terça-feira, 17 de junho de 2008

Por uma Universidade do Cerrado


O Bioma Cerrado em pé é um grande laboratório. Durante longos anos estamos chamando a atenção para os fatos negativos advindos da degradação deste importante conjunto de ambientes. A recém encerrada Conferência de Paris sobre as mudanças ambientais no planeta só vieram a reforçar o que há anos vimos falando sobre o tema.

Dentro desta perspectiva, torna-se imprescindível que os nossos representantes políticos, especialmente os goianos, Governador, senadores, prefeitos, deputados de modo geral, representantes no Conselho Federal de Educação, Arquidiocese de Goiânia e outras Dioceses, além de vários segmentos sociais, se alinhem junto ao Governo Federal para a criação da Universidade do Cerrado.

Antes porém de enfocarmos o cerne da questão, que se trata da necessidade urgente da criação de uma Universidade para estudar o cerrado em toda sua dimensão, gostaríamos de tecer um comentário elogioso acerca do pronunciamento do Reverendíssimo Arcebispo de Goiânia e Chanceler da Universidade Católica de Goiás Dom Washington Cruz, sobre a função, visão e papel estratégico que uma Universidade deve ter diante das exigências do mundo moderno. Sua fala realizada durante a XX Semana de Integração Acadêmica e Planejamento da UCG, recheada de sabedoria, trouxe uma grande esperança para aqueles que sonham com uma Universidade engajada, que busca na vocação regional as diretrizes para suas ações. Dois pequenos trechos do seu discurso ilustram o raciocínio acima.

... "A Universidade tem diante de si um imenso papel profético - afirmou, para explicar que, como instituição de ensino, de pesquisa e de extensão, tem a urgente tarefa de continuar formando a opinião pública acerca dos cuidados com o meio ambiente. De continuar oferecendo aos órgãos públicos que lidam com a questão ambiental os elementos de análise para uma eficaz gestão ambiental. De marcar uma presença colaborativa, propositiva e atenta à missão da Igreja de ser, para o mundo, sinal da salvação e do amor de Deus para com todas as Suas criaturas."

... "A experiência da vida no planeta passa por momentos cruciais, dramáticos, que nos interpelam fortemente como comunidade acadêmica, como docentes, pesquisadores, dotados do senso de responsabilidade social. As mudanças climáticas abruptas são o reflexo direto de uma certa mentalidade utilitarista que tanto marcou, sobretudo deste a revolução industrial, a relação do homem com o meio ambiente. Um dos maiores dramas que vai marcar as relações entre os povos, num futuro bem próximo, será a questão ambiental e a utilização dos recursos da natureza ou a proliferação de substâncias que agridem o ambiente e trazem conseqüências extremamente danosas para a vida."

Por que uma Universidade do Cerrado?

Porque hoje temos a certeza de que o Cerrado que se espalha pelos Chapadões Centrais da América do Sul, pela sua história evolutiva e ecológica, constitui-se num ponto de equilíbrio para a vida, não só do continente, mas para a vida de todo o planeta Terra. O conhecimento de seus mecanismos evolutivos, históricos e sociais, orientados por pessoas que pensam além do economicismo, poderá trazer benefícios concretos e imediatos para o Brasil, além de abrir em perspectivas a possibilidade de um novo modelo de escola.

Quando Darwin apresentou, em 1859, sua obra "A Origem das Espécies", convenceu muitos naturalistas de que os seres não tinham sido criados com formas físicas imutáveis, mas que tinham mudado graças a processos naturais, através de gerações, cobrindo longos períodos. Aqueles que mudaram para formas melhor adaptadas ao ambiente sobreviveram, os outros declinaram e extinguiram-se. A este processo Darwin denominou de seleção natural. Estes conceitos foram suficientes não só para revolucionarem a biologia, mas também todo o pensamento humano.

Os argumentos e fatos indicados por Charles Darwin não incluem os efeitos da inversão de polaridade do campo magnético terrestre, nem a deriva dos continentes, pois estes fenômenos eram desconhecidos ou mesmo inconcebíveis naquela época. Entretanto, os seus efeitos na evolução, diversidade e extinção das espécies constituem elementos importantes e só reforçam o mecanismo da seleção natural.

Esta introdução é oportuna para mostrar a dinâmica do cerrado, sob o olhar biológico e antropológico da seleção natural. Dentro dessa ótica podem-se perceber elementos que de outra maneira passam desapercebidos e a dinâmica da seleção natural tem a força de ressaltar a necessidade de iniciativas embasadas num seguro planejamento ambiental, que, por sua vez, esteja embasado num seguro conhecimento científico.

1) O primeiro ponto a ser levantado no sentido de se compreender esta dinâmica se refere à evolução dos continentes, procurando enfatizar o espaço que hoje corresponde aos chapadões centrais da América do Sul.



Durante o início do Paleozóico, a pelo menos 600 milhões de anos, uma grande massa continental formava a crosta terrestre. Este supercontinente denominava-se Pangéa e ostentava paisagens muito diferentes dos "stoks" que se conhecem atualmente. Somente a título de ilustração, no espaço que hoje corresponde ao território brasileiro formaram-se três grandes bacias de sedimentação, denominadas no Brasil de Bacia Amazônica, Bacia do Maranhão e Bacia do Paraná. Estas áreas, separadas por arcos geológicos, experimentaram durante milhões de anos, diferentes processos de sedimentação e ambientes, ora sendo marinho, ora terrestre e eram conectados com áreas similares no que hoje em dia corresponde à Antártida, África e Austrália, como atestam os processos sedimentares e a existência de fósseis semelhantes encontrados nestes locais.

No Permiano Superior, ou seja, no final do Paleozóico, a 220 milhões de anos, esta grande massa continental inicia um processo de cisão, baseado no deslocamento das placas tectônicas e no Triássico, início do Mesozóico, a 200 milhões de anos, já existem dois grandes blocos continentais, um ao norte denominado Laurásia e outro ao sul denominado Gondwana. Separando os dois supercontinentes se encontrava o mar Tethys, nome que significa mãe dos mares, segundo a mitologia grega.

A Laurásia estava constituída pelo que mais tarde seria a América do Norte, Groenlândia, e a parte da Europa e da Ásia que fica ao norte dos Alpes e Himalaia.

O continente de Gondwana, por sua vez, era constituído pelas terras que futuramente constituiriam América do Sul, África, Índia, Austrália e Antártida.

Ainda no Triássico, dois grandes blocos continentais começaram a se fragmentar em unidades menores, mas as fossas originadas entre estas unidades continentais não chegaram, no início, a constituir barreiras para o movimento dos animais terrestres. Entretanto, no período Cretáceo, no Mesozóico Superior, a 65 milhões de anos, os obstáculos já não permitiam esta comunicação. É importante salientar que esta época coincide com um período de extinção em larga escala dos grandes répteis.

