sábado, 23 de setembro de 2017

ANTROPOCENO


Altair Sales Barbosa

De um tempo para cá, mais precisamente a partir da aurora do século XXI, teve início entre algumas pessoas que discutem as questões ambientais, um movimento para incluir mais uma época na escala geológica, denominada Antropoceno e que ocuparia na escala geológica o local após o Holoceno. Esta iniciativa e a criação desta nova época tem como objetivo caracterizar as modificações que o ser humano vem causando no planeta Terra, principalmente a partir da revolução industrial. Ninguém discute a magnitude das modificações causadas pelo homem dentro desse período. Todavia, qualquer modificação de ordem cosmológica, atmosférica ou geológica, provoca modificações muito mais amplas e de magnitudes maiores que todas aquelas causadas pelo homem em toda a sua breve história no planeta.

Por exemplo, uma erupção vulcânica de porte médio é capaz de lançar na atmosfera mais quantidade de CO2, que toda a queima de combustível fóssil já executada pelo homem, o deslocamento de placas tectônicas já tem provocado terremotos superiores às escalas de magnitude 8, causando transformações às vezes indescritíveis. Ilhas novas tem aparecido nos últimos tempos nos oceanos, sem a interferência humana, da mesma forma nos deltas dos rios, como consequência do transporte de sedimentos; Regimes climáticos diferenciados aparecem ciclicamente causando imensos transtornos na superfície da Terra, como consequência da ação de El Niño, La Niña, e outras alterações oriundas das correntes de convecção que circulam no manto da Terra, por debaixo da crosta, onde não existe a mínima possibilidade de intervenção humana.

Essa rápida introdução é simplesmente para ilustrar que a inclusão de uma nova época, baseada nas modificações causadas pelo homem, não tem sentido dentro de uma ampla escala geológica de temporalidade dos fenômenos, porque os parâmetros são diferenciados.

A escala do tempo geológico é o resultado de pesquisas que foram intensificadas no século XIX. Durante várias décadas de pesquisas os geólogos reuniram informações fragmentadas de numerosas exposições de rochas e puderam construir uma cronologia sequencial baseada nas mudanças da biota da Terra, através dos tempos. Com a descoberta da radioatividade, em 1895, associada ao desenvolvimento de várias técnicas de datação radiométrica, os pesquisadores puderam atribuir idades absolutas em anos e assim construíram uma escala geológica mais precisa.

A bússola, que orienta esse raciocínio, é o princípio do uniformitarismo, que se baseia na premissa de que os processos atuais tem-se operado através do tempo geológico.

O uniformitarismo não exclui acontecimentos súbitos ou catastróficos, tais como deslocamento das placas tectônicas, terremotos, tsunamis, vulcões, deslizamentos, inundações etc. mas chama a atenção para o fato de que para entender os acontecimentos passados torna-se necessário entender os processos atuais e seus resultados.

Outro importante ensinamento do uniformitarismo explicita que as velocidades e intensidades dos acontecimentos não obedecem padrões temporais regulares, mas, mesmo assim, as leis físicas e químicas da natureza tem permanecido as mesmas. A Terra é um planeta mutante e as forças que modelaram o passado são as mesmas que operam hoje.

Assim, de modo geral, desde que houve a formação das primeiras rochas no planeta Terra, a Geologia tem conseguido contar essa história, que na maioria das vezes, se nos apresenta de forma horizontal contínua, mas outras vezes as camadas geológicas se apresentam fragmentadas, dobradas e até cheias de intrusões. Mas o mais importante é que cada evento se nos apresenta como se fosse páginas de um livro as vezes intactas, rasgadas, ou dobradas. O especialista é capaz de ler o conteúdo destas páginas e, através dessa leitura, sequenciá-las e montar um grande livro que conta a história do Planeta. Os pesquisadores, geólogos, paleontólogos, físicos, químicos, geomorfologistas, e antropólogos dividiram este livro em grandes capítulos, aos quais deram o nome de Eras. Esses capítulos se subdividem em capítulos menores, que são denominados Períodos, que por sua vez se subdividem em capítulos menores, denominados Épocas, que também possuem divisões, mas que não iremos enfocá-las para não fugir do essencial.

