Dedicado
a Louro-de-Manim
Altair Sales Barbosa
Lá pras bandas da cidade de
Correntina, Oeste da Bahia, vez em quando se ouve uma história que dizia que no
remanso Cabeludo de Véia Lôra, onde o rio Correntina (das Éguas) descansa um
pouco para tomar fôlego e seguir turbulento rumo ao Corrente, existe um local
perto de uma gameleira onde foi enterrado um pote de barro todo lacrado,
guardando dentro de si muitas virtudes. Dentre estas, diz-se que no pote se
encontra a sabedoria, a bondade, a simplicidade e o amor pelo lugar, pela terra
querida.
Quando menino, morando em
Correntina, essa história recheava meus pensamentos e estimulava a busca pelo
desconhecido, principalmente quando o vento noturno trazia para a cidade o som
da cachoeira, que encantava nossos sonos.
Um belo dia, muito triste nas
minhas lembranças, tive de deixar aquele local, pela vontade de meus pais e de
meus avós maternos, para estudar num centro maior, e Goiânia era o destino mais
fácil. Naquela época as estradas eram trilhas, feito serpentes que rastejavam
pela belezura incomensurável das veredas. Não existiam pontes nos rios, e o
velho pau-de-arara, fuçando feito um cão farejador, capengava em direção às
nascentes, para contorná-las até estacionar em um ponto da capital de Goiás, após
seis a oito dias de viagem.
Era fim de tarde, quando minha mãe, eu e meus dois irmãos, os demais ainda não tinham nascidos, e mais algumas dezenas de rostos, procurávamos um lugar aconchegante na carroceria do caminhão, entre os sacos de farinha, fardos de rapadura, toneis de cachaça e latas de querosene jacaré, que era usado para abastecer a condução durante o trajeto.
O caminhão também conhecido por
chavriolé estava estacionado numa parte plana e alta, bem na entrada dos
Gerais. Em sua volta, uma multidão de pessoas conversava e se despedia. Sentado
num saco de farinha, pude ver meu pai, que não pôde acompanhar, pois ficara
para cuidar de outros afazeres, e meus eternos colegas e infância. Lá no fundo
eu sabia que jamais voltaria para morar naquele paraíso, nem brincar com meus
amigos.
Quando o caminhão começou a
serpentear pelo areião, ainda pude ver entre os meninos Louro-de-Manin. Naquele
momento meu coração sofreu um apertume de saudade. Não sei depois o que
aconteceu com minha vida, foi tudo muito rápido, como um sonho bonito, quando
acordei, já era professor universitário, requisitado por muitas outras
universidades da América, conhecido pelos meus artigos, em cantos da terra, que
eu nem pensava existir. Mas nada disso tirou da minha lembrança a figura dos
meus colegas amigos e do povo daquele lugar, muitos dos quais nunca mais vi.
O tempo foi passando como um
graveto carregado pela correnteza das águas do Correntina e, um certo dia, eis
que reencontro Louro-de-Manin. A alegria foi tão grande, que se juntassem as
águas do Correntina e do Arrojado, ainda sobrariam cabaças vazias. Aos poucos,
meu conhecimento sobre Louro, agora adulto, foi se avolumando; acompanhava de
longe seu trabalho, suas ideias e não foi difícil descobrir que não é preciso
estudar numa grande universidade para ser sábio. Logo percebi nas ideias
expressas por Louro a essência da sabedoria. Foi então que me lembrei das
sábias palavras de Clodomir Morais.
“... nos
campos das ciências históricas e das artes, a existência social, armada de
capacidade de observação e de percepção de certos fenômenos, permite, com a
ajuda de práxis e de algum autodidatismo, que haja geração espontânea de
escritores, jornalistas, sacerdotes, sociólogos, psicólogos, músicos
causídicos, muitos deles tão eficientes quanto os profissionais saídos das
Universidades”.
Aos poucos, minha convivência com
Louro foi despertando os grandes mundos de suas particularidades. E eu, que
achava que no mundo não existia ninguém que amasse Correntina mais que eu,
descobri que essa pessoa existe, e se chama Louro-de-Manim.
Além de uma pessoa transparente,
solidária, cordial e muito amorosa, Louro reúne sabedoria, humildade, paixão
pela terra natal, amizade, companheirismo e tantas outras virtudes que se torna
difícil para um vivente descrevê-las. Quando fala em Correntina, mesmo na
bondade das críticas, deixa claro seu coração transbordando de amor. Chora e
sorri, pela terra e pelo rio, como se ali fosse um umbigo do mundo, do qual a
parteira Narinha nunca não cortou o cordão.
Portanto, digo a quem se interessar e puder, se tem alguém que em vida mereça uma grande homenagem ou uma forma de apoio para realizar os sábios sonhos escondidos por detrás de seus criativos e ambiciosos projetos, esta pessoa se chama Laurentino Neves (nome de batismo de Louro-de-Manim), que atravessou pontes e pinguelas na vida, para deixar Correntina no centro do mundo.
Ele nunca contou, mas, pelos seus
atos, jeitos e trejeitos, acredito que tenha sido a pessoa que descobriu o pote
lacrado e guardado na gameleira no Cabeludo da Véia Lôra. Espero que eu esteja
certo, pois quando abrir o pote certamente sobrará para nós um pouco das
virtudes nele guardadas, porque Louro sabe e sempre soube repartir.