Quando os mamíferos começam a diversificar no final do Mesozóico e Terciário Inferior o início do Cenozóico, a separação dos continentes parece ter chegado ao máximo. Isto aconteceu por volta de 65 milhões de anos. E a partir desta data não se formaram novas rotas de migração. As áreas terrestres foram por sua vez diminuídas. Houve elevação do nível do mar, as águas inundaram as margens dos continentes e formaram grandes mares interiores, alguns dos quais fracionaram completamente os continentes. Por exemplo, nesta época a América do Sul se constituía de duas zonas emersas separadas por água, que ocupava a região que mais tarde formaria a Amazônia.


2) Outra abordagem importante a ser colocada, no sentido de ressaltar o caráter peculiar do Cerrado, se refere ao princípio da irradiação adaptativa

Neste sentido, convém enfatizar a seguinte questão: num ambiente estável, as espécies animais e vegetais tornam-se especializadas, cada espécie ocupando seu lugar na cena ecológica e assim continua até que todos os nichos sejam efetivamente ocupados. A fauna ganha então um estado de equilíbrio em que o coeficiente de produção de novas espécies é igual ao da extinção de espécies existentes. As menores alterações nas condições do ambiente ou habitat produzem pequenas flutuações em torno da posição de equilíbrio.

Em princípios do Terciário, a 60 milhões de anos, a primitiva América do Sul esteve ligeiramente conectada com a América do Norte, mas em seguida esteve completamente isolada até o Pleistoceno Superior, a 18 milhões de anos. A prova desta conexão está na presença de duas ordens de mamíferos fósseis que correspondem a mamíferos comuns às duas Américas: ordem Edentata e Notoungulata.

Este fator, associado a outros, foi fundamental no equilíbrio e delineamento da fauna atual da América do Sul e consequentemente dos animais que mais tarde constituirão a fauna do Cerrado.

Outras quatro ordens de mamíferos são exclusivas da América do Sul: os Paucituberculata - que envolvem os marsupiais, os Pyrotheria, animais já extintos, semelhantes aos elefantes, os Litopterna, ungulados herbívoros, já extintos, parecidos com os camelos e cavalos atuais, e os Astropotheria, grandes ungulados herbívoros atualmente extintos.

A penetração de animais carniceiros da América do Norte para a América do Sul através do Istmo do Panamá, durante o Pleistoceno Superior, associada posteriormente à atividade de caça dos primitivos grupos indígenas, que nesta época já habitavam a América e ainda as mudanças ambientais decorrentes do final da glaciação de Wisconsin, foram fatores decisivos na alteração do equilíbrio ambiental, o que levou à extinção em larga escala da megafauna sul-americana. A partir daí um novo padrão faunístico se configura até a fauna atual, que é de médio e pequeno porte.

No que se refere à flora, pode-se atribuir ligeiramente o mesmo princípio. Dessa forma, a flora brasileira e a africana compartilham muitos ancestrais comuns que, num processo de evolução paralela, associada a agentes climáticos e geológicos diferenciados, apresentam certas semelhanças, embora sejam distintas.

O CERRADO, entendido aqui como sistema biogeográfico, tem sua história evolutiva ligada aos principais processos experimentados pelos vegetais, o que culminou com a formação da flora atual, mas está intimamente ligado também às mudanças ambientais, que aconteceram na área que hoje corresponde a grande parte do território brasileiro, principalmente a partir de 65 milhões de anos. Nesta época, num período denominado Cretáceo, da era Mesozóica, existiam grandes desertos nas áreas hoje correspondentes ao Brasil, sendo que o maior desses desertos recebia a denominação de Botucatu. Daí para frente, porém, houve uma sensível atenuação da aridez, posto que a maior parte do território tenha comportado climas quentes semi-áridos e subúmidos, segundo se deduz, dos tipos de sedimentos e suas microestruturas. Nessa época, uma geografia de grandes lagos rasos, situados em depressões detríticas interiores, limitadas por terrenos semidesérticos, de extensão subcontinental, era a paisagem dominante. Isto ocorreu porque a maior parte dos rios formava drenagem endorreica, ou seja, nascia e desaguava no interior do continente. Nesse tempo, a vegetação era do tipo subdesértica e, provavelmente devido à tipologia geral dos solos, teria sido uma flora diferente de todas aquelas conhecidas no País.

O soerguimento Pós-Cretáceo do Planalto Brasileiro criou outras paisagens sob a vigência de climas bem mais úmidos do que os do Cretáceo, e a custa de drenagens que foram preferencialmente exorreicas, isto é, com franca saída para o mar. Este esquema novo de topografia mais compartimentado e de solos relacionados com climas mais úmidos perdurou por longos períodos do Terciário. Neste contexto surge o Cerrado, que é a mais antiga das paisagens da história geológica recente da Terra. É também a partir do Cretáceo que se consolidam os três maiores aqüíferos do Continente e talvez do mundo: o aqüífero Bambuí, o Urucuia e o Guarani. Cuja totalidade ou bordas, no caso do Guarani, se situam na área hoje ocupada pelo Cerrado. Por isso, todas as grandes bacias hidrográficas do Continente têm suas nascentes ou seus principais alimentadores situados na área do Cerrado.

Uma outra questão importante se refere à teoria do escleromorfismo oligotrófico, proposta por Arens para explicar a gênese do ambiente de cerrado strictu sensu. Este autor admite que o pronunciado xeromorfismo do cerrado seja uma conseqüência das condições oligotróficas do solo. Afirma que um dos fatores principais seja, provavelmente, a relativa escassez de nitrogênio assimilável que pode originar o escleromorfismo oligotrófico, fazendo com que a vegetação peculiar do cerrado seja selecionada pela deficiência de minerais, tendo-se adaptada à mesma. Estudos posteriores de Goodland, Kuhlmamm e Coutinho, dentre outros, comprovam esta afirmação. Arens também afirma que o fogo é um fator que acentua o oligotrofismo, influindo dessa maneira sobre a conservação e propagação do cerrado. Nessa perspectiva a ação do fogo deve ser levada em consideração, quando se tratar de áreas de preservação, com vegetação de campo e cerrado strictu sensu. É por causa do caráter oligotrófico que as plantas do cerrado necessitam seqüestrar grande quantidade de carbono para seu desenvolvimento.


3) Uma terceira abordagem importante se refere à questão do povoamento humano, as ações antrópicas decorrentes desse processo e suas relações com a seleção natural.

Com toda segurança pode-se afirmar hoje que entre 18.000 e 16.000 anos atrás um contingente populacional cruzou o istmo do Panamá e veio de forma mais densa e efetiva povoar a América do Sul. Essas populações no início se acomodaram em nichos específicos do noroeste da América do Sul, onde puderam desenvolver uma cultura cuja economia se baseava na caça especializada de megafauna. Este sistema de vida perdurou de forma efetiva até por volta de 12.000 anos atrás quando a maior parte dessa fauna específica entra num processo de extinção. À medida que o processo de extinção se acentua as populações humanas aí situadas começam a buscar novas alternativas de sobrevivência, o que pressupõe novas formas de organização do espaço e planejamento social.