Dessa forma, pode-se organizar os capítulos desse livro partindo dos mais antigos para os mais modernos ou, se preferir, a analogia partindo dos primeiros capítulos escritos até os que ainda estão sendo formatados.

O primeiro grande capitulo dessa história iniciou-se por volta de 4 bilhões e 600 milhões de anos e recebe o nome de Era Pré-Cambriana, que se divide em dois períodos: O primeiro, denominado Arqueozoico, dura até 3 bilhões e 500 milhões de anos passados, quando inicia o Proterozoico. Os guias que serviram de referência para a separação dos dois períodos foram o aparecimento da vida na forma de bactérias e alguns tipos específicos de rochas.

O Período Proterozoico vem até 600 milhões de anos, quando uma explosão de vida invertebrada, incluindo os trilobitas, se multiplica nos mares da Terra.

Nesse período começa a se formar o grande continente da Pangeia. A partir de 600 milhões de anos surge outro grande capitulo da história da Terra, denominado Era do Paleozoico. Essa Era se divide em capítulos menores denominados: Cambriano, Ordoviciano, Siluriano, Devoniano, Carbonífero e Permiano. Cada um desses capítulos, denominados Períodos, tem suas peculiaridades. O Permiano, que é o mais recente dentro da Era do Paleozoico, se caracteriza pela fragmentação lenta do supercontinente Pangeia em dois grandes blocos, um ao norte de onde hoje se situa a linha do Equador, denominado Laurásia, outro ao sul denominado Gondwana. Caracteriza-se também pelo aparecimento dos primitivos répteis e pela formação da camada de Ozônio na atmosfera terrestre. O Período Permiano termina por volta de 220 milhões de anos, quando se tem início a Era do Mesozoico. Esta Era se caracteriza pelo extraordinário desenvolvimento da vida terrestre, principalmente os repteis. Está dividida em capítulos menores e, cada qual como os anteriores, possui suas peculiaridades. Estes capítulos são: Triássico, Jurássico e Cretáceo.

O Cretáceo termina por volta de 65 milhões de anos e é caracterizado na sua fase inferior pela fragmentação da Gondwana, que culmina na sua fase superior, com a cisão entre América do Sul e África; Na formação do Atlântico Sul e no aparecimento da cadeia Meso-Oceânica. Foi ainda no Cretáceo que se deu a extinção dos grandes répteis.

Após o Cretáceo, inicia-se o último capítulo da história geológica da Terra denominado Era do Cenozoico. Esta Era se caracteriza principalmente pela grande dispersão e diversificação dos mamíferos, oriundos da evolução de certas espécies de repteis.

A Era do Cenozoico, ou simplesmente Era Cenozoica, se divide em dois grande períodos. O primeiro denominado Terciário engloba capítulos menores denominados Épocas. A mais antiga é a Época do Paleoceno, seguida das Épocas Eoceno, Oligoceno, Mioceno e Plioceno. O Período Terciário se caracteriza por vários movimentos tectônicos e epirogenéticos. A Época do Plioceno termina há cerca de 2 milhões de anos, quando inicia o Período Quaternário. Este período engloba duas épocas, denominadas Pleistoceno e Holoceno. O Pleistoceno dura de 2 milhões de anos até 11 mil anos. É marcado por grandes eventos glaciais no Hemisfério Norte, pelo aparecimento do gênero Homo e por grandes mudanças climáticas e fisionômicas que afetaram os continentes. O final do período glacial há 11 mil anos, marca o início do Holoceno, época geológica que vivemos atualmente.

A história do homem na Terra é bem diferente, porque trata-se de um ser muito novo na escala evolutiva da vida. E de forma bem generalizada engloba dois capítulos: o capitulo da Pré-história e o capitulo da História.
O capitulo Pré-histórico inicia-se com o aparecimento do gênero Homo na Terra e se subdivide em capítulos menores denominados Paleolítico, Mesolítico e Neolítico.

