ÁGUA NOSSA
DE CADA DIA
Altair Sales Barbosa
Para entendermos as diversas questões ligadas à diminuição drástica da vazão da maior parte dos rios do Brasil, bem como a diminuição dos reservatórios e o desaparecimento de centenas de cursos d’águas do Planalto Central Brasileiro, torna-se necessário compreendermos a dinâmica do Planeta Terra, que se encontra acima das nossas cabeças e a dinâmica que se encontra abaixo dos nossos pés.
Não podemos ignorar que a Terra é um planeta dinâmico, e se encontra sempre em mutação, ou seja, as forças que atualmente nele atuam, são as mesmas que sempre atuaram desde os primórdios. É importante também trabalharmos com uma afirmação e uma indagação: A quantidade de água que hoje existe na Terra é a mesma que sempre existiu, pelo menos no parâmetro de tempo de 600 milhões de anos para cá. A indagação poderia seguir o seguinte caminho: A água que existe ou existiu em alguns locais da Terra pode desaparecer? Toda água hoje existente no Planeta também pode desaparecer?
Para respondermos tais indagações é necessário entendermos como já falamos, o que ocorre acima das nossas cabeças, e o que ocorre abaixo dos nossos pés. É bom também que se diga que esses fenômenos estão intimamente interligados.
Acima de nossas cabeças
existe a atmosfera com diversas camadas, cada uma dessas camadas possui
composições e dimensões diferenciadas. A penúltima camada é a Exosfera que se
situa acima dos 500 km sobre nossas cabeças e constitui o espaço sideral.
Envolvendo a Exosfera encontra-se um escudo protetor da Terra que se denomina Magnetosfera.
Esse escudo protege o planeta Terra dos ventos solares. Sabe-se que o sol
irradia em todas as direções um vento de alta velocidade que varia de 300 a 900
km por segundo. Se parte significativa da Magnetosfera se romper e esses ventos
em sua totalidade atingirem o nosso Planeta, tudo que existe será varrido da
sua superfície, incluindo a água, que vai se evaporar, além de inúmeras outra
consequências. A existência da Magnetosfera depende do equilíbrio magnético da
Terra, que orienta por exemplo o movimento de rotação do Planeta. Este equilíbrio,
já foi minimamente afetado pelo menos por duas vezes durante a história
evolutiva da Terra e causou transtornos imensuráveis. Atualmente, existem
autores que afirmam que em virtude de obras monumentais na superfície da Terra,
o seu equilíbrio, como também o movimento de rotação, estão sendo alterados. Segundo
esses mesmos autores, fatos já estão afetando de forma crescente a Magnetosfera.
Portanto uma das questões pode ser assim respondida: A água superficial da Terra
incluindo os oceanos, pode sim desaparecer se a Magnetosfera se romper.
Entretanto, enquanto
isso não ocorre, trataremos de fenômenos menores, como por exemplo a primeira
camada da atmosfera terrestre denominada Troposfera.
A Troposfera é a
primeira camada da atmosfera que se situa dos nossos pés até uma altura média
de 10 km. Atualmente esta camada é composta em média por 76% de Nitrogênio, 21%
de Oxigênio, 1% de Argônio e o resto por outros componentes como: Dióxido de Carbono,
vapor d’água etc. A temperatura e a composição da Troposfera variam de latitude
para latitude e de altitude para altitude, conferindo a cada lugar uma
característica especial.
As correntes aéreas que
trazem umidade, seca, calor e frio para os continentes circulam na Troposfera e
variam ciclicamente. Por exemplo, durante o último glacial, situado entre
18.000 a 13.000 anos Antes do Presente, essas correntes modificaram quase que totalmente
a face do Planeta, transformando lugares úmidos e temperados em desertos e áreas
desérticas em áreas úmidas.
São vários os fenômenos
que alteram a circulação aérea da Troposfera, mas citaremos apenas alguns a título
de exemplificação: o primeiro é a modificação da circulação das correntes
marinhas, que de forma direta influenciam as correntes atmosféricas. As
correntes marinhas podem modificar seu curso e temperaturas mediante causas naturais:
Glaciação, aquecimento das águas oceânicas, fenômeno conhecido como El Niño ou
resfriamento dessas águas, fenômeno conhecido como La Niña. Segundo dados da NASA
desde quando se começou a mensuração de El Niño, 2015 foi o ano em que o
fenômeno se mostrou mais intenso. Provocando chuvas torrenciais nas áreas
subtropicais e estiagem prolongadas em alguns locais situados nas faixas tropicais.
