terça-feira, 17 de junho de 2008

Por uma Universidade do Cerrado


O Bioma Cerrado em pé é um grande laboratório. Durante longos anos estamos chamando a atenção para os fatos negativos advindos da degradação deste importante conjunto de ambientes. A recém encerrada Conferência de Paris sobre as mudanças ambientais no planeta só vieram a reforçar o que há anos vimos falando sobre o tema.

Dentro desta perspectiva, torna-se imprescindível que os nossos representantes políticos, especialmente os goianos, Governador, senadores, prefeitos, deputados de modo geral, representantes no Conselho Federal de Educação, Arquidiocese de Goiânia e outras Dioceses, além de vários segmentos sociais, se alinhem junto ao Governo Federal para a criação da Universidade do Cerrado.

Antes porém de enfocarmos o cerne da questão, que se trata da necessidade urgente da criação de uma Universidade para estudar o cerrado em toda sua dimensão, gostaríamos de tecer um comentário elogioso acerca do pronunciamento do Reverendíssimo Arcebispo de Goiânia e Chanceler da Universidade Católica de Goiás Dom Washington Cruz, sobre a função, visão e papel estratégico que uma Universidade deve ter diante das exigências do mundo moderno. Sua fala realizada durante a XX Semana de Integração Acadêmica e Planejamento da UCG, recheada de sabedoria, trouxe uma grande esperança para aqueles que sonham com uma Universidade engajada, que busca na vocação regional as diretrizes para suas ações. Dois pequenos trechos do seu discurso ilustram o raciocínio acima.

... "A Universidade tem diante de si um imenso papel profético - afirmou, para explicar que, como instituição de ensino, de pesquisa e de extensão, tem a urgente tarefa de continuar formando a opinião pública acerca dos cuidados com o meio ambiente. De continuar oferecendo aos órgãos públicos que lidam com a questão ambiental os elementos de análise para uma eficaz gestão ambiental. De marcar uma presença colaborativa, propositiva e atenta à missão da Igreja de ser, para o mundo, sinal da salvação e do amor de Deus para com todas as Suas criaturas."

... "A experiência da vida no planeta passa por momentos cruciais, dramáticos, que nos interpelam fortemente como comunidade acadêmica, como docentes, pesquisadores, dotados do senso de responsabilidade social. As mudanças climáticas abruptas são o reflexo direto de uma certa mentalidade utilitarista que tanto marcou, sobretudo deste a revolução industrial, a relação do homem com o meio ambiente. Um dos maiores dramas que vai marcar as relações entre os povos, num futuro bem próximo, será a questão ambiental e a utilização dos recursos da natureza ou a proliferação de substâncias que agridem o ambiente e trazem conseqüências extremamente danosas para a vida."

Por que uma Universidade do Cerrado?

Porque hoje temos a certeza de que o Cerrado que se espalha pelos Chapadões Centrais da América do Sul, pela sua história evolutiva e ecológica, constitui-se num ponto de equilíbrio para a vida, não só do continente, mas para a vida de todo o planeta Terra. O conhecimento de seus mecanismos evolutivos, históricos e sociais, orientados por pessoas que pensam além do economicismo, poderá trazer benefícios concretos e imediatos para o Brasil, além de abrir em perspectivas a possibilidade de um novo modelo de escola.

Quando Darwin apresentou, em 1859, sua obra "A Origem das Espécies", convenceu muitos naturalistas de que os seres não tinham sido criados com formas físicas imutáveis, mas que tinham mudado graças a processos naturais, através de gerações, cobrindo longos períodos. Aqueles que mudaram para formas melhor adaptadas ao ambiente sobreviveram, os outros declinaram e extinguiram-se. A este processo Darwin denominou de seleção natural. Estes conceitos foram suficientes não só para revolucionarem a biologia, mas também todo o pensamento humano.

