Altair Sales Barbosa
Tá vendo aquele pequizeiro
frondoso margeando o restinho que sobrou daquela vereda. Dizem que ali, bem ao
lado daquela árvore existia um rancho de buriti. Nele vivia um moreno com a
pele igual à cor de rapadura, conhecido como Zeca Brejeiro. Feroz trabalhador,
inteligente e muito cheio das sapienças.
Nos brejos, sem arrancar uma
plantinha que ali nascia, ele cultivava feijão, mandioca, abóbora, cabaça e até
arroz. Aqui e acolá, entre um ponto e outro da vereda, era comum ver alguns
mamoeiros, cujos frutos serviam tanto para seu consumo, como também para os
animais.
Era mestre em seguir as desconfiadas uruçus. De suas colméias, ele retirava, sem destruí-las, o mel para sua sobrevivência.
Também conhecia os segredos dos
vegetais. Era comum ver vaqueiros transeuntes parados no seu rancho,
solicitando ervas para curar alguma doença malinada. Entretanto, sua maior
virtude era o dom da música. Ele era a própria essência dessa arte. Ele mesmo
fazia suas rabequinhas e violas, usando pedaços de madeira, que já adormeciam
por aqueles longínquos e intermináveis gerais. Para seu acabamento utilizava
ferramentas rústicas, algumas fabricadas por ele mesmo, no limo da pedra de
amolar.
Sua rabequinha tinha quatro
cordas de tripa. Era usada apoiada no ombro esquerdo e com a voluta para baixo,
quando a tocava irradiava no ar uma sonoridade fanhosa como o canto da acauã.
Sua viola tinha cinco pares de cordas de arame, quando a dedilhava era como se
ecoasse pelos ares uma orquestra de aves canoras.
Tanto a fanhosidade da rabeca,
quanto a canoridade da viola deixavam o ar com um sabor adocicado, que entrava
pelos ouvidos e acalentava a alma do vivente.
Contam que quando Zeca Brejeiro
manejava seus instrumentos musicais, tudo em volta parava para ouvir a sua
música. Os rios corriam mais serenos, os ventos deixavam de balançar as palmas
do buriti, suçuapara esticava seu pescoço, que de longe se podiam avistar as
galhadas, só para apreciar aquela melodia, suçuarana encostava a barriga na
relva fresca e descansava no leito da vereda. Lobo Guará levantava as orelhas
igual favas de xixá, para ouvir as boas notas que recheavam o ar. Arara,
periquito, papagaio, juriti, tudo se aquietava, na hora que Zeca Brejeiro
tocava.
Um belo dia, rompe naquelas
redondezas um som diferente, não era o som dos ventos, que freqüentemente
redemoniavam as relvas dos gerais, nem a cachoeira, rugindo nas pedreiras,
também não era o grunhindo dos queixadas, nem o esturro da onça pintada. Era o
roncar de um trator puxando uma carreta recheada com bolas de arame farpado.
Zeca Brejeiro mirando desconfiado
aquela cena, pensou consigo mesmo: - deve ser o tal do grileiro, que certa vez
Lídio vaqueiro me contou. Lembrou que Lídio também lhe havia dito, que este
tipo de gente procura apossar-se de grande quantidade de terras, mediante
falsas escrituras de propriedade, que adquirem subornando os cartórios.
Não era o grileiro, era apenas um
de seus representantes. No outro dia foi chegando mais gente e mais máquinas,
que se avolumavam ao sabor do tempo. Tudo isso acontecendo com desprezo à
existência de Zeca Brejeiro.
Logo surgiram cercas longas,
maiores que as curvas das veredas. As máquinas que chegaram, não perderam
tempo, de imediato, foram atirando ao chão pedaços daquela vastidão, que os
dias se responsabilizavam para aumentar cada vez mais os hectares degradados.
Zeca Brejeiro tentou por diversas
vezes reagir, mas era ignorado e ridicularizado pelos capatazes do misterioso
grileiro.
Um dia, saiu bem cedo para coletar mel de uruçu, quando retornou, seu rancho havia sido sapecado, qual a penugem de um capão sendo preparado para uma senhora em época de resguardo. Por sorte, sua rabequinha e sua viola que estavam num saco de meia dependurado num dos galhos do pequizeiro, não foram atingidas pelas chamas devoradoras.
Contam que quando Zeca Brejeiro
viu aquela cena, ficou imóvel, não teve reação de desespero, apenas se
ajoelhou, balbucionou alguma oração onde entre uma frase e outra se ouvia: -
Sei que a noite é uma senhora, logo chegará o amanhecer!
Tomou pelas mãos o saco de meia,
com os instrumentos, e cuidadosamente o alojou no dorso e saiu pelos brejos
adentro daquela vereda.
Ninguém mais tem notícias suas.
Se é vivo ou se morreu, ninguém sabe.
Apois se conta ainda hoje que um velho vaqueiro
atrevido que por aquelas bandas passava, trouxe a notícia que todas aquelas
plantas foram atiradas ao chão e que por ironia do destino só sobrou o velho
pequizeiro. Este vaqueiro disse também que se arrepiou todo, quando um
pé-de-vento soprou os galhos daquela árvore, pois estes rangiam tal qual o som
da rabequinha de Zeca Brejeiro.
Parabéns, professor Altair Sales Barbosa. Este site é uma bela e oportuna em defesa do conhecimento, para que possamos apreciar, respeitar e valorizar o cerrado e a sua natureza.
ResponderExcluirParabéns, professor Altair Sales Barbosa. Este site é uma bela e oportuna defesa do conhecimento, para que possamos apreciar, respeitar e valorizar o cerrado e a sua natureza.
ResponderExcluirVEREDAS
ResponderExcluirGosto das veredas.
Sou navegante buritizais
atando íntimos quereres gerais.
(Hélverton Baiano)