Nesta perspectiva buscaram-se novos ambientes e teve início um processo migratório em direção leste. Da cultura baseada na caça especializada resulta uma cultura baseada na caça generalizada de animais de médio e pequeno portes. A organização social representada por esses agrupamentos humanos eram bandos compostos de famílias aparentadas que migravam de um lugar para o outro, na medida em que os recursos alimentícios se esgotavam ou apareciam plantas comestíveis próprias de cada estação. Descendo os contrafortes da Cordilheira dos Andes, esses bandos vieram parar na Amazônia Brasileira, atraídos pela diversidade de flora e fauna que caracteriza uma grande mancha de cerrado, que naquela época existia nos baixos chapadões da Amazônia e chapadões Centrais da América do Sul. Estes dados são hoje comprovados pelos estudos de Halffer, Vanzolini, Ocsenius, Prance, Noble, Brown Jr., Greemberg, Rodrigues, Ab'Saber, e vários estudos de Palinologia.

Quando a floresta amazônica começa a coalescer sobre as áreas de cerrado existentes nos baixos chapadões, força um processo de migração faunística, que migra para a grande área existente no Centro da América do Sul; a migração faunística favorece no mesmo sentido uma migração humana.

A área core de cerrado dos chapadões centrais da América do Sul deve ser entendida como um Sistema Biogeográfico, composto por subsistemas interatuantes e interdependentes tanto no aspecto florístico como no aspecto da fauna. Há ambientes secos e úmidos durante todo o ano. A vegetação varia de um gradiente de campo limpo, até um gradiente de mata. Esta diversidade de ambiente empresta à biodiversidade do cerrado um caráter peculiar e seus aspectos evolutivos fizeram com que processos culturais diferenciados também ocorressem de forma "sui generis", transformando a região do cerrado numa espécie de fronteira cultural.

Na realidade alguns dos mais importantes processos culturais americanos nasceram no cerrado, como a formação do tronco lingüístico Macro-Jê, a domesticação e disseminação de certos tubérculos e outros vegetais e o desenvolvimento da tecnologia de caça, pesca e processamento de recursos vegetais nativos e certos cultígenos.

O estudo detalhado de diversas comunidades indígenas habitantes do cerrado demonstra que essas populações aprenderam sabiamente a desenvolver mecanismos adaptativos e planejamento ambiental e social que fossem capaz de lhe permitir uma vida em abundância. Assim são os Kayapó, que habitam as áreas mais elevadas, os Karajá, específicos da calha do Araguaia, os Xavante etc.

Todos estes fatores reunidos fazem com que o cerrado seja um laboratório antropológico único, no qual se deve olhar e aprender para, com sabedoria, saber planejar o futuro.

A população indígena que povoou o cerrado não produziu qualquer modificação brusca no equilíbrio do ecossistema, porque inicialmente os homens eram poucos e o nicho adaptativo era amplo.

Até que a população humana crescesse a ponto do seu tamanho ser prejudicial, coube à seleção natural levar a termo uma adaptação primorosamente equilibrada aos recursos ambientais.

A chegada dos exploradores, de origem européia, trouxe conseqüências bem diversas, por duas razões:

- A principal finalidade não era o povoamento e sim a exploração comercial।

- Mantiveram um contato íntimo, ou com a mãe pátria ou com um poder central deslocado, a quem competia ditar as mercadorias a serem fornecidas e o preço das mesmas.

Portanto pela primeira vez em sua longa história a região do Cerrado ficou sob a influência contínua de um agente que era alienígena ou exótico, consequentemente imune às forças modeladoras da seleção natural local.

No início a devastação foi mínima, mas com o passar dos tempos os sinais destas já eram bastante visíveis. O aumento da imigração acelerou cada vez mais o processo de degradação. Surgiram epidemias novas, que contribuíram para dizimar populações indígenas, como a gripe, o sarampo, a varíola e tal qual como aconteceu em outras áreas do país, a entrada de escravos africanos introduziu a malária e a febre amarela.

O crescimento demográfico também é algo surpreendente, principalmente de 1950 para cá e, é bem provável que depois de 2010 a região do cerrado tenha uma população tão grande que escape às políticas de planejamento. Esta perspectiva é aterradora, tendo em vista a magnitude da degradação que já ocorreu com uma densidade demográfica bem menor.

A partir da década de 1950 implanta-se no Brasil um modelo econômico chamado desenvolvimentalista, onde a meta é atingir o desenvolvimento a todo custo.

Essa política que, no início, é executada de forma até ingênua, a partir dos governos militares de 1964 adquire um caráter ideológico e a partir desse momento o hemisfério começa a presenciar uma grande revolução. Não uma revolução do homem para o homem, mas uma revolução do desrespeito à vida humana e à vida do ambiente.

Dentro dessa perspectiva o cerrado é recortado por inúmeras estradas, rios são represados, montanhas aplainadas, vegetação derrubada, animais ameaçados de extinção, e comunidades tradicionais são desestruturadas num ritmo nunca visto na história da civilização.

Ambiciosos projetos de colonização, sem o mínimo de planejamento e conhecimento, com objetivos puramente políticos, são postos em execução.

Fatos recentes atestam a pujança que este modelo desenvolvimentista tem, como a ocupação desordenada do cerrado por capital alienígena para projetos de reflorestamento com espécies estranhas e produção maciça e efêmera de grãos para exportação. A formação de grandes lagos para geração de energia, cujas conseqüências provocam inúmeras entropias em termos de saúde; por exemplo, podemos ver os sinais de um grande iceberg que virá por aí na forma de epidemias de algumas doenças extremamente devastadoras, como a esquistossomose, a leximoniose e a raiva, cujos efeitos a população atingida pelos lagos e barragens já está sofrendo.

Assim é que no início do século 21, encontra-se em suspense o destino do cerrado.

Se as próximas décadas trarão sua ruína ou salvação, ainda não se pode dizer.

Embora sejam grandes as lacunas no nosso conhecimento, dispomos de informações suficientes para impedirmos uma degradação irreversível.


4) O que se pode afirmar é que enquanto o desejo de explorar o cerrado não levar em consideração a vocação regional, a possibilidade de um programa racional de desenvolvimento será nula.

Esta perspectiva é ainda mais trágica porque só o Homo sapiens, entre todos os seres vivos, tem a capacidade de encarar o seu meio ambiente dentro de uma escala mais abrangente, não se limitando à duração de uma vida. Quando analisamos as atividades humanas, dentro da perspectiva do tempo geológico, somos forçados a reconhecer que o que está acontecendo na biosfera, hoje em dia, nada tem de comum. De fato, desde que os organismos primordiais desenvolveram a capacidade de liberar oxigênio, por volta de centenas de milhões de anos, nenhuma das espécies novas desenvolveu a habilidade de alterar as condições de adaptação da vida sobre a terra. Os continentes mudaram de forma, as geleiras avançaram e recuaram, os mares se ergueram, algumas montanhas submergiram e os pólos se deslocaram, mas os parâmetros físicos e químicos permaneceram essencialmente os mesmos.

