Quando em 2005 o bispo da Diocese de Barra (BA), d. Luiz Flávio Cappio, simbolizou um jejum através de uma greve de fome conclamando a atenção do povo brasileiro sobre os riscos da transposição do Rio São Francisco, cujo projeto vinha sendo arquitetado na surdina pelo governo federal e discutido com certa dosagem de omissão social pelos reais pesquisadores brasileiros, fez despertar na Nação brasileira a necessidade de discutir com maior profundidade este seriíssimo tema.
Nessa perspectiva, inúmeros seminários foram realizados nas universidades, Igrejas e outras entidades, por pesquisadores, técnicos, movimentos populares e população em geral, em vários pontos do País. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), à época – além do governo federal –, foi a primeira instituição, com exceção de alguns bispos, a condenar aquele ato do nosso irmão d. Luiz Cappio, alegando caracterizar-se um ato contra a vida. O governo do Brasil, talvez surpreso com a reação dos brasileiros e com a insistência de d. Luiz em manter o jejum, demagogicamente enviou um de seus emissários, o então ministro Jaques Wagner, para negociar com o bispo a interrupção do jejum, com promessas levianas e desprovidas de conhecimentos de ecologia. Naquela ocasião, percebendo a inconsistência dos argumentos governamentais e diante da aceitação de d. Luiz Cappio de encerrar seu período de jejum, escrevi um artigo (O POPULAR, 17/10/2005) intitulado Enganaram o bispo.
De lá para cá, vários movimentos, reuniões, palestras salpicaram em todo o Brasil, incluindo reuniões com o próprio governo federal. A partir de então a própria CNBB e as Escolas Católicas começaram a dar muita ênfase em seus pronunciamentos sobre a valorização e a luta pela vida como um todo, incluindo com muita força as questões ambientais. A última Campanha da Fraternidade sobre Amazônia e vida é o reflexo dessa compreensão.
Assim, todos devemos entender que a atitude tomada por d. Luiz Capppio é um exemplo de luta pela vida do Rio São Francisco, pela vida dos seus afluentes e pela vida de toda população ribeirinha situada ao longo da vasta bacia do Rio São Francisco.
Os pesquisadores brasileiros, sérios, já demostraram através de seus estudos que executar a transposição do Rio São Francisco, dentro do contexto atual em que se encontra a degradação do Cerrado, de cujos aqüíferos saem os alimentadores do grande rio, é acelerar a sua morte e a de seus afluentes, que já vivem em estado de inanição.
Talvez à época de d. Pedro II, idealizador do projeto, o impacto da transposição fosse menor, porque ainda tínhamos o Cerrado nos chapadões centrais do Brasil. Hoje a realidade é outra.
Portanto, nós que já fomos tantas vezes iludidos, devemos prestar bem atenção no que se esconde detrás do argumento governamental de que vai realizar a transposição para matar a fome dos nordestinos – isto não passa de uma grande falácia. Na realidade, a ânsia pela transposição é mais uma armadilha do capital internacional e do modelo econômico elitista e predatório financiador de canaviais, para que a Caatinga, da mesma forma que o Cerrado, ambos biomas não inclusos como Patrimônios Nacionais, se transforme em grande área propícia para a exportação do etanol.
Famintos não existem somente no Nordeste brasileiro e a fome não se cura com transposição, basta olharmos as populações dos bairros pobres e das periferias, morros e favelas das grandes cidades brasileiras.
Portanto, é importante neste momento em que a CNBB evoca a luta pela vida e pelo meio ambiente, que apoie sem restrições, em nome do povo de Deus, o exemplo de d. Luiz Cappio, porque foi ele quem despertou mais cedo para acordar toda aldeia.
PUBLICADO NO JORNAL "O POPULAR" DE GOIÂNIA EM 10/12/2007
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