O Paleolítico se subdivide em capítulos ainda menores, caracterizados por tipos de humanoides e pelas técnicas de lascamento de pedras. Assim temos o Paleolítico Inferior que inicia-se por volta de 2 milhões de anos e termina por volta de 800 mil anos e é caracterizado pela presença e domínio do Homo-habilis.  Em seguida vem o Paleolítico Médio que abrange o espaço de tempo situado entre 800 mil a 150 mil anos Antes do Presente e é caracterizado essencialmente pela presença marcante e irradiação do Homo-erectus. Após o Paleolítico Médio, vem o Paleolítico Superior, onde existe a ocorrência do Homo-sapiens primitivo até 40 mil anos, quando surge após esta data, o Homo-sapiens-sapiens. A partir de 10 mil anos o Homo-sapiens-sapiens introduz algumas mudanças nos hábitos e nos comportamentos do Homo-sapiens-sapiens do Paleolítico Superior. Isto decorre das mudanças climáticas provocadas pelo final da glaciação. É a partir de então que o homem passa a ser um grande consumidor de moluscos, formando grandes amontoados de conchas conhecidos como sambaquis. Este período da Pré-história dura de 10 mil a 8 mil anos Antes do Presente e recebe a denominação de Mesolítico.

Depois desta etapa o homem começa a domesticar os vegetais, dando origem a uma grande transformação no modo de viver de alguns seres humanos, que optam por esse caminho ou que tenham oportunidade de descobrir, aprender e utilizar essa tecnologia. Surgem os pequenos campos de cultivos e as aldeias. Este período pré-histórico é conhecido como Neolítico.

Após o Neolítico, as inovações tecnológicas acompanhadas de grandes transformações sociais foram muito aceleradas. E, a cada nova invenção, diminuía o tempo de novas transformações. Vieram a domesticação dos animais, a utilização dos metais fundidos, a invenção da escrita e outros inventos. E assim, a humanidade entra no seu Período Histórico, que alguns dividem em Idade Antiga, Media, Moderna e Contemporânea, embora seja difícil de precisar claramente as diferenças entre uma idade e outra.

Também é importante salientar que este raciocínio linear só se aplica a uma parcela da humanidade, notadamente a parcela que modelou o mundo ocidental. O que não significa que comunidades humanas que por oportunidades ou opções, escolheram modos de vida menos complexos, sejam inferiores.

A evolução cultural tem significado, por um lado, a organização do homem em grupos sociais que tem gerado problemas demográficos, problemas de saúde, problemas de educação, problemas institucionais etc. Por outro lado, a evolução cultural agregou, ao fluxo básico de energia, de informação e de circulação de matéria, o fluxo do dinheiro como resultado dos intercâmbios e das transações, gerando assim uma série de variáveis econômicas relacionadas com produção, capital, trabalho, comércio, indústria, consumo, níveis de preços, planificação de inversões, maximização de ganho, transferências de tecnologias etc. A utilização das diversas tecnologias originou diversas manufaturas, como: artesanato, instrumentos, maquinários etc. Como também deu origem a uma grande quantidade de ecossistemas artificiais, cidades, metrópoles, megalópoles, campos de cultivo, áreas de pastoreio, pastagens artificiais, represas, canais de regadio, rodovias, vias férreas, aeroportos, grandes usinas, complexos atômicos etc.

Embora o ser humano seja um elemento muito frágil em relação a Terra, tem sido ele o principal responsável pelo enorme prejuízo causado a outros seres vivos. Além disso, é evidente que o homem  danificou inúmeros ambientes e alguns ecossistemas da Terra de maneira irreversível, mas nada disso justifica a criação de uma nova época geológica, porque os parâmetros utilizados para essas avaliações se baseiam na escala temporal da vida humana e sempre raciocinando como se o homem fosse o centro de todo processo, sem levar em consideração o princípio de auto regulação da Terra.

Os defensores da criação de uma nova época, denominada por eles de Antropoceno, defendem que o início desta poderia muito bem se situar na revolução industrial, que então seria o marco para o início do Antropoceno. Na realidade o que mais caracteriza a sociedade moderna e que tem se caracterizado no grande paradigma da contemporaneidade é a dicotomia Homem-Natureza, ou seja a desnaturização do homem. Entretanto existem causas mais antigas e mais fortes que as produzidas pela revolução industrial, que tem impulsionado a desnaturização do homem. Uma dessas é, sem sombra de dúvida, o aparecimento da religião monoteísta, porque com o monoteísmo nasce a noção do individualismo que tem poderes para dialogar diretamente com a divindade, separando assim o eu do corpo e criando a noção de natureza humana e natureza externa. A partir de então, o homem se julga superior a todos os seres naturais. 






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