem e destino final dessas águas são os
oceanos.
Essas águas são
depositadas num primeiro momento nas camadas superficiais do solo, formando o
lençol freático, que uma vez saturado penetra lentamente até encontrar
impermeabilidade, formando ao longo de muito tempo os lençóis profundos
denominados de lençóis artesianos ou aquíferos. Os aquíferos do cerrado se
localizam entre os poros de rochas sedimentares, mas também são encontrados nas
galerias cársticas que foram delineadas pela história evolutiva do planeta. Seu
deslocamento é lento, todavia, mais dias, menos dias, chegam aos oceanos, para
iniciarem um novo ciclo hidrológico. Os aquíferos são responsáveis pelas
nascentes que dão origem a maioria dos rios do cerrado. Sua existência está na
dependência das águas precipitadas e de suas captações principalmente pelas
vegetações de raízes profundas e de sistemas radiculares complexos. Se a
vegetação for retirada ocorre considerável variação da quantidade de água
contida nos aquíferos, o que pode culminar com seu desaparecimento, por isso não
basta apenas olharmos para a atmosfera esperando as chuvas, temos que ser
vigilantes com o que acontece ao nosso redor e lembrarmos mais uma vez, das
reservas de água que ainda se encontram debaixo dos nossos pés, porque o dia
que essas reservas desaparecerem, certamente surgirá uma situação de caos
social, com consequências inimagináveis.
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