Os argumentos e fatos indicados por Charles Darwin não incluem os efeitos da inversão de polaridade do campo magnético terrestre, nem a deriva dos continentes, pois estes fenômenos eram desconhecidos ou mesmo inconcebíveis naquela época. Entretanto, os seus efeitos na evolução, diversidade e extinção das espécies constituem elementos importantes e só reforçam o mecanismo da seleção natural.

Esta introdução é oportuna para mostrar a dinâmica do cerrado, sob o olhar biológico e antropológico da seleção natural. Dentro dessa ótica podem-se perceber elementos que de outra maneira passam desapercebidos e a dinâmica da seleção natural tem a força de ressaltar a necessidade de iniciativas embasadas num seguro planejamento ambiental, que, por sua vez, esteja embasado num seguro conhecimento científico.

1) O primeiro ponto a ser levantado no sentido de se compreender esta dinâmica se refere à evolução dos continentes, procurando enfatizar o espaço que hoje corresponde aos chapadões centrais da América do Sul.



Durante o início do Paleozóico, a pelo menos 600 milhões de anos, uma grande massa continental formava a crosta terrestre. Este supercontinente denominava-se Pangéa e ostentava paisagens muito diferentes dos "stoks" que se conhecem atualmente. Somente a título de ilustração, no espaço que hoje corresponde ao território brasileiro formaram-se três grandes bacias de sedimentação, denominadas no Brasil de Bacia Amazônica, Bacia do Maranhão e Bacia do Paraná. Estas áreas, separadas por arcos geológicos, experimentaram durante milhões de anos, diferentes processos de sedimentação e ambientes, ora sendo marinho, ora terrestre e eram conectados com áreas similares no que hoje em dia corresponde à Antártida, África e Austrália, como atestam os processos sedimentares e a existência de fósseis semelhantes encontrados nestes locais.

No Permiano Superior, ou seja, no final do Paleozóico, a 220 milhões de anos, esta grande massa continental inicia um processo de cisão, baseado no deslocamento das placas tectônicas e no Triássico, início do Mesozóico, a 200 milhões de anos, já existem dois grandes blocos continentais, um ao norte denominado Laurásia e outro ao sul denominado Gondwana. Separando os dois supercontinentes se encontrava o mar Tethys, nome que significa mãe dos mares, segundo a mitologia grega.

A Laurásia estava constituída pelo que mais tarde seria a América do Norte, Groenlândia, e a parte da Europa e da Ásia que fica ao norte dos Alpes e Himalaia.

O continente de Gondwana, por sua vez, era constituído pelas terras que futuramente constituiriam América do Sul, África, Índia, Austrália e Antártida.

Ainda no Triássico, dois grandes blocos continentais começaram a se fragmentar em unidades menores, mas as fossas originadas entre estas unidades continentais não chegaram, no início, a constituir barreiras para o movimento dos animais terrestres. Entretanto, no período Cretáceo, no Mesozóico Superior, a 65 milhões de anos, os obstáculos já não permitiam esta comunicação. É importante salientar que esta época coincide com um período de extinção em larga escala dos grandes répteis.

Quando os mamíferos começam a diversificar no final do Mesozóico e Terciário Inferior o início do Cenozóico, a separação dos continentes parece ter chegado ao máximo. Isto aconteceu por volta de 65 milhões de anos. E a partir desta data não se formaram novas rotas de migração. As áreas terrestres foram por sua vez diminuídas. Houve elevação do nível do mar, as águas inundaram as margens dos continentes e formaram grandes mares interiores, alguns dos quais fracionaram completamente os continentes. Por exemplo, nesta época a América do Sul se constituía de duas zonas emersas separadas por água, que ocupava a região que mais tarde formaria a Amazônia.


2) Outra abordagem importante a ser colocada, no sentido de ressaltar o caráter peculiar do Cerrado, se refere ao princípio da irradiação adaptativa

Neste sentido, convém enfatizar a seguinte questão: num ambiente estável, as espécies animais e vegetais tornam-se especializadas, cada espécie ocupando seu lugar na cena ecológica e assim continua até que todos os nichos sejam efetivamente ocupados. A fauna ganha então um estado de equilíbrio em que o coeficiente de produção de novas espécies é igual ao da extinção de espécies existentes. As menores alterações nas condições do ambiente ou habitat produzem pequenas flutuações em torno da posição de equilíbrio.

