sábado, 27 de maio de 2017

O LIVRO DE ZUCA TROVÃO



Hélverton Baiano

Ninguém levou a sério, e nem poderia, quando Zuca Trovão, um dos nossos tantos malucos de lá, apregoou que ia escrever um livro. Mas não falava do quê, nem pra quê, mas também ninguém perguntava, mesmo porque não se via um que acreditasse nessa história. Era mais uma das tantas lorotas que Zuca, nos seus delírios encantados, trovejava pelas ruas de Saracutópolis.  Loucura lá era coisa normal e todo mundo já se acostumara, porque os doidos inventavam cada uma de fazer inveja ao mais catrozado das ideias.

Eu dei vivas a Zuca Trovão quando ele disse que faria um livro, visto que lá nós somos carentes de escritores. Nossa tradição é oral, de trovadores, declamadores, contadores de causos e inventores de histórias e piadas. Quando decretou esse enredo, a primeira coisa que fez foi pedir um caderno e um lápis no armazém de Seo Paulo do Peg e Pag. Que serventia teria, ninguém sabia, mesmo porque Zuca era tido e havido na conta dos fugitivos do Mobral e não sabia fazer o “O” com o fundo duma garrafa.

Lápis e papel na mão, Zuca Trovão soverteu por meio do mato, num retiro que nos levou a preocupação, não por causa do mato em si, com isso ele era acostumado, porque praticamente morava lá, mas porque já se passara mais de três meses que ninguém tinha uma notíciazinha sequer do doido. Quando ninguém mais esperava, e já dando a empreitada por perdida, veio o positivo de um caçador de codorna, que disse ter avistado Zuca sentado no topo duma árvore no meio do cerradão do Pau Seco da Cabeceira Grande. Dizia Que Zuca estava mesmo com um caderno e rabiscava alguma coisa, portanto era verdadeira a história da escrevinhação.

Cresceu na população a curiosidade para saber que tipo de livro e que história sairia da verve de Zuca. Já no quarto mês de sumiço e algumas diligências do delegado e dos praças, uns diinhas antes de começar a chuva, olha quem aparece? Zuca Trovão em pessoa. Carregava um embornal onde dizia estava o livro que fora escrito por ele. Para nosso desespero e comichão, alertou que não mostraria seu livro pra ninguém, mesmo sendo esse o único da rua.

Pra satisfazer o clamor popular que virou aquela curiosidade geral em Saracutópolis, o prefeito se reuniu com o delegado e a ordem foi pra prender Zuca Trovão e realizar uma sessão pública de leitura do livro escrito por ele. O fuzuê foi armado e Zuca serpenteou correndo e dando olê nos soldados e só foi sojigado porque a molecada entrou na farra pra pegá-lo. Os meninos o pegaram e foram atrás de uma corda pra amarrá-lo e levá-lo pra Prefeitura. Não iria pra cadeia não, porque ele era um preso ilustre.

Numa folguinha que deram, Zuca soverteu correndo outra vez e o povão atrás, pega, não pega, pega, não pega. Zuca correndo com seu embornal num lado e o povaréu correndo atrás. Zuca foi pro rumo da ponte e o povão correndo pega, não pega. Até que, quando já passava do meio da ponte, levou uma rasteira e o embornal com o livro dentro voou para a correnteza do rio e sumiu nas águas. Até hoje a gente fica matutando e querendo saber a história escrita por Zuca Trovão ou se realmente ele escreveu alguma coisa. No folclore do lugar apareceram mais de cem histórias atribuídas ao livro de Zuca.



sábado, 6 de maio de 2017

HAIT TEATAÇU



Altair Sales Barbosa


Narra um mito Nambikwara, povo indígena que habita o noroeste de Mato Grosso, e até bem pouco tempo peregrinava também por Rondônia, que entre um de seus povos, denominado Galera, nasceu um menino cujo nome era Hait Teataçu, quando este completou a idade de aproximadamente cinco anos, foi acometido por uma doença que o deixou paralítico das duas pernas. Essa doença, o impedia de acompanhar o grupo na busca de alimentos. Embora muito querido, foi abandonado entre dois paredões de arenito. Nesse local ele se arrastava a procura de água e alguns alimentos.

O tempo foi passando e Hait Teataçu foi perdendo a força, até que um dia, não conseguiu mais se arrastar.

Foi então, que uma pequena ave canora de cor azulada, trazia no bico algumas gotas de água e sementes de frutas que colocava diretamente à sua boca.

Com isto Hait Teataçu, teve sua dor diminuída, mas o alimento e a água eram insuficientes e um dia veio a falecer.

Narram os índios que no local brotou um pé de cabaça, do qual frutificaram pequenas cabacinhas com três orifícios. Ao serem soprados com as narinas, o som que saia dessas cabacinhas imitava o canto da ave canora que alimentou o menino.


Comentários:

Esse mito foi coletado pelo prof. Altair Sales Barbosa na aldeia dos Nambikwara, noroeste de Mato Grosso. Até a década de 1980 esses índios tinham o habito de cultivar essa espécie de cabacinha. E, nas tardes secas tocavam com as narinas uma espécie de ocarina feita de duas partes convexa de cabaça, emendadas com cera de abelha silvestre. O instrumento possuía três orifícios, funcionava com sopro nasal. Contam os índios, que praticavam aquele ritual invocando a memória de Hait Teataçu.