sábado, 9 de dezembro de 2017

AS CHUVAS CHEGARAM AO CERRADO


Altair Sales Barbosa        

Iniciou a estação das chuvas, a atmosfera certamente ficará mais limpa das poeiras, das fuligens oriundas das últimas queimadas, o calor será amenizado e até os rios começarão a ter mais águas, algumas represas iniciarão a retomada de suas reservas e assim por diante. Essas pequenas amenizações farão até que esqueçamos que há bem pouco tempo estávamos vivenciando um período caótico de seca e assim, a vida continua...

As águas que enchem os rios, logo vão parar no mar, aquelas que precipitam sobre as áreas urbanas vão escoar rapidamente e terão suas chances diminuídas para infiltração nos solos, porque esses se encontram impermeabilizados pelo asfalto. Logo surgirá um pequeno veranico e este será capaz de despertar novamente nas memorias, de que os rios estão secos e que temos que enfrentar novamente a falta d’água. Termina o veranico e tudo se apaga das memórias. Tudo parece voltar ao normal. Até que a estação seca chegue novamente, aí recomeçam movimentos, seminários, críticas, audiências públicas etc. E assim, o ciclo deve continuar por mais uns cinco a dez anos, quando as águas dos córregos, dos poços e dos rios desaparecerão por completo e então será tarde demais. Isto acontece porque nos falta entender que a Terra é um sistema dinâmico, cujos elementos não estão superpostos, mas interagem formando complexos ecossistemas.

Dessa forma também funciona o Sistema do Cerrado, de cujo equilíbrio dependem as outras matrizes ambientais brasileiras. Aliás, nem sei porque ainda faço esta afirmação, pois já venho falando isto há mais de quarenta anos. O padrão pluviométrico do cerrado, já enfrentou diversos impactos naturais, como Glaciações, El Niño, Lá Niña, mas de modo geral, tem permanecido o mesmo por milhares de anos. Como prova desse quadro é a adaptação das plantas ao regime pluviométrico de duas estações definidas, uma seca outra chuvosa. Entretanto, a quantidade de água que hoje dispersa do cerrado vem diminuindo de forma significativa e irreversível pela ação do homem.

Uma dessas ações pode ser caracterizada pela retirada da cobertura vegetal nativa, impedindo dessa forma a retenção das águas pluviais nos lençóis subterrâneos, que são alimentadores de cursos d’águas superficiais. Outras ações se caracterizam pela captação das águas dos rios para irrigação em larga escala, a água dessa forma se perde pela evaporação. Outros fatores que provocam defluências do curso superficial principal em grandes proporções para canais longos e profundos, podem provocar de forma parcial ou irreversível o desaparecimento do corpo hídrico que os alimenta.

O fenômeno da urbanização que assola a contemporaneidade, com pavimentação que cobre grandes espaços, favorece o escoamento rápido das águas das chuvas, que por sua vez pouco infiltram no solo, provocando cheias ou enchentes que trazem como consequências transtornos urbanos e o mais grave ainda é que impulsionam as águas na direção da calha dos corpos hídricos que com o aumento da velocidade chegam mais rápido aos oceanos.

A retirada da cobertura vegetal natural acelera os processos erosivos, que por sua vez provocam os assoreamentos. Mas a parte da água continental mais afetada trazida pelas chuvas é aquela que forma o sistema de águas subterrâneas, que é um reservatório no ciclo hidrológico, que se localiza abaixo da linha do solo. A fonte imediata da água subterrânea é a precipitação que infiltra no solo em virtude de diversos fatores como porosidade e captação pelas raízes da plantas, embora a fonte imediata seja a precipitação a origem e destino final dessas águas são os oceanos.


Essas águas são depositadas num primeiro momento nas camadas superficiais do solo, formando o lençol freático, que uma vez saturado penetra lentamente até encontrar impermeabilidade, formando ao longo de muito tempo os lençóis profundos denominados de lençóis artesianos ou aquíferos. Os aquíferos do cerrado se localizam entre os poros de rochas sedimentares, mas também são encontrados nas galerias cársticas que foram delineadas pela história evolutiva do planeta. Seu deslocamento é lento, todavia, mais dias, menos dias, chegam aos oceanos, para iniciarem um novo ciclo hidrológico. Os aquíferos são responsáveis pelas nascentes que dão origem a maioria dos rios do cerrado. Sua existência está na dependência das águas precipitadas e de suas captações principalmente pelas vegetações de raízes profundas e de sistemas radiculares complexos. Se a vegetação for retirada ocorre considerável variação da quantidade de água contida nos aquíferos, o que pode culminar com seu desaparecimento, por isso não basta apenas olharmos para a atmosfera esperando as chuvas, temos que ser vigilantes com o que acontece ao nosso redor e lembrarmos mais uma vez, das reservas de água que ainda se encontram debaixo dos nossos pés, porque o dia que essas reservas desaparecerem, certamente surgirá uma situação de caos social, com consequências inimagináveis.


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