terça-feira, 17 de junho de 2008

Lula e o pé de sabiú

Entre os geraiseiros, povos que habitam ou exercem atividades nos gerais, que é um tipo de cerrado semelhante ao descrito por Guimarães Rosa em "Grandes Sertão: Veredas", existem duas lendas interessantes associadas ao pé de Sabiú, planta frondosa pertencente à família leguminasae e muito comum nos gerais.

A primeira diz que se alguma pessoa, por descuido, passar por debaixo de um pé de Sabiú fica totalmente desorientado, perde a noção das coisas, perde a consciência e fica vagando sem rumo e sem direção. Entre as inúmeras histórias, contam que certa vez um vaqueiro experiente saiu à procura de uma rês desgarrada e, sem se dar conta, passou por debaixo de um pé de Sabiú, logo perdeu a noção dos seus objetivos e por dois dias sequidos vagou sem rumo até chegar a um rancho de um antigo amigo e conhecido. Só que ao chegar ao local não reconheceu as pessoas que ali moravam, seus amigos de longa data. Os moradores do rancho, experientes, logo perceberam o que havia acontecido. Tomaram então o vaqueiro e fizeram-no deitar de bruços por cerca de trinta minutos. Durante este tempo dizem que o vaqueiro teve um sono profundo e quando acordou estava curado, recuperou a consciência, reconheceu e ouviu os amigos e, após se alimentar, seguiu seu rumo determinado.

A segunda lenda reza que pequenas personagens do mato em forma de gente, talvez duendes, todas as sextas-feiras à noite se reúnem em baixo de um pé de Sabiú para festejarem alguma alegria e felicidades. Conta a lenda que no povoado de Riacho D'Água existia um pobre corcunda que era muito maltratado e recebia várias zombarias da gente daquele povoado. Um dia, cansado de tanta humilhação e sem perspectiva, resolveu fugir e andou sem ermo pelos gerais; quando o cansaço bateu, descansou debaixo da sombra de um Sabiú, pois debaixo desta árvore o terreno é sempre limpo. E ali garrou no sono, esganchado numa forquilha da árvore.
Era sexta-feira. À noite chegaram várias criaturinhas que, brincando-de-roda, começaram a cantarolar uma música cuja letra repetia o refrão:
Segunda,
Terça,
Quarta,
Quinta,
Sexta.

O corcunda, animado com a música, pediu aos duendes para participar da brincadeira, sempre repetindo o refrão:

Segunda,
Terça,
Quarta,
Quinta,
Sexta.

E assim teve na vida um raro momento de alegria e felicidade. Diz a lenda que, quando a festa terminou, as criaturinhas indagaram ao corcunda porque estava ali, naquele momento. O corcunda então pôs-se a contar a sua história. As pequenas criaturas, que tinham poderes mágicos, retiraram a corcunda do indivíduo e a dependurou num galho de Sabiú, deram a este roupas novas, muito dinheiro e lhe disseram que poderia voltar para o povoado de Riacho D'Água, que sua vida iria mudar. O ex-corcunda caminhou então de volta e após alguns dias chegou ao povoado. Logo na entrada encontrou uma pessoa que o reconheceu. E, assustado, lhe perguntou o que havia acontecido. Este narrou detalhadamente. A pessoa, na ganância do dinheiro e do poder, saiu correndo procurando o local e, quando o encontrou, subiu num dos galhos da árvore e esperou a noite de sexta-feira chegar. Quando esta chega, eis que para sua surpresa apareceram as criaturas que o ex-corcunda descreveu.

Estas então começaram a entoar sua cantiga, dançando em roda, sempre repetindo o refrão:

Segunda,
Terça,
Quarta,
Quinta,
Sexta.

Num belo momento, quando a dança já estava bem animada ao repetirem o refrão - Segunda, Terça, Quarta, Quinta e Sexta - as criaturas ouvem um som vindo do alto dizendo: Sábado e Domingo também. Atônitos, olham para cima da árvore e avistam a pessoa que modificara o refrão da música.

Indignados, fazem a pessoa descer da árvore, retiram do galho a corcunda que lá ficara e implantando esta nas suas costas o expulsam do local.

Ao analisarmos o desempenho do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva encontramos muita semelhança com a lenda do Sabiú. A impressão que temos é que o Presidente pode ter passado por debaixo desta árvore, ficando totalmente desorientado, esquecendo o que havia proposto no seu Programa de Governo, perdendo a direção do futuro e do rumo certo.


A declaração de Paris, sobre caixa 2, concomitante com as declarações de Delúbio e Valério sobre o mesmo assunto, demonstra a falta de bom senso e esta desorientação. As incertezas da política social, a fragilidade da segurança pública e uma política econômica que não condiz uma vírgula com o discurso da vida inteira, são alguns dos sinais da desorientação total.

A política cultural se assemelha ao homem que quis mudar o refrão da música cantada pelas criaturinhas da floresta, ou seja, não respeita a identidade do povo brasileiro.
A educação prima pelo quantitativo e não é capaz de estancar o sucateamento das Universidades Federais. A burocratização desenfreada do CNPq é um obstáculo para as pesquisas e inovação.

O incentivo ao agro-negócio predatório, a liberação dos transgênicos, as obras de grande impacto ambiental, como transposição do São Francisco, demonstram que a tão propalada coerência anda em circulo sem rumo e sem direção.

Seria bom que o presidente Luís Inácio Lula da Silva tomasse a postura do corcunda humilde, respeitando as tradições e as vocações do povo brasileiro. A ganância só ganhou uma corcunda para o resto de vida. Porém, seria melhor ainda que Lula se pusesse a deitar de bruços e tirasse um sono profundo de trinta minutos; assim, poderia recuperar a consciência, reconhecer e ouvir seus amigos verdadeiros, enxergar neles a coerência de sempre, recuperá-la e retomar o rumo certo.

Nunca é tarde!

(janeiro/2006)

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