Agora, de repente, novos compostos químicos, em concentrações anormais, estão sendo lançados na água, no solo e no ar. Do mesmo modo que as populações indígenas do cerrado, foram quase que exterminadas pelas doenças do Velho Mundo, assim também as plantas e os animais que evoluíram durante dezenas de milhões de anos são incapazes de enfrentar produtos químicos estranhos, introduzidos bruscamente no seu habitat.

Conhecendo de uma maneira geral como opera a seleção natural, podemos predizer com toda a segurança que das milhares de espécies que restaram, poucas serão pré-adaptadas às novas condições, mas nada garante que o Homo sapiens venha a figurar entre os sobreviventes.

Conduzir o Homem do cerrado e a humanidade através dessa crise ecológica é o maior desafio para todos nós, que um dia tomamos consciência da gravidade e da grandeza desse problema.

A possibilidade da criação de uma Universidade do Cerrado abriria entre as universidades brasileiras a busca de soluções para estes tipos de problema e ainda poderia abrir a perspectiva de novos modelos de universidades, onde a teoria poderia caminhar de mãos dadas com a prática, pois a Universidade que une teoria e prática inevitavelmente é holística, multidisciplinar e transdisciplinar, categorias de saberes importantes para a formação de novas mentalidades e formação global do homem.

Na prática este modelo efetuaria com eficiência a pesquisa, o ensino e a extensão, categorias que nos modelos tradicionais estão impossibilitadas de se associarem e se desenvolverem conjuntamente.

Para a criação de uma Universidade do Cerrado pouco se gastaria em termos de recursos humanos, pois algumas instituições federais, como IBGE, Embrapa-CPAC, Universidade Federal de Goiás, além de Centros de Excelência em instituições particulares como o Instituto do Trópico Subúmido e o Instituto de Pré-História e Antropologia, ambos da Universidade Católica de Goiás, poderiam se agregar para formar o corpo profissional dessa nova Universidade.

Outro ponto importantíssimo a destacar é que pela grande quantidade de recursos que o cerrado possui em função de sua diversidade geológica, florística, faunística, cultural etc., e pela experiência dos profissionais envolvidos, uma Universidade do Cerrado tem todos os meios para se tornar auto-sustentável.

Este grande laboratório que é o cerrado, de importância fundamental para o mundo moderno, está somente à espera de que alguma liderança com influência política assuma a bandeira de organizar uma equipe para sua implantação.

Era época em que um dragão voraz olhava para aquelas plantas com apetite devorador. Chegou a época da racionalidade antes que o dragão voraz nos devore.

(abril/2007)

Semana do Índio

Uma dívida com a história e um buraco na consciência

Estamos em abril, certamente alguém lembrará, que neste mês é comemorado o Dia do Índio, 19 de abril. Muitas fotos serão publicadas e alguns artigos irão rechear as páginas dos jornais e revistas e ilustrar imagens da televisão. Nesta perspectiva, aproveitamos a oportunidade para colocarmos alguns pontos que possam esclarecer a real história e situação indígena, na região do cerrado. A compreensão destes pontos é de fundamental importância, para que inspire nos homens a busca da construção de uma sociedade justa.

Embora marginalizados desde o início pela colonização portuguesa, a cultura indígena era tão forte que contribuiu de forma decisiva para a formação da identidade do povo brasileiro. E, se penetrarmos além das aparências, veremos que nós brasileiros carregamos a cada momento do nosso cotidiano vários elementos indígenas: nos gens, na alimentação, nas músicas e nos inúmeros medicamentos, nos mitos etc. O nosso lado de predarmos a natureza certamente não herdamos do índio.

Se pudéssemos recuar no tempo talvez resumiríamos de forma poética essa história da seguinte forma:

O sol ainda tingia de dourado as folhas do buriti, quando pela primeira vez o índio pisou nessa terra Pindorama.

Isto foi há muito tempo; de lá para cá, mais de 550 gerações se passaram.

No início eram grupos nômades, caçadores e coletores; muito tempo depois eles se transformaram em agricultores e colonizaram os verdejantes vales desta terra. Neste local, implantaram suas grandes aldeias e seus roçados.

E, assim, viviam tranqüilos, respeitando a riqueza do ambiente e as fronteiras que estabeleceram.

Depois que os troncos e famílias lingüisticas se formaram, Tupi foi para o norte, Guarani para o sul, Tupinambá para o litoral e os guerreiros povoaram o centro da América do Sul.

Entretanto, como antropólogo e arqueólogo, sentimos-nos na obrigação de esmiuçar com dados concretos, os passos dessa história, mesmo que seja ainda resumida.

A região do Cerrado é um ponto de encontro entre a Amazônia, o Nordeste e o Sul. O planalto é recortado pelos rios das três grandes bacias brasileiras (do Amazonas, do Paraná e do São Francisco), acompanhadas de matas de galeria, ora mais ora menos largas. No encontro dos rios das três bacias formou-se uma extensão maior de floresta, conhecida como Mato Grosso de Goiás.

As áreas de matas oferecem solos para cultivos, a serem instalados no começo das chuvas. Por outro lado, o cerrado é muito rico em caça e em grandes variedades de frutos que podem complementar a agricultura no começo das chuvas, os rios proporcionam muito peixe no começo da estação seca.

Muito antes dos horticultores ceramistas, os caçadores e coletores pré-cerâmicos se haviam esparramado pelo território, utilizando os recursos de acordo com suas necessidades e em conformidade com sua tecnologia. Não se tem ainda nenhuma idéia de quando e como se instalaram os cultivos. Aparentemente, eles não surgiram nesta área, porque as diversas tradições tecnológicas até agora estudadas pertencem a horizontes mais amplos e as datas mais altas para horticultores já instalados se encontram fora da região.

Faz exceção a Tradição Uru, até agora só conhecida no oeste de Goiás, mas que certamente ultrapassa os seus limites em direção ao Estado de Mato Grosso, ainda não pesquisado. Os cultivos poderiam ter chegado através da migração de grupos horticultores, ou pela aculturação dos caçadores e coletores anteriormente aí presentes, que os poderiam ter recebido de vizinhos. É possível que ambos os fenômenos tenham ocorrido.

Certamente não se pode mais resumir todo o jogo do povoamento em deslocamentos de grupos já prontos, por que sobra a pergunta: onde estes se formaram? Certamente, como nas outras áreas do mundo, os sistemas agrícolas desenvolvidos por populações indígenas, como as de Goiás, são o resultado final de um longo processo de experimentação, de coleta, cultivo e domesticação, desenvolvimento e empréstimo de técnicas de um ajustamento da sociedade.