Sabe-se hoje que
correntes marinhas profundas e frias que deslocam a 4 km de profundidade,
oriundas da Groenlândia, circulam também pelos oceanos de forma lenta e
aleatória, alterando a temperatura da água oceânica por onde passam.
Ainda acima dos nossos pés,
acontece um conjunto de ações antrópicas capaz de modificar drasticamente o clima
local e regional. Os exemplos mais clássicos são os desmatamentos e a crescente
urbanização, esta exige a pavimentação de grandes áreas impedindo a
transpiração dos solos, a infiltração da água, formando ilhas de calor e zonas
de baixa pressão atmosférica, que podem provocar transtornos imprevisíveis.
Mesmo em época recente,
várias áreas foram afetadas por períodos de longas estiagem, que obrigaram as
populações a migrarem para outros locais, deixando cidades inteiras
abandonadas, o exemplo mais clássico é dos Maias no sul do México e Guatemala.
Abaixo dos nossos pés
está toda uma complexa estrutura composta pelas placas tectônicas e pelas
camadas internas da Terra, a começar pelo manto até o núcleo. O Manto da Terra
que se situa abaixo da crosta, local caracterizado pelas placas tectônicas, é constituído
de matéria fluida. No manto se encontram as plumas e as superplumas, que formam
as correntes de convecção, quando essas correntes quentes ou frias se aproximam
da crosta, alteram a temperatura das águas oceânicas para quente ou fria, que
por sua vez influenciam as correntes marinhas, mudando a orientação e
composição destas e, assim por diante.
Bem, uma das questões
foi respondida a água que atualmente existe na Terra poderá um dia desaparecer
do Planeta. Entretanto, com relação as questões ligadas a diminuição da vazão
ou desaparecimento de cursos d’água de um local. Como isso é possível?
Num primeiro instante,
torna-se necessário que sejam ressaltados alguns elementos da Hidrosfera.
A Hidrosfera é constituída
por vários elementos, vapor de água, água subterrânea, água congelada nas
geleiras, água dos oceanos e aquela pequena, mas importante quantidade de água
confinada nos canais da terra, denominada águas correntes. 97, 2% da
água existente no planeta Terra está nos oceanos, 2,15% está sobre as massas
continentais, mas congelada em geleiras especialmente na Antártida e
Groenlândia, 0,83% de toda a água se encontra nos rios, nos lagos e nos lençóis
subterrâneos.
Uma outra questão
importante a ser considerada, é que as correntes fluviais constituem sistemas
dinâmicos que se ajustam de forma continua às mudanças naturais e às mudanças
provocadas pelo homem. Mudanças climáticas afetam sem sombra de dúvidas a
quantidade de água disponível. Porém, por outro lado, a pavimentação das áreas
urbanas aumenta o efêmero escoamento de superfície. E, a retirada da vegetação
nativa diminui drasticamente o nível dos lençóis subterrâneos, responsáveis
pela perenização dos rios.
Outro elemento
importante a ser considerado é o que se denomina ciclo hidrológico.
Independentemente de
sua fonte, o vapor d’água sobe para atmosfera onde ocorrem processos complexos
de formação de nuvens e condensação. Grande parte da precipitação mundial, 80%,
cai diretamente nos oceanos e 20% das precipitações restantes caem sobre a
terra, uma grande quantidade, volta para o oceano pelo escoamento. Todavia um
pequena parcela dessas precipitações fica armazenada em lagos, pântanos,
geleiras, ou penetra sob a superfície formando sistema de água subterrânea.
Todo esse sistema é interligado, mesmo a água liberada pelas plantas através da
transpiração, entram na atmosfera e todas as águas continentais, acabam
voltando para o eoceno, iniciando um novo ciclo hidrológico.
A água subterrânea é um
reservatório de suprimento mundial de água doce. Como todas as águas, num ciclo
hidrológico, a fonte definitiva da água subterrânea provém dos oceanos, mas sua
fonte imediata é a precipitação que se infiltra nos solos e penetra nos vazios
desses solos, sedimentos ou rochas.
O lençol subterrâneo
desempenha papel fundamental para vida dos rios. Mas, para compreender a sua
formação, alguns elementos são importantes.