Em princípios do Terciário, a 60 milhões de anos, a primitiva América do Sul esteve ligeiramente conectada com a América do Norte, mas em seguida esteve completamente isolada até o Pleistoceno Superior, a 18 milhões de anos. A prova desta conexão está na presença de duas ordens de mamíferos fósseis que correspondem a mamíferos comuns às duas Américas: ordem Edentata e Notoungulata.

Este fator, associado a outros, foi fundamental no equilíbrio e delineamento da fauna atual da América do Sul e consequentemente dos animais que mais tarde constituirão a fauna do Cerrado.

Outras quatro ordens de mamíferos são exclusivas da América do Sul: os Paucituberculata - que envolvem os marsupiais, os Pyrotheria, animais já extintos, semelhantes aos elefantes, os Litopterna, ungulados herbívoros, já extintos, parecidos com os camelos e cavalos atuais, e os Astropotheria, grandes ungulados herbívoros atualmente extintos.

A penetração de animais carniceiros da América do Norte para a América do Sul através do Istmo do Panamá, durante o Pleistoceno Superior, associada posteriormente à atividade de caça dos primitivos grupos indígenas, que nesta época já habitavam a América e ainda as mudanças ambientais decorrentes do final da glaciação de Wisconsin, foram fatores decisivos na alteração do equilíbrio ambiental, o que levou à extinção em larga escala da megafauna sul-americana. A partir daí um novo padrão faunístico se configura até a fauna atual, que é de médio e pequeno porte.

No que se refere à flora, pode-se atribuir ligeiramente o mesmo princípio. Dessa forma, a flora brasileira e a africana compartilham muitos ancestrais comuns que, num processo de evolução paralela, associada a agentes climáticos e geológicos diferenciados, apresentam certas semelhanças, embora sejam distintas.

O CERRADO, entendido aqui como sistema biogeográfico, tem sua história evolutiva ligada aos principais processos experimentados pelos vegetais, o que culminou com a formação da flora atual, mas está intimamente ligado também às mudanças ambientais, que aconteceram na área que hoje corresponde a grande parte do território brasileiro, principalmente a partir de 65 milhões de anos. Nesta época, num período denominado Cretáceo, da era Mesozóica, existiam grandes desertos nas áreas hoje correspondentes ao Brasil, sendo que o maior desses desertos recebia a denominação de Botucatu. Daí para frente, porém, houve uma sensível atenuação da aridez, posto que a maior parte do território tenha comportado climas quentes semi-áridos e subúmidos, segundo se deduz, dos tipos de sedimentos e suas microestruturas. Nessa época, uma geografia de grandes lagos rasos, situados em depressões detríticas interiores, limitadas por terrenos semidesérticos, de extensão subcontinental, era a paisagem dominante. Isto ocorreu porque a maior parte dos rios formava drenagem endorreica, ou seja, nascia e desaguava no interior do continente. Nesse tempo, a vegetação era do tipo subdesértica e, provavelmente devido à tipologia geral dos solos, teria sido uma flora diferente de todas aquelas conhecidas no País.

O soerguimento Pós-Cretáceo do Planalto Brasileiro criou outras paisagens sob a vigência de climas bem mais úmidos do que os do Cretáceo, e a custa de drenagens que foram preferencialmente exorreicas, isto é, com franca saída para o mar. Este esquema novo de topografia mais compartimentado e de solos relacionados com climas mais úmidos perdurou por longos períodos do Terciário. Neste contexto surge o Cerrado, que é a mais antiga das paisagens da história geológica recente da Terra. É também a partir do Cretáceo que se consolidam os três maiores aqüíferos do Continente e talvez do mundo: o aqüífero Bambuí, o Urucuia e o Guarani. Cuja totalidade ou bordas, no caso do Guarani, se situam na área hoje ocupada pelo Cerrado. Por isso, todas as grandes bacias hidrográficas do Continente têm suas nascentes ou seus principais alimentadores situados na área do Cerrado.

Uma outra questão importante se refere à teoria do escleromorfismo oligotrófico, proposta por Arens para explicar a gênese do ambiente de cerrado strictu sensu. Este autor admite que o pronunciado xeromorfismo do cerrado seja uma conseqüência das condições oligotróficas do solo. Afirma que um dos fatores principais seja, provavelmente, a relativa escassez de nitrogênio assimilável que pode originar o escleromorfismo oligotrófico, fazendo com que a vegetação peculiar do cerrado seja selecionada pela deficiência de minerais, tendo-se adaptada à mesma. Estudos posteriores de Goodland, Kuhlmamm e Coutinho, dentre outros, comprovam esta afirmação. Arens também afirma que o fogo é um fator que acentua o oligotrofismo, influindo dessa maneira sobre a conservação e propagação do cerrado. Nessa perspectiva a ação do fogo deve ser levada em consideração, quando se tratar de áreas de preservação, com vegetação de campo e cerrado strictu sensu. É por causa do caráter oligotrófico que as plantas do cerrado necessitam seqüestrar grande quantidade de carbono para seu desenvolvimento.


3) Uma terceira abordagem importante se refere à questão do povoamento humano, as ações antrópicas decorrentes desse processo e suas relações com a seleção natural.

Com toda segurança pode-se afirmar hoje que entre 18.000 e 16.000 anos atrás um contingente populacional cruzou o istmo do Panamá e veio de forma mais densa e efetiva povoar a América do Sul. Essas populações no início se acomodaram em nichos específicos do noroeste da América do Sul, onde puderam desenvolver uma cultura cuja economia se baseava na caça especializada de megafauna. Este sistema de vida perdurou de forma efetiva até por volta de 12.000 anos atrás quando a maior parte dessa fauna específica entra num processo de extinção. À medida que o processo de extinção se acentua as populações humanas aí situadas começam a buscar novas alternativas de sobrevivência, o que pressupõe novas formas de organização do espaço e planejamento social.

Nesta perspectiva buscaram-se novos ambientes e teve início um processo migratório em direção leste. Da cultura baseada na caça especializada resulta uma cultura baseada na caça generalizada de animais de médio e pequeno portes. A organização social representada por esses agrupamentos humanos eram bandos compostos de famílias aparentadas que migravam de um lugar para o outro, na medida em que os recursos alimentícios se esgotavam ou apareciam plantas comestíveis próprias de cada estação. Descendo os contrafortes da Cordilheira dos Andes, esses bandos vieram parar na Amazônia Brasileira, atraídos pela diversidade de flora e fauna que caracteriza uma grande mancha de cerrado, que naquela época existia nos baixos chapadões da Amazônia e chapadões Centrais da América do Sul. Estes dados são hoje comprovados pelos estudos de Halffer, Vanzolini, Ocsenius, Prance, Noble, Brown Jr., Greemberg, Rodrigues, Ab'Saber, e vários estudos de Palinologia.

Quando a floresta amazônica começa a coalescer sobre as áreas de cerrado existentes nos baixos chapadões, força um processo de migração faunística, que migra para a grande área existente no Centro da América do Sul; a migração faunística favorece no mesmo sentido uma migração humana.

A área core de cerrado dos chapadões centrais da América do Sul deve ser entendida como um Sistema Biogeográfico, composto por subsistemas interatuantes e interdependentes tanto no aspecto florístico como no aspecto da fauna. Há ambientes secos e úmidos durante todo o ano. A vegetação varia de um gradiente de campo limpo, até um gradiente de mata. Esta diversidade de ambiente empresta à biodiversidade do cerrado um caráter peculiar e seus aspectos evolutivos fizeram com que processos culturais diferenciados também ocorressem de forma "sui generis", transformando a região do cerrado numa espécie de fronteira cultural.

Na realidade alguns dos mais importantes processos culturais americanos nasceram no cerrado, como a formação do tronco lingüístico Macro-Jê, a domesticação e disseminação de certos tubérculos e outros vegetais e o desenvolvimento da tecnologia de caça, pesca e processamento de recursos vegetais nativos e certos cultígenos.

O estudo detalhado de diversas comunidades indígenas habitantes do cerrado demonstra que essas populações aprenderam sabiamente a desenvolver mecanismos adaptativos e planejamento ambiental e social que fossem capaz de lhe permitir uma vida em abundância. Assim são os Kayapó, que habitam as áreas mais elevadas, os Karajá, específicos da calha do Araguaia, os Xavante etc.

Todos estes fatores reunidos fazem com que o cerrado seja um laboratório antropológico único, no qual se deve olhar e aprender para, com sabedoria, saber planejar o futuro.

A população indígena que povoou o cerrado não produziu qualquer modificação brusca no equilíbrio do ecossistema, porque inicialmente os homens eram poucos e o nicho adaptativo era amplo.

Até que a população humana crescesse a ponto do seu tamanho ser prejudicial, coube à seleção natural levar a termo uma adaptação primorosamente equilibrada aos recursos ambientais.

A chegada dos exploradores, de origem européia, trouxe conseqüências bem diversas, por duas razões:

- A principal finalidade não era o povoamento e sim a exploração comercial।

- Mantiveram um contato íntimo, ou com a mãe pátria ou com um poder central deslocado, a quem competia ditar as mercadorias a serem fornecidas e o preço das mesmas.

Portanto pela primeira vez em sua longa história a região do Cerrado ficou sob a influência contínua de um agente que era alienígena ou exótico, consequentemente imune às forças modeladoras da seleção natural local.

No início a devastação foi mínima, mas com o passar dos tempos os sinais destas já eram bastante visíveis. O aumento da imigração acelerou cada vez mais o processo de degradação. Surgiram epidemias novas, que contribuíram para dizimar populações indígenas, como a gripe, o sarampo, a varíola e tal qual como aconteceu em outras áreas do país, a entrada de escravos africanos introduziu a malária e a febre amarela.

O crescimento demográfico também é algo surpreendente, principalmente de 1950 para cá e, é bem provável que depois de 2010 a região do cerrado tenha uma população tão grande que escape às políticas de planejamento. Esta perspectiva é aterradora, tendo em vista a magnitude da degradação que já ocorreu com uma densidade demográfica bem menor.

A partir da década de 1950 implanta-se no Brasil um modelo econômico chamado desenvolvimentalista, onde a meta é atingir o desenvolvimento a todo custo.

Essa política que, no início, é executada de forma até ingênua, a partir dos governos militares de 1964 adquire um caráter ideológico e a partir desse momento o hemisfério começa a presenciar uma grande revolução. Não uma revolução do homem para o homem, mas uma revolução do desrespeito à vida humana e à vida do ambiente.

Dentro dessa perspectiva o cerrado é recortado por inúmeras estradas, rios são represados, montanhas aplainadas, vegetação derrubada, animais ameaçados de extinção, e comunidades tradicionais são desestruturadas num ritmo nunca visto na história da civilização.

Ambiciosos projetos de colonização, sem o mínimo de planejamento e conhecimento, com objetivos puramente políticos, são postos em execução.

Fatos recentes atestam a pujança que este modelo desenvolvimentista tem, como a ocupação desordenada do cerrado por capital alienígena para projetos de reflorestamento com espécies estranhas e produção maciça e efêmera de grãos para exportação. A formação de grandes lagos para geração de energia, cujas conseqüências provocam inúmeras entropias em termos de saúde; por exemplo, podemos ver os sinais de um grande iceberg que virá por aí na forma de epidemias de algumas doenças extremamente devastadoras, como a esquistossomose, a leximoniose e a raiva, cujos efeitos a população atingida pelos lagos e barragens já está sofrendo.

Assim é que no início do século 21, encontra-se em suspense o destino do cerrado.

Se as próximas décadas trarão sua ruína ou salvação, ainda não se pode dizer.

Embora sejam grandes as lacunas no nosso conhecimento, dispomos de informações suficientes para impedirmos uma degradação irreversível.


4) O que se pode afirmar é que enquanto o desejo de explorar o cerrado não levar em consideração a vocação regional, a possibilidade de um programa racional de desenvolvimento será nula.

Esta perspectiva é ainda mais trágica porque só o Homo sapiens, entre todos os seres vivos, tem a capacidade de encarar o seu meio ambiente dentro de uma escala mais abrangente, não se limitando à duração de uma vida. Quando analisamos as atividades humanas, dentro da perspectiva do tempo geológico, somos forçados a reconhecer que o que está acontecendo na biosfera, hoje em dia, nada tem de comum. De fato, desde que os organismos primordiais desenvolveram a capacidade de liberar oxigênio, por volta de centenas de milhões de anos, nenhuma das espécies novas desenvolveu a habilidade de alterar as condições de adaptação da vida sobre a terra. Os continentes mudaram de forma, as geleiras avançaram e recuaram, os mares se ergueram, algumas montanhas submergiram e os pólos se deslocaram, mas os parâmetros físicos e químicos permaneceram essencialmente os mesmos.

Agora, de repente, novos compostos químicos, em concentrações anormais, estão sendo lançados na água, no solo e no ar. Do mesmo modo que as populações indígenas do cerrado, foram quase que exterminadas pelas doenças do Velho Mundo, assim também as plantas e os animais que evoluíram durante dezenas de milhões de anos são incapazes de enfrentar produtos químicos estranhos, introduzidos bruscamente no seu habitat.

Conhecendo de uma maneira geral como opera a seleção natural, podemos predizer com toda a segurança que das milhares de espécies que restaram, poucas serão pré-adaptadas às novas condições, mas nada garante que o Homo sapiens venha a figurar entre os sobreviventes.

Conduzir o Homem do cerrado e a humanidade através dessa crise ecológica é o maior desafio para todos nós, que um dia tomamos consciência da gravidade e da grandeza desse problema.

A possibilidade da criação de uma Universidade do Cerrado abriria entre as universidades brasileiras a busca de soluções para estes tipos de problema e ainda poderia abrir a perspectiva de novos modelos de universidades, onde a teoria poderia caminhar de mãos dadas com a prática, pois a Universidade que une teoria e prática inevitavelmente é holística, multidisciplinar e transdisciplinar, categorias de saberes importantes para a formação de novas mentalidades e formação global do homem.

Na prática este modelo efetuaria com eficiência a pesquisa, o ensino e a extensão, categorias que nos modelos tradicionais estão impossibilitadas de se associarem e se desenvolverem conjuntamente.

Para a criação de uma Universidade do Cerrado pouco se gastaria em termos de recursos humanos, pois algumas instituições federais, como IBGE, Embrapa-CPAC, Universidade Federal de Goiás, além de Centros de Excelência em instituições particulares como o Instituto do Trópico Subúmido e o Instituto de Pré-História e Antropologia, ambos da Universidade Católica de Goiás, poderiam se agregar para formar o corpo profissional dessa nova Universidade.

Outro ponto importantíssimo a destacar é que pela grande quantidade de recursos que o cerrado possui em função de sua diversidade geológica, florística, faunística, cultural etc., e pela experiência dos profissionais envolvidos, uma Universidade do Cerrado tem todos os meios para se tornar auto-sustentável.

Este grande laboratório que é o cerrado, de importância fundamental para o mundo moderno, está somente à espera de que alguma liderança com influência política assuma a bandeira de organizar uma equipe para sua implantação.

Era época em que um dragão voraz olhava para aquelas plantas com apetite devorador. Chegou a época da racionalidade antes que o dragão voraz nos devore.

(abril/2007)

Um comentário:

Anônimo disse...

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