Talvez a transição do período úmido e quente do altitermal para um período mais seco e ameno, fato que ocorreu por volta de seis mil anos antes do presente, fosse a ocasião do aparecimento da agricultura na região. O fato é que no centro do Brasil ainda se desconhece por completo todo o processo, porque depois dos caçadores se encontram de repente, já formados, os horticultores ceramistas num tempo em que o ambiente supostamente já era o atual. O mais antigo até agora detectado é denominado pela arqueologia como Fase Pindorama, supostamente horticultor, que já tem cerâmica ao menos desde 2.500 anos antes do presente. Toda essa denominação se refere à classificação usada pela arqueologia. Depois aparece a Tradição Aratu/Sapucaí, a Una, a Uru e a Tupiguarani.

As diferentes Tradições (cerâmicas) de horticultores exploram ambientes e cultivos diversos. A Tradição Una coloniza vales enfurnados, geralmente pouco férteis, com predominância de cerrados usando como habitação os abrigos e grutas naturais e como economia uma forte associação de cultivos, onde predomina o milho, com a caça e com a coleta. Imagina-se que a população se distribuía em pequenas sociedades, mais aptas para explorar os recursos diversificados que poderiam alcançar do seu ponto de instalação: o rio próximo, a pequena mata de galeria, o cerrado e muitas vezes o campo no alto do chapadão. Este ambiente não é disputado pelos grupos que constroem suas aldeias em áreas abertas.

Os primeiros aldeões conhecidos são os da Tradição Aratu/Sapucaí. Seus domínios são os contra-fortes baixos das serras do centro-sul e leste de Goiás, especialmente as áreas férteis e mais florestadas do Mato Grosso de Goiás, onde podem instalar uma economia mais fortemente dependente de cultivos, mas provavelmente sem dispensar a exploração dos frutos do cerrado, a caça e a pesca. Sua população é numerosa e nenhum outro grupo conseguiu infiltrar-se no seu território, que por seus recursos deveria ser muito ambicionado.

Suas aldeias populosas poderiam permanecer longamente no mesmo lugar e quando era desejado poderia se deslocar para um espaço próximo porque o território era fértil e estava sob seu domínio. Também o sistema de cultivo, baseado em tubérculos e provavelmente no milho, pôde resistir aos avanços dos grupos mandioqueiros da Tradição Uru e Tupiguarani.

A Tradição Uru chega mais tarde e domina o centro-oeste do Estado. Avançando ao longo dos rios, ocupa terrenos mais baixos, provavelmente de pouca utilidade para os aldeões que haviam se instalados antes, mas importante para eles por causa da locomoção e principalmente da pesca. Desta forma se criou entre os dois grupos uma fronteira bastante estável, mas talvez não sempre pacífica, onde aparentemente a Tradição Aratu é mais receptiva, aceitando elementos tecnológicos selecionados, entre os quais não está a mandioca e seu processo de transformação, aceito apenas em locais restritos.

A Tradição Tupiguarani parece ser a mais recente das populações aldeãs do cerrado. Teve um certo domínio sobre o vale do Paranaíba; a partir dele acompanha os afluentes, indo acampar nos abrigos anteriormente habitados pela Tradição Una. Também tem aldeias dispersas na bacia do Alto Araguaia, mas aparentemente sem muita autonomia, convivendo às vezes na mesma aldeia com grupos horticultores de outras Tradições.

O Tupiguarani da bacia do Tocantins tem as aldeias ainda mais dispersas e recentemente, como se realmente fosse, tal qual se imagina, populações vindas já no período colonial, este fato contribuiu para que enfrentassem não só os demais índios aldeões já instalados, mas também os colonizadores brancos que os teriam trazido.

Se a Tradição Uru e a Tradição Tupiguarani, mandioqueiros, parecem mais próximos às culturas amazônicas, embora talvez não tenham procedência imediata de lá, a Tradição Aratu/Sapucaí faz parte de uma Tradição mais de Centro-Nordeste. A Tradição Una, com menos domínio sobre as áreas abertas, disputadas pelos aldeões da Tradição anterior, se comprime numa faixa entre estes e as populações coletoras e cultivadoras do planalto meridional, tradicionalmente conhecidas por suas aldeias de casas subterrâneas. Não obstante esta sua posição marginal, é nela, fora da amazônia, que estão as datas mais antigas para a cerâmica; talvez seja ela uma forma de cultura anterior ao desenvolvimento dos aldeões e, quem sabe, a origem deles.

Talvez com exceção do Tupiguarani, os representantes das outras Tradições de grupos horticultores viveram no território durante séculos sem muita movimentação, como numa terra que era deles; entre 70 e 100 gerações de horticultores sem maiores mudanças, a não ser as normais adaptações de fronteiras, onde populações mais antigas aceitem novas tecnologias recém-vindas.

E, assim viviam, até o dia em que irromperam na área, em grandes destacamentos armados, homens diferentes, não interessados em plantar, colher e caçar, nem em construir aldeias entre o cerrado e a mata, ou à beira da lagoa ou do rio. Queriam levar gente, pedras brilhantes e ouro. Para muito longe. Meados do século XVII.

Foi o caos. As roças foram pilhadas, as aldeias foram demolidas, as mulheres violentadas, as terras de cultivo invadidas, as pessoas morrendo de doenças desconhecidas. A guerra foi a solução ditada pelo desespero. A derrota, o aldeamento, a desmoralização, a extinção ou a fuga foram as conseqüências. Este é o tipo de relações sociais que herdamos e que molda nossa sociedade atual. Espero que este exemplo nos faça refletir e nos impulsione para a busca de um novo alvorecer, que faça brotar em nossos corações um raminho de coragem.

(abril/2006)

Lula e o pé de sabiú

Entre os geraiseiros, povos que habitam ou exercem atividades nos gerais, que é um tipo de cerrado semelhante ao descrito por Guimarães Rosa em "Grandes Sertão: Veredas", existem duas lendas interessantes associadas ao pé de Sabiú, planta frondosa pertencente à família leguminasae e muito comum nos gerais.

A primeira diz que se alguma pessoa, por descuido, passar por debaixo de um pé de Sabiú fica totalmente desorientado, perde a noção das coisas, perde a consciência e fica vagando sem rumo e sem direção. Entre as inúmeras histórias, contam que certa vez um vaqueiro experiente saiu à procura de uma rês desgarrada e, sem se dar conta, passou por debaixo de um pé de Sabiú, logo perdeu a noção dos seus objetivos e por dois dias sequidos vagou sem rumo até chegar a um rancho de um antigo amigo e conhecido. Só que ao chegar ao local não reconheceu as pessoas que ali moravam, seus amigos de longa data. Os moradores do rancho, experientes, logo perceberam o que havia acontecido. Tomaram então o vaqueiro e fizeram-no deitar de bruços por cerca de trinta minutos. Durante este tempo dizem que o vaqueiro teve um sono profundo e quando acordou estava curado, recuperou a consciência, reconheceu e ouviu os amigos e, após se alimentar, seguiu seu rumo determinado.

A segunda lenda reza que pequenas personagens do mato em forma de gente, talvez duendes, todas as sextas-feiras à noite se reúnem em baixo de um pé de Sabiú para festejarem alguma alegria e felicidades. Conta a lenda que no povoado de Riacho D'Água existia um pobre corcunda que era muito maltratado e recebia várias zombarias da gente daquele povoado. Um dia, cansado de tanta humilhação e sem perspectiva, resolveu fugir e andou sem ermo pelos gerais; quando o cansaço bateu, descansou debaixo da sombra de um Sabiú, pois debaixo desta árvore o terreno é sempre limpo. E ali garrou no sono, esganchado numa forquilha da árvore.
Era sexta-feira. À noite chegaram várias criaturinhas que, brincando-de-roda, começaram a cantarolar uma música cuja letra repetia o refrão:
Segunda,
Terça,
Quarta,
Quinta,
Sexta.

O corcunda, animado com a música, pediu aos duendes para participar da brincadeira, sempre repetindo o refrão:

Segunda,
Terça,
Quarta,
Quinta,
Sexta.

E assim teve na vida um raro momento de alegria e felicidade. Diz a lenda que, quando a festa terminou, as criaturinhas indagaram ao corcunda porque estava ali, naquele momento. O corcunda então pôs-se a contar a sua história. As pequenas criaturas, que tinham poderes mágicos, retiraram a corcunda do indivíduo e a dependurou num galho de Sabiú, deram a este roupas novas, muito dinheiro e lhe disseram que poderia voltar para o povoado de Riacho D'Água, que sua vida iria mudar. O ex-corcunda caminhou então de volta e após alguns dias chegou ao povoado. Logo na entrada encontrou uma pessoa que o reconheceu. E, assustado, lhe perguntou o que havia acontecido. Este narrou detalhadamente. A pessoa, na ganância do dinheiro e do poder, saiu correndo procurando o local e, quando o encontrou, subiu num dos galhos da árvore e esperou a noite de sexta-feira chegar. Quando esta chega, eis que para sua surpresa apareceram as criaturas que o ex-corcunda descreveu.

Estas então começaram a entoar sua cantiga, dançando em roda, sempre repetindo o refrão:

Segunda,
Terça,
Quarta,
Quinta,
Sexta.

Num belo momento, quando a dança já estava bem animada ao repetirem o refrão - Segunda, Terça, Quarta, Quinta e Sexta - as criaturas ouvem um som vindo do alto dizendo: Sábado e Domingo também. Atônitos, olham para cima da árvore e avistam a pessoa que modificara o refrão da música.

Indignados, fazem a pessoa descer da árvore, retiram do galho a corcunda que lá ficara e implantando esta nas suas costas o expulsam do local.

Ao analisarmos o desempenho do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva encontramos muita semelhança com a lenda do Sabiú. A impressão que temos é que o Presidente pode ter passado por debaixo desta árvore, ficando totalmente desorientado, esquecendo o que havia proposto no seu Programa de Governo, perdendo a direção do futuro e do rumo certo.


A declaração de Paris, sobre caixa 2, concomitante com as declarações de Delúbio e Valério sobre o mesmo assunto, demonstra a falta de bom senso e esta desorientação. As incertezas da política social, a fragilidade da segurança pública e uma política econômica que não condiz uma vírgula com o discurso da vida inteira, são alguns dos sinais da desorientação total.

A política cultural se assemelha ao homem que quis mudar o refrão da música cantada pelas criaturinhas da floresta, ou seja, não respeita a identidade do povo brasileiro.
A educação prima pelo quantitativo e não é capaz de estancar o sucateamento das Universidades Federais. A burocratização desenfreada do CNPq é um obstáculo para as pesquisas e inovação.

O incentivo ao agro-negócio predatório, a liberação dos transgênicos, as obras de grande impacto ambiental, como transposição do São Francisco, demonstram que a tão propalada coerência anda em circulo sem rumo e sem direção.

Seria bom que o presidente Luís Inácio Lula da Silva tomasse a postura do corcunda humilde, respeitando as tradições e as vocações do povo brasileiro. A ganância só ganhou uma corcunda para o resto de vida. Porém, seria melhor ainda que Lula se pusesse a deitar de bruços e tirasse um sono profundo de trinta minutos; assim, poderia recuperar a consciência, reconhecer e ouvir seus amigos verdadeiros, enxergar neles a coerência de sempre, recuperá-la e retomar o rumo certo.

Nunca é tarde!

(janeiro/2006)

Entre o efêmero e o eterno


Contam que, certa vez, um vaqueiro campeava pelo mato montado em seu cavalo, com certa tranquilidade, quando, de repente, o cavalo saiu em disparada jogando ao solo seu fiel cavaleiro. O vaqueiro, meio atordoado com a situação, pensou, com seu ar de matuto - uai! meu cavalo deve ter ficado doido. Mas quando olha para traz vê, a uns três metros de distância, uma grande onça pintada, sentada sobre as patas traseiras, que o fitava ternamente. Neste momento, o astuto vaqueiro, que estava sem nenhuma arma, imaginou: vou dar um grito bem forte, assim espanto a bichana e me refugio. Encheu os pulmões de ar e soltou o planejado grito. Foi aí que ele descobriu que estava mudo.

Traçando um paralelo com esta história ao ouvirmos atentamente a recém iniciada campanha política, as vezes chegamos à conclusão que estamos cegos, pois somos incapazes de enxergar as intermináveis lista de obras e iniciativas que cada candidato diz ter feito.

Mas o fato que mais nos chama a atenção, ao ouvirmos atentamente as propostas, é que quase todos os candidatos as apresentam baseados no imediatismo, sem levar em consideração as conseqüências dos atos, para um futuro próximo, principalmente quando o assunto é o meio ambiente.

Neste aspecto, o candidato deve levar em consideração as diversas noções do "tempo": o tempo do homem, o tempo do mandato, o tempo da natureza e o tempo da sobrevivência. Cada tempo tem o seu parâmetro.

Nos últimos anos temos alertado de várias maneiras para os riscos que uma política mal planejada para o meio ambiente pode acarretar para o futuro. Temos dado ênfase ao Cerrado, em função das diversas peculiaridades deste ambiente. Entretanto, apesar do clamor, o que constatamos a cada dia que passa é o esgotamento do cerrado em toda sua plenitude. Os órgãos governamentais responsáveis pelo meio ambiente insistem em minimizar o problema, baseados em dados mal interpretados, que não refletem a real situação da natureza.

Na iminência das eleições e na esperança de que algum candidato possa buscar mecanismos para um futuro melhor, destacamos alguns pontos que consideramos relevantes para a elaboração de uma política eficaz neste sentido.

Tomamos a liberdade de usar o verbo no passado ao referirmos às características do cerrado.

Desde a época geológica denominada Mioceno, há 25 milhões de anos, até 1950, o cerrado dos Chapadões Centrais do Brasil ocupava de forma contínua uma área de 2 milhões de km2, abrangendo hoje o que representam os Estados de Goiás, Tocantins, Distrito Federal, leste de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, oeste da Bahia, noroeste e centro/norte de Minas Gerais, Piauí, parte do Maranhão e parte de São Paulo. No presente, este ambiente natural não cobre 10% da área original.

Esta afirmação é feita baseada numa paisagem vegetal medida por populações de plantas e não por plantas isoladas. Uma população é caracterizada por um conjunto de pelo menos 30 plantas da mesma espécie que ocorrem num pequeno espaço geográfico. O contrário, a ocorrência aleatória de uma planta aqui, ali e acolá geralmente distantes entre si, é apenas uma faceta da degradação. A conseqüência imediata dessa situação é a impossibilidade de estudos científicos, em diversos campos do conhecimento: sistemática, genética, fitogeografia etc. e a impossibilidade destas plantas exercerem suas funções ecológicas. Mudando de planta para bicho, antes era comum avistarmos, nos nossos campos, manadas de animais da fauna nativa do cerrado. Com o passar dos tempos, em função da redução dos espaços de sobrevivência, a fauna nativa diminuiu drasticamente.

Com a intensificação da rede viária, era comum avistarmos animais da fauna nativa mortos nas estradas. Nos dias atuais, até este quadro triste não mais ilustra as margens das rodovias, fato este que é um indicador da diminuição drástica da nossa fauna, pois na área do cerrado nenhum corredor de migração faunística foi até então construído pelos governantes. Este é um fato deverasmente muito assustador porquanto a fauna do cerrado é o principal elemento responsável pela disseminação das plantas nativas, muitas das quais têm a dormência de suas sementes quebrada no intestino desses animais. Com a ausência dos animais, diminui a propagação dos vegetais nativos, mesmo porque ainda não temos tecnologia para produção e desenvolvimento em viveiros de 8% das plantas nativas do cerrado até então conhecidas, incluindo as arbóreas, herbáceas e gramíneas, cuja associação é de fundamental importância para a vida do bioma.

Muito tem se falado que o cerrado é o berço das águas. Em muitos escritos caracterizamos este ambiente como sendo a cumeeira da América do Sul. Isto porque as grandes bacias hidrográficas do continente têm seus formadores e alimentadores situados na região do Cerrado, em decorrência de que a região de Cerrado abrange três dos maiores aquíferos do planeta: o aquífero Guarani, que alimenta as águas do sul; e os aquíferos Bambuí e Urucuia, que alimentam as águas do norte e toda bacia do São Francisco.

Esses aquíferos vêm-se formando há milhões de anos. Atualmente, com a retirada da vegetação nativa de suas bordas, ou seja, dos chapadões, eles não estão mais sendo recarregados como deveriam, provocando o fenômeno das migrações, de nascentes, o desaparecimento de cursos d'água menores e a diminuição drástica do volume dos rios. Se a situação continuar sem mudanças em breve espaço do tempo teremos no centro da América do Sul um grande deserto para contemplarmos, e quem sabe, para satisfazer o desejo de uma pequena burguesia que teria enfim um espaço privilegiado para realização de seus rallys predatórios. Em tempo, a área principal de recarga dos aqüíferos ocorre nas suas bordas.

Atualmente, é comum ouvirmos nos discursos de representantes dos órgãos ambientais a palavra revitalização. Para se revitalizar uma área na região do Cerrado é necessário o conhecimento fitossociológico, o domínio de técnicas de produção de plantas nativas em viveiro, o estudo sobre o tempo de desenvolvimento destas plantas para exercerem a função ecológica etc. As plantas do Cerrado são espécimes extremamente complexas, com uma história adaptativa e evolutiva entremeada e dependente de diversos elementos, que variam desde um tipo específico de solo até a dependência de uma abelhinha nativa ou um tipo específico de borboleta polinizadora. Uma plantinha do Cerrado, para chegar a exercer sua função ecológica, pode necessitar de mais de 600 anos até atingir a idade adulta, como é o caso da Canela-de-Ema (Vellozia flavicans) e, apenas por curiosidade, alguém já conseguiu produzir Arnica (Chinolaena latifolia) em viveiro?

Falar, portanto, em revitalização tem que ter profundo conhecimento da biodiversidade em sua plenitude, e, principalmente, estudar a fundo a história evolutiva do cerrado. E, por falar em evolução, seria bom relembrar que de todos os ambientes recentes do planeta, ou seja, os que se delinearam a partir do período geológico denominado Cenozóico, o Cerrado é o mais antigo, o que significa que este ambiente já atingiu seu apogeu evolutivo - o que por sua vez conduz a uma outra situação. Um ambiente que atinge seu apogeu evolutivo e adaptativo, uma vez degradado, não se recupera jamais. Isto vale para a fauna, flora e água. A degradação é o processo irreversível.

A região do Cerrado já foi palco de um intenso povoamento indígena desde 11.000 anos Antes do Presente. Verdadeiras revoluções tecnológicas, experimentadas pelos ameríndios, foram realizadas na região do Cerrado. Algumas dessas inovações influenciaram decisivamente os hábitos não só dos brasileiros, mas da população mundial moderna. Muitas plantas medicinais do conhecimento indígena foram incorporadas na farmacopéia universal.

A população indígena atual que sobrevive em áreas intactas de Cerrado não representa 1% da população geral que outrora habitava a região. A grande maioria foi extinta em função de diversos fatores. O que restou representa muito mais uma continuidade biológica do que uma continuidade cultural.

O mesmo processo está acontecendo com as ditas populações tradicionais, engolidas pelo grande capital, devido á ausência do Estado nos seus territórios. Essas populações estão perdendo sua identidade, seus valores culturais, suas terras, abandonando seus modelos produtivos de agricultura familiar, migrando para os centros urbanos e engrossando as massas marginalizadas e periféricas desses centros.

Ao ler este texto o leitor deve estar indagando. Então temos de frear o desenvolvimento? Parar de crescer?

Não é bem isso, apenas devemos rever o desenvolvimento econômico atual, cujo modelo é predatório e excludente. Porque de nada adianta um "boom" produtivo efêmero se amanhã não tivermos água para sustentar o mínimo possível a vida em toda a sua biodiversidade. Passearemos pelas fábricas, silos e outros ambientes como se fossem ruínas de um tempo mal planejado.

Até o início dos anos 1970 falar de problemas ambientais, como desmatamento, garimpagem predatória, uso indiscriminado de agrotóxicos, assoreamento de rios, exploração desenfreada dos recursos naturais, poluição atmosférica, saneamento básico, emissão de CO2 na atmosfera, aquecimento global, enfim, falar de catástrofes naturais, ou provocadas pelo homem, constituía uma espécie de tabu, de tema proibido. Por quê? Porque para a grande maioria das pessoas o discurso ecológico não passava de uma rebeldia sem causa, ou seja, de um discurso sem fundamento científico, e muito menos político, cuja finalidade única era frear sem justificativa o desenvolvimento material da sociedade.

Os governos só tinham uma idéia fixa: promover a todo custo o desenvolvimento econômico do País e dos estados. Esta visão tecnicista para a maioria dos governantes e da gestão do território já deixava transparecer o que hoje chamamos genericamente de questão ambiental e que se tornou no problema preocupante não apenas para os brasileiros, em geral, mas para os goianos, em particular. Não há necessidade de se enumerar esses problemas, porque eles já afetam a todos os cidadãos, principalmente os das classes sociais menos privilegiadas assistidas. Há que se pensar em como resolvê-los, ou, no mínimo, em como evitá-los, a fim de minimizar os males que deles decorrem.

Na atualidade, os problemas relativos ao meio ambiente permeiam todas as questões concernentes à gestão do território estadual, principalmente as que dizem respeito à educação, de um modo geral, e ambiental, em particular. Desse modo, uma política ambiental verdadeiramente democrática tem que ter como preocupação central dois eixos fundamentais: a educação e a inserção social dos cidadãos pertencentes às classes sociais menos favorecidas. Uma coisa está ligada a outra, pois, sem educação - e aí se inclui a educação ambiental - não há inserção social, mas sim exclusão social.

Como dizem os especialistas, o maior objetivo da educação é criar capital humano de qualidade, dando aos indivíduos maior produtividade e flexibilidade. Vão mais além ainda, ao enfatizarem que as oportunidades de emprego, a produtividade da mão-de-obra, o uso de novas tecnologias, a distribuição de renda e até mesmo a qualidade de vida em uma sociedade dependem dos investimentos em educação.

Felizmente alguns abnegados da ciência brasileira propõem soluções concretas, que possam minimizar o desgaste atual, preservar os bens naturais e culturais e melhorar a qualidade de vida do homem do cerrado.

Solicitamos aos candidatos eleitos que ouçam a comunidade científica brasileira, antes de tomarem decisões administrativas pragmáticas. Quem sabe se esta atitude ajudará a deixar a miopia do efêmero e vislumbrar a perspectiva da eternidade.

Sabemos que a tarefa não é fácil, porém muito mais difícil será a vida no futuro, sem estas observações.

Se continuarmos com este modelo de não sustentabilidade do meio ambiente estaremos armando uma bomba relógio de efeito programado, que acelera o caminho para as covas dos nossos irmãos excluídos, e, certamente, retirarão dos livros as lições de humanidade.

Até quando teremos que contemplar apenas os "lobos" se saciarem?

(agosto/2006)

Teoria do Galo Dourado


Quando a ciência não consegue explicar determinados fenômenos ou fatos que circulam pelos campos da Filosofia, Antropologia, Sociologia, Psicologia, Ciência Política etc., os "cientistas" costumam recorrer às hipóteses, as vezes mal formuladas, que aos poucos vão se tornando verdadeiras e se transformam em teorias.

Assim, diante do fato político de um dos candidatos à Presidência da República se encontrar muito à dianteira dos demais e considerando que durante seu mandato presidencial o candidato não foi coerente com os princípios que sempre nortearam os seus discursos, em virtude da ausência de explicações racionalizadas somos obrigados a recorrer à "Teoria do Galo Dourado", para explicarmos este fato que ora desenha o quadro político brasileiro.

Para compreendermos a citada teoria teremos que lançar mão de uma pequena história. Há alguns anos, um menino morador de uma pequena cidade do interior tinha como passa-tempo criar alguns galos-de-briga e colocá-los em constante competição no pequeno quintal da sua casa. Dentre os galos havia um, de pescoço comprido, penas reluzentes, esguio e valente, na realidade o "rei do terreiro..." Entretanto, é importante salientar que entre os galináceos existe um comportamento bastante peculiar que consiste no chamado "bicamento".

O galo mais valente tem o direito de bicar na cabeça do segundo mais valente, este, no terceiro e assim sucessivamente. Isto ocorre também entre as galinhas e frangos, estabelecendo uma hierarquia muito bem estruturada, hierarquia esta que, permite ao galo mais valente, quando chega a hora da distribuição da comida, expulsar os outros menos valente e saciar a apetitosa comida juntamente com o grupo, deixando a sobra para os demais.

Voltando à história do menino, um dia sua mãe compra na feira um belo galo preto, mestiço de tuso com hachura (raças asiáticas, especialistas em competições). Ao ser solto no quintal, o galo já foi avançando sobre os demais surrando todos eles. Quando o menino viu aquela cena, pensou consigo mesmo e exclamou: esse galo é o cão! Vai acabar batendo também no meu galo dourado. Antes que se concretizasse a batalha entre os dois galos, o menino peou o galo preto e o amarrou por uma das pernas numa tora de madeira, atiçando para cima do pobre galo seu preferido galo dourado, que surrou por demais o galo preto, deixando-o desorientado. Depois do acontecido, o menino soltou o galo preto, que já condicionado pela surra não mais enfrentou o galo dourado, que continuou sendo o dono do terreiro.

Deixando o terreiro dos galos, e voltando ao terreiro da política, somos obrigados a retornar ao tema inicial. Um governo que se elegeu apontando no horizonte a felicidade para todos e conseguiu transformar a metafísica em neurose, deixando claro que às vezes a essência da felicidade pode ser comprada com algumas mentiras baratas. Um governo que fez a esperança tornar-se num rio cujos ruídos de suas águas não escutam nossa sede; que introduziu os transgênicos no Brasil sem uma discussão correta, ética e honesta, com a sociedade brasileira; que apagou o Ministério do Meio Ambiente, transformando-o numa sombra do feroz Ministério da Integração Social, e que juntamente com este Ministério está sorrateiramente executando as obras para transposição do rio São Francisco, quando ele mesmo sabe que isto significa, a médio prazo, a morte do rio.

Um governo que salpicou de pequenas barragens os rios brasileiros, contrariando a legislação ambiental; que tampou os ouvidos para a ciência brasileira; que incentivou a proliferação das Faculdades pegue-pague; que degradou o meio ambiente com uma fúria nunca vista na história brasileira e ainda quer transformar o que resta de intacto numa grande plantação de mamona e num imensurável canavial, como se explica esta dianteira nas estatísticas da pesquisa?

Necessitaríamos de muita reflexão para tentarmos justificar as injustificáveis incoerências cometidas, e não conseguiríamos justificá-las. Portanto a única teoria plausível capaz de esclarecer no momento tal fenômeno é a "Teoria do Galo Dourado", que é explicada por uma das duas formas: ou o povo brasileiro gosta de levar bicadas na cabeça, ou de tanto levar bicadas o povo perdeu a memória.

(Publicado no jornal O POPULAR, de Goiânia, em 11 de setembro de 2006)