Parte da precipitação
que cai sobre a terra evapora e parte entra nas correntes e volta para o oceano
pelo escoamento superficial. O restante penetra no solo. A medida que a água se
aprofunda uma parte adere ao material no qual se move e interrompe a descida. A
parte que penetra e se acumula e procura preencher os espaços dos poros
disponíveis. Dessa maneira são definidas duas zonas de acordo com o conteúdo
dos espaços ocupados nos poros, pelo ar ou pela água: a zona de aeração e a
zona de saturação. A superfície que separa as duas é o lençol freático. Uma vez
saturado o lençol freático, de acordo com a porosidade das rochas penetra
nestas, formando o lençol artesiano ou aquífero, a perenização dos rios depende
normalmente das águas dos dois lençóis. Entretanto há locais em que os rios não
são alimentados por aquíferos e somente recebem água do lençol freático. Neste
caso o desmatamento pode eliminar o lençol freático, que também pode desparecer
em função de uma estiagem prolongada. Quando os dois fenômenos acontecem de
forma simultânea, a vida do lençol é curta e o rio pode secar imediatamente. Isto
acontece por exemplo com os rios do semi-árido brasileiro e com a maior parte
dos rios afluentes da margem direita do São Francisco, que só são alimentados
pelo lençol freático. Alguns processos de desmatamento nesses locais, já
impedem a formação de novos lençóis e os rios que ali existiam deixaram de
existir para sempre.
Esta é uma forma do
desaparecimento de cursos d’águas, através da intervenção humana. Outro exemplo
clássico de intervenção humana desastrosa, se refere a transposição dos rios
Amur-Darya e o Syr Darya, pela antiga União Soviética, para irrigar plantações
de algodão.
Os dois rios citados,
eram os alimentadores da bacia endorreica do Mar de Aral. Consequência: o mar
praticamente secou, deixando um solo com alto índice de salinidade, que somente
uma espécie vegetal ali se desenvolve, além da poeira salgada provocar doenças,
incluindo o câncer em mais de 30 milhões de pessoas, sem falar nas plantações
de algodão que não vingaram. O mesmo fenômeno está
acontecendo no Brasil, com a transposição do rio São Francisco.
Um outro fator que faz com que vários cursos d’água desapareçam ou tenham sua vazão extremamente diminuída refere-se a retirada sem precedentes da cobertura vegetal natural do Centro-Oeste Brasileiro. Essa vegetação é responsável pela absorção das águas das chuvas e as deposita nas bacias de sedimentação intra-cratônica, formando os aquíferos, responsáveis pela alimentação, vida e perenização de todas as águas que vertem para a bacia hidrográfica Amazônica (margem direita), para a bacia hidrográfica do São Francisco, para a bacia hidrográfica do Paraná e para outras bacias hidrográficas menores independentes como a bacia do Parnaíba, Jequitinhonha e Doce.
As águas desses
aquíferos durante milhões de anos foram armazenadas nas rochas porosas dos
arenitos Urucuia, Botucatu, Bauru, Poti, Aquidauana etc., que formam as bacias
geológicas do Parnaíba/Maranhão e do Paraná.
Um Cráton é uma grande
superfície onde ocorre em diferentes profundidades, rochas graníticas, bastante
antigas de idade Pré-Cambriana. Os minerais que o compõem, estão bem fundidos,
impedindo a porosidade dessas rochas. Portanto as águas que correm sobre um
Cráton, são águas do lençol freático. Como já dissemos o desmatamento nestas
áreas ou uma forte estiagem são fatores que exterminam com esses lençóis, impedindo
o acumulo de água para alimentar o fluxo corrente. No Brasil, há duas formações
cratônicas significativas. O Cráton do São Francisco que abrange quase a
totalidade da sua margem direita e pequena porção da margem esquerda e o Cráton
do Amazonas que abrange sua margem esquerda mergulhando pela calha até atingir
a margem direita, até a altura baixa de seus afluentes.
Entre esses dois Crátons
estão as diversas bacias sedimentares de idades diferentes. A maior extensão
abrange as bacias geológicas do Parnaíba/Maranhão e Paraná. Seu núcleo principal
está coberto por cerrado, que é a vegetação que em função de seu sistema
radicular absorve a água da chuva e a armazena nas rochas porosas dos
aquíferos.
A partir de 1970 num
novo modelo de organização territorial foi implantado no centro do Brasil, fato
que contribuiu para que o cerrado entrasse num processo global de entropia e
fosse gradativamente perdendo seus elementos essenciais, fauna, flora, cultura
e inclusive suas reservas de água.
Nenhum comentário:
